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Solidariedade com o dinheiro alheio

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O celebre economista Milton Friedman, ganhador no Nobel de Economia, dizia que são quatro as formas de gastar dinheiro. Você pode gastá-lo com você mesmo e, quando faz isso, tenta usá-lo da melhor forma possível. Você pode gastar seu dinheiro com outra pessoa e, nesse caso, a primeira preocupação é custo. Friedman dizia, ainda, “(…) eu posso gastar o dinheiro alheio comigo mesmo. E se eu gasto o dinheiro alheio comigo mesmo, então eu tenho certeza de que terei um bom almoço! Finalmente, eu posso gastar o dinheiro de alguém com outro alguém. E se eu gasto o dinheiro de alguém com outro alguém, eu não me importo com o custo e não me importo com o que conseguirei satisfazer. E isso é o governo”!

O pacto federativo brasileiro é, sem dúvida, a quarta forma de gastar dinheiro, vejamos. O Rio de Janeiro, Estado em que resido, repassa em média à União, em forma de impostos e contribuições, cerca de R$ 140 bilhões ao ano, entretanto, recebe do Palácio do Planalto algo em torno de R$ 14 bilhões em repasses constitucionais obrigatórios, investimentos e royalties do petróleo, ou seja, 10% do total. Em São Paulo a questão é ainda pior: Os bandeirantes repassam ao Governo Central R$ 280 bilhões e recebem de volta apenas R$ 11 bilhões.

Sul e Sudeste são superavitários, isto é, os sete Estados destas duas regiões repassam muito mais verbas que recebem. São Paulo e Rio de Janeiro são, obviamente, os que mais transferem recursos para Brasília. Somados, são a origem de 60% das receitas federais. No entanto, proporcionalmente, são os Estados que menos retorno recebem da União.

Por outro lado, nesta “solidariedade” federativa, os outros Estados recebem mais do que repassam ou, ainda, encontram-se em situação de quase equilíbrio, como é o caso do Ceará, que repassa R$ 7.4 bilhões e recebe R$ 7.1 bilhões ou, ainda, Bahia, Pernambuco, Amazonas e Goiás, com repasses de R$13bi, R$ 10.9 bi, R$ 8.6 bi, R$ 8.6 bi respectivamente; e recebimentos de R$ 11.2 bi, R$ 7 bi, R$ 3 bi e R$ 4 bi, respectivamente. Os números são do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Mecanismos como Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), foram criados para, em tese, diminuir desigualdades regionais. Instituídos em meados da década de 60 do século passado e mantidos pela Constituição de 1988, a justificativa seria a construção de um Brasil mais equilibrado, onde as desigualdades regionais fossem amenizadas ao longo do tempo.

O FPE é formado por 21,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Hoje, a distribuição destas verbas é feita conforme a renda per capita de cada Estado, ou seja, os mais carentes são favorecidos em detrimento dos mais abastados. Norte, Nordeste e Centro-Oeste ficam com 85% dos recursos do FPE e os das regiões Sul e Sudeste com apenas 15%. Sempre fico fascinado como é fácil fazer solidariedade com o dinheiro alheio!!

O FPM tem uma composição parecida, sendo constituído de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em 2012 as cifras giraram a casa dos R$ 70 bilhões. O bolo é dividido da seguinte forma: 10% vão para as capitais e o restante para os demais municípios. Somente quatro capitais brasileiras, segundo estudo realizado pela Faculdade INSPER, de São Paulo, têm arrecadação própria maior do que o valor que recebem em transferências da União e dos Estados. São elas: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Florianópolis.

Esses instrumentos de remanejamento de recursos entre regiões, ideia derivada do “Pacto Federativo”, existem não só no Brasil, mas em vários países. A unificação da Alemanha após a queda do Muro de Berlim foi custeada por mecanismos semelhantes. No EUA são repassadas pela União algumas verbas ligadas ao sistema de saúde e previdência social.

Aqui, entretanto, a questão ganha feições trágicas e sem qualquer grau de comparação. Por um lado, o Governo Federal tem uma mordida tributária feroz e cada vez maior, abocanhando a maior parte dos recursos (os quais, como todos sabem, são administrados de modo desastrado e com níveis endêmicos de corrupção).

Por outro, inexiste no Brasil um sistemas de incentivos para que os Estados e Municípios recebedores aumentem a eficiência em suas arrecadações, bem como melhorem a qualidade dos gastos públicos. As unidades beneficiadas por estas políticas de transferência de renda pouco fazem para aprimorar as arrecadações próprias e, desse modo, dependerem cada vez menos dos repasses federais; no mesmo sentido, a melhoria e profissionalização da administração pública, assim como o incremento da prevenção da corrupção deixam a desejar.

Em outras palavras: a administração pública nestes Estados e Municípios é, predominantemente, de qualidade sofrível, quando não corrompida. As unidades políticas recebedoras deveriam, para que houvesse continuidade das transferências, estar condicionadas a critérios objetivos e transparentes de atuação, onde as métricas e estatísticas de desenvolvimento humano fossem guias para a liberação das verbas.

Não sou radicalmente contrário à existência de mecanismos inter-regionais de ajuda. Entendo-os admissíveis em um país com as nossas peculiaridades, todavia, se deveria condicionar a divisão das verbas à melhoria contínua de indicadores, principalmente os sociais. Deveríamos ter algum tipo de controle de desempenho das administrações locais e estaduais, pois os milhões de pagadores de impostos do Sul e do Sudeste tem o direito de saber como está sendo aplicado o dinheiro que recolhem aos cofres públicos.

A verdade é uma só: todos sempre querem mais dinheiro, bem como ninguém aceita pacificamente perder privilégios, benefícios, vantagens ou subsídios. Os administradores públicos não fogem a essa regra! Contudo, ninguém tem a coragem de inserir a melhoria da performance no debate do “Pacto Federativo”. Tal questão é tabu, um debate tido como politicamente incorreto no Brasil. Daí a necessidade de um verdadeiro estadista para, com sua narrativa consistente, convencer a nação a mudar de rumos e a tomar os remédios amargos.

Como disse o ex-primeiro ministro de Luxenburgo, Sr. Jean-Claude Juncker: “todos sabemos como superar a crise europeia; apenas não sabemos como fazer isso e ganhar a próxima eleição”.

A verdade é que as evidencias mostram que dar dinheiro aos Estados e Municípios mais pobres simplesmente não melhora a gestão dos recursos ou a situação da população mais carente destas unidades recebedoras. Se o Norte e o Nordeste são contemplados por um sistema mais generoso de partilha de recursos, isso, por si só (os últimos 50 anos tem mostrado isso) não assegura que os índices sociais melhorem na mesma proporção.

Muito recursos acabam desviados nos escaninhos da burocracia e/ou escorrem pelos múltiplos ralos da corrupção, chegando em quantidades diminutas e insuficientes na ponta final, ou seja, justamente na população mais pobre e que mais precisa.

Guardadas as devidas proporções, o drama faz lembrar os bilhões de dólares que anualmente são enviados em programas de ajuda à África e que, infelizmente, em sua maior parte são apropriados pelos governo, não favorecendo aqueles que realmente necessitam.

O fato é que o sistema atual não estimula Estados e Municípios a serem mais eficientes. Muito pelo contrário! Manter a arrecadação baixa garante o recebimento dos recursos do FPE e FPM e, por vezes, a queda na arrecadação gera aumento dos repasses. As verbas estão asseguradas por força da Constituição sem que sejam necessários esforços de melhoria (é como o Bolsa Família, em suma). É um prêmio pela incompetência, uma estranha espécie de recompensa pela ineficiência que só faz retroalimentar a má gestão e a perpetuação do subdesenvolvimento. Ganham apenas Clãs, vide o que ocorre na capitania hereditária do Maranhão!! O Estado recebe dinheiro do FPE, faça chuva ou faça sol!

A pergunta de um milhão de reais é a seguinte: por que adotar medidas de austeridade ou, ainda, incrementar políticas de arrecadação (sempre impopulares!), se o dinheiro continua caindo do céu, ou melhor, do bolso dos demais brasileiros do Sul e do Sudeste? Dito de outra forma: por que adotar políticas rigorosas nos gastos públicos e lutar para que empresas e indivíduos paguem mais tributos se isso não rende nenhum dividendo eleitoral e, ademais, o dinheiro continuará jorrando? Porque se esforçar?

A eleição de outubro se avizinha e é hora de um diálogo franco sobre o Pacto Federativo Brasileiro, é momento de revermos as bases do FPE e FPM e de colocarmos fim a farra dos recursos distribuídos sem contrapartidas. Transferências e repasses aos Estados e Municípios mais pobres devem estar atrelados a uma agenda de competências e a elevação dos índices sociais. Noutro giro, é essencial estabelecermos um horizonte de saída, ou seja, uma data para que esses repasses acabem.Como e quando acabarão é tema a ser discutido pela sociedade brasileira, entretanto, deve se ter como ponto pacífico a impossibilidade de sua eternização.

A arrecadação não pode asfixiar os que produzem riqueza, bem como a repartição tributária deve auxiliar a população mais pobre. O que temos hoje é justamente o inverso, com o agravante de que o sistema favorece a perpetuação de velhas oligarquias políticas. Carecemos de mais transparência e autonomia locais, tanto política quanto econômica. Da mesma forma, se faz necessário e urgente reduzirmos a concentração de poder e recursos em Brasília. Em suma, precisamos de um federalismo de verdade, não deste simulacro e engodo em que vivemos.

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Rodrigo Mezzomo

Rodrigo Mezzomo

Advogado (UFRJ), com pós-graduação em filosofia contemporânea pela PUC-RJ, Mestre em Direito (Mackenzie-SP) e Doutorando em Direito pela Universidade de Buenos Aires. Professor de Direito Processual Civil (Mackenzie-RJ).

3 comentários em “Solidariedade com o dinheiro alheio

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    15/05/2014 em 7:27 pm
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    Professor, o Brasil é um país muito fechado do ponto de vista do comércio exterior. Claro que o sr. sabe que temos pesadas taxas de importação para praticamente qualquer produto. Ora, isso beneficia justamente as regiões mais industrializadas, que podem vender seus produtos às regioões menos industrializadas sem a concorrência estrangeira. Esse é o “pacto comercial” entre CE e SP, ou entre RN e MG. Isso obviamente é ruim para o NE, que é praticamente obrigado a comprar de SP quando poderia comprar mais barato dos EUA ou da China. Mas Brasília não só não permite, como estimula a concentração de privilégios numa região, a exemplo da concentração bancária, que agravou mais nas última décadas justamente pela proteção que o governo dá a meia dúzia de bancos do eixo. Cito também Bolsa-milionário, vulgo BNDES, que conta com recursos muito maiores (muito mesmo) que o nanico Bolsa-Familia, e cuja concentração de empréstimos é novamente maior entre empresas do eixo. Brasília, FIESP e Febrabam fazem mais mal ao nordeste que o nordeste dá de custo a este país, professor. Por isso, flerto com a idéia de separatismo pro essas bandas. Há um professor chamdo Jacques Ribemboam que escreveu sobre o tema, desenvolvendo a teoria do neocolonialimo interno como uma das razões da estagnação do NE desde o século XVIII. Só mais recentemente o NE passou a crescer a uma média superior a nacional, mas ainda de modo insuficiente para desfazer essa defasagem.

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    14/05/2014 em 8:38 pm
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    O amigo lembrou da mamata que o sul e o sudeste ganham com o “pacto comercial”? Sim, pois esse é muito mais interessante ao sul e sudeste que o pacto federativo é ao norte e nordeste. Lembre as vantagens das empresas das regiões mais industrializadas têm devido às restrições comerciais que os estados menos industrializados ge4ado por Brasília e FIESP. Sem falar na concentração bancária, que faz escoar dinheiro de t o do o Brasil para a Av. Paulista, com a bênção de Brasília também. O que o sul e sudeste dá com uma mão ao restante do Brasil, tira mui5o mais com a outra. A mão do lobby, do BNDES e do comércio privilegiado, livre de concorrência estrangeira.

    • Rodrigo Mezzomo
      15/05/2014 em 2:10 pm
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      Prezado Clístenes,
      Seu comentário, com todo o respeito, me padece um tanto desfocado da realidade normativa brasileira. Quero crer que o Sr. fale imbuído de forte emoção, não de razão. Todavia, vejamos os equívocos, a saber:
      Em primeiro, seria interessante que o Sr. explicasse o que vem a ser as tais “vantagens das empresas das regiões mais industrializadas”, bem como “às restrições comerciais” a que o Sr. se refere. Que restrições seriam essas? Que legislação disciplina o tema?
      Em segundo, com todas as vênias, não existem quaisquer vantagens comerciais aos Estados do Sul e Sudeste, muito pelo contrário! A única vantagem comercial e/ou industrial interna é a Zona Franca de Manaus, na região Norte. Portanto, salvo melhor juízo, não existe amparo legal em sua afirmação.
      Em terceiro, no que tange a “concentração bancária”, foi ela decorrência de processos de mercado. Nenhuma lei federal impôs a concentração na praça de SP.
      Em quarto e último, a alusão a “concorrência estrangeira” também está equivocada. Informo-lhe que as questões alfandegárias atingem igualmente todos as Unidades Federadas. As regras e tributações para que um produto ingresse no Brasil são idênticas para todos, ou seja, independem do destino interno (não importa se a mercadoria será redirecionada para Roraima ou Santa Catarina).
      Atenciosamente
      R. Mezzomo

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