Sobre o juiz de garantias
Há muitas críticas sem fundamento sendo feitas sobre a criação do “juiz de garantias”. Suspeito que muita gente tenha caído de boa-fé em ad hominem tanto pela participação do Freixo na elaboração e aprovação dessa mudança ao projeto de lei original quanto pela recusa do Bolsonaro em vetá-la. Freixo colaborou ainda mais com a confusão ao afirmar equivocadamente que o juiz responsável pela condução do processo não seria responsável pelo julgamento. O deputado não sabe nem o que ele criou.
Esclareça-se que a lei não estabeleceu nenhuma “nova instância”. A função do juiz de garantias já é exercida regularmente pelos magistrados. A lei apenas veda o juiz que atuar durante a fase de inquérito de ser responsável também pela instrução. Noutras palavras, a lei separa a fase de inquérito da fase de instrução e julgamento. Nada mais. Aliás, essa separação já é realizada espontaneamente nalgumas comarcas do país sem qualquer polêmica.
A mudança legislativa somente tornou tal prática obrigatória. Nas comarcas com mais de um juizado, a dificuldade com isso é ZERO. A implementação do disposto em lei poderia ser imediata sem custo algum. Por excesso de zelo, para evitar qualquer confusão mesmo, bastaria que a lei fosse válida para os inquéritos abertos após sua publicação. Pronto.
Se há confusão, tal questão é limitada única e exclusivamente às comarcas com um juiz – se maioria ou não das comarcas do país, isso não importa. O fato relevante é que os legisladores simplesmente ignoraram-lhes a existência. Essa é a única razão para a lei ainda não ter sido implementada, se é que virá a ser implementada.
O imbróglio atual poderia ter sido evitado por uma infinidade de distintas medidas. Por exemplo, nessas comarcas, a lei poderia ter: (a) permitido que se continuasse tudo como está; (b) autorizado que juízes de comarcas vizinhas atuassem como juízes de garantias [dependendo da proximidade entre os juízos devido aos custos]; (c) condicionado à aplicabilidade do juiz de garantias nessas comarcas à implementação do processo eletrônico [para que juízes de fora pudessem atuar nós inquéritos sem qualquer custo adicional]; etc.
Tais possibilidades sequer são necessariamente excludentes; podendo ser combinadas perfeitamente. Contudo, apesar de haver 513 deputados e 81 senadores, nenhum parou para atentar-se sobre essa dificuldade.
Teria tal desatenção sido causada por uma pressa dos deputados em colocar o presidente numa “saia justa” diante do ministro da Justiça antes que o governo pudesse se articular em contrário? Se o objetivo era esse, não sei. Na hipótese de ter sido essa a intenção, o plano não funcionou; e não funcionou por dois motivos.
Por mais que Moro seja contra a alteração, na prática, ela pouco afetaria a dinâmica do processo penal. No caso da Lava-Jato, por exemplo, Moro poderia ter atuado como juiz de garantias e as investigações da PF e do MPF teriam transcorrido exatamente como vêm sendo até agora. A alteração, portanto, não é substancial a ponto de gerar atrito no governo por falta de veto.
O governo tampouco vê-se atingido pela mudança legislativa devido ao fato de que, por menor que seja seu efeito prático, ela ainda não foi implementada. A nova legislação encontra-se suspensa por decisões proferidas pelos ministros Dias Toffoli e Fux. Os legisladores deixaram o Judiciário sem alternativas para as comarcas com um juiz. Por hora, é impossível atender o determinado em lei, tanto em nível federal quanto nos estados.
Até o momento, o juiz de garantias só conseguiu garantir que os debates nas redes sociais (como se fosse necessário acrescentar gasolina a essas fogueiras) seguissem tão intensos quanto despropositados. Fora isso, todo o esforço dos nossos legisladores para mudar a lei e gerar problemas para o Executivo foi em vão.