Eu posso repudiar Hitler, mas você que é comunista, não!
“O meu diagnóstico… Você quer? Uma mistura de prisão e jardim de infância, isso é o socialismo que conhecemos. O socialismo soviético. O homem entregava ao Estado a alma, a consciência, o coração, e em troca recebia uma ração. Uns tinham mais sorte, recebiam uma ração maior, outros ganhavam uma ração menor. No final das contas dava no mesmo, todos davam em troca a sua alma” (ALEKSIÉVITCH, 2016, p. 195)
Ninguém, em sã consciência, nega o Holocausto, Holodomor, os fuzilamentos cubanos, os campos de trabalho de Pol Pot, os gulags soviéticos, o acordo entre fascistas e nazistas que enchiam vagões de pessoas para os fornos de Hitler. Enfim, ninguém mentalmente equilibrado nega a veracidade dos genocídios que, ainda hoje, envergonham, fedem e mancham a nossa história recente. A não ser, é claro, que você tenha vendido a sua alma para alguma ideologia, já tenha se batizado na religião política do momento e, assim, perdido a consciência moral para os dogmas do aglomerado.
Por mais assustador que seja, realmente há uma massa cinzenta de seres humanos inaptos que não só negam tais genocídios como saúdam os seus líderes. Por exemplo, um historiador e blogueiro de esquerda ― isso mesmo, HISTORIADOR ―, Jones Manuel, em sua conta no Twitter, negou que tenha existido o genocídio Holodomor. Para quem não sabe, Holodomor foi o genocídio orquestrado e efetivado diretamente por Stálin na Ucrânia, entre 1932 e 1933 ― porém, as consequências do genocídio foram muito além desses dois anos, como veremos. Estima-se que o número de pessoas mortas ultrapassaram os 10 milhões ― segundo números oficiais da Ucrânia, 3,9 milhões de pessoas morreram diretamente por inanição, e mais 6,1 milhões nos anos seguintes em decorrência dos atos perpetrados naqueles 2 anos. A realidade é abissal e profundamente perturbadora: em 6 anos de ação direta ou indireta do comunismo soviético na Ucrânia, matou-se mais do que o holocausto em 12 anos de governo nazista. Cabe salientar que a comparação não tem outro sentido a não ser o do mero espanto frente à capacidade genocida do comunismo soviético. De maneira alguma pretende-se minorar o horror nazista ― até mesmo porque seria impossível fazê-lo. Para saber mais, indico a excelente e elementar obra de Anne Applebaum: A fome vermelha: A guerra de Stalin na Ucrânia.
Na mesma esteira de idiotices de Jones, outra historiadora, Talíria Petrone, que também é deputada federal pelo PSOL ― olha que surpresa ―, saudou a memória do tirano Lênin em seu Twitter. O homem responsável pelo “start” no regime mais sanguinário da história humana ― junto à Revolução Chinesa de Mao Tsé ―, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, se torna digno de saudades e reverências de uma HISTORIADORA.
Fato é que, a partir de Lênin, contabilizam-se ao menos 100 milhões de mortos. Foi a Revolução Russa de 1917 ― revolução que Lênin liderou e o perpetrou tirano mor da Rússia comunista― que deu origem à URSS em 1922 e às demais revoluções comunistas ao redor do globo. Ainda que um regime comunista ou outro não manifestassem adesão total aos bolcheviques, todos eles reverenciavam a derrocada proletária de 1917 de alguma maneira. O comunismo transformou a política em “uma intoxicação absoluta de consciência moral”, uma política que “destrói em nome da utopia categorias inteiras de pessoas” (BESANÇON, 2000, p. 57).
Estima-se que entre 28 a 30 mil pessoas, entre 1917 e 1922, foram assassinadas por motivações políticas sob a tutela de Lênin; sequer me aprofundarei na Revolta de Kronstadt, episódio em que Lênin ordenou o assassinato de 10 mil camponeses que não aceitaram as imposições da polícia revolucionária bolchevique ― foram 10 mil mortos em 10 dias.
Somente isso já demonstraria, a mentes sãs, a tendência totalitária do PSOL e de seus adeptos ― PSOL esse que também saudou Lênin no Twitter. Todas essas saudações e adulações desnudam a mentalidade ralé, religiosa e cega em que nossos historiadores estão sendo formados na universidade; a panfletagem comunista está a todo vapor. “Todo um corpo especializado no falso produz falsos jornalistas, falsos historiadores, uma falsa literatura, uma falsa arte que finge refletir fotograficamente uma realidade fictícia” (BESANÇON, 2000, p. 58-59). Negar fatos que se provam através de sobreviventes que ainda hoje podem ser encontrados para um café, que se confirmam através de fotos, vídeos, documentos, relatos de primeira ordem, ou com a simples e tortuosa visita aos malditos lugares onde as barbáries ocorreram, é loucura pura e simples. O princípio mesmo da demência é a negação da realidade e dos fatos e, no Brasil, essa mesma demência aplicada à política e à história virou patente intelectual e chancela moral.
Ora, sejamos francos: essencialmente o que diferencia Jones Manuel de qualquer terraplanista retardado que está por aí? O que torna Talíria mais digna de respeito que Roberto Alvim? A ceiva fétida da mentalidade totalitária habita todos esses que, de alguma maneira, fazem menção honrosa ou despejam dignidades sobre regimes ou pessoas que matavam terceiros somente porque esses não pensavam como eles, não eram da raça deles.
O que eu quero salientar neste texto é a minha prerrogativa, enquanto comentarista político e escritor, como amante inescrupuloso da liberdade e da verdade, de odiar e desprezar como abjeto todo ― e eu digo claramente: TODO ― pensamento totalitário e genocida. Não importa qual espectro político ele habite, nem sob quais capas se mostre. Eu, um democrata de berço, repudio qualquer pensamento ditatorial e negacionista das vergonhas políticas de nossa história. Eu e aqueles que repudiam ditadores e ditaduras podemos nos revoltar contra Alvim e todos os que fazem menção honrosa ao nazismo; no entanto, se você aplaude o comunismo, você não pode – e isso não é uma lei normativa, positivada em termos e contratos jurídicos ou em tábulas santas. Isso é uma lei natural, baseada na coerência mais elementar: quem aplaude Lênin e Fidel Castro não pode indignar-se contra quem adorna Hitler e Mussolini, afinal, todos eles habitam o mesmo círculo infernal de Dante, a mesma categoria de repugnância histórica e política.
Como afirmava Alain Besançon: “A amnésia do comunismo e a memória do nazismo se exasperam mutuamente quando a simples e justa memória basta para condená-los a um e outro” (BESANÇON, 2000, p. 143). Para fixar: quem se revolta contra aqueles que aplaudem Hitler, sendo admirador de Lênin, é tão somente hipócrita!
A hipocrisia, aliás, é uma marca latente de cada indivíduo. Porventura, deslizar aqui e acolá faz parte do jogo chamado “vida”, não existindo apedrejadores moralmente santos que podem atirar essa primeira pedra. Entretanto, se perpetuar a hipocrisia é uma escolha livre, da mesma maneira a percepção da hipocrisia em nossas ideias e atos deve nos levar a corrigi-los imediatamente. Quando efetivamos a hipocrisia em nossas crenças e atos, tentando lhe dar uma cara porcamente humanizada, nada mais estamos a fazer do que chamar o câncer de “benefício” – ato que não muda a natureza do câncer e nem a percepção do que é “benéfico”, apenas deixa tal indivíduo com a feição de imbecil perante a realidade.
O caminho para os que guardam a sanidade mental não é outro senão negar de antemão qualquer apresentação ideológica que leve em conta a máxima revolucionária: “não se faz um omelete sem quebrar alguns ovos”. A história mostra que milhões de ovos são quebrados sem que nenhum omelete seja realmente feito. No fim, apenas pilhas e mais pilhas de corpos são deixados como espólios vadios de nossa ânsia em mudar a realidade a qualquer custo. Dessa forma, eu não respeito quem saúda Hitler, Mussolini, Pol Pot, Stálin, Mao TseTung, Lênin, Bashar al-Assad, Estado Islâmico, Soleimani, Goebbels, Fidel Castro, Che Guevara, Pinochet, Nicolás Maduro, Nicolae Ceauşescu, entre outros. No fim, os que exaltam Hitler, unido àqueles que enaltecem Lênin, são como um típico casal de idosos: brigam, xingam e eventualmente se agridem pela manhã, mas à noite dormem de conchinha.
Referências:
ALEKSIÉVITCH, Svetlana. Vozes de Tchernóbil: a história oral do desastre nuclear, São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
BESANÇON, Alain. A infelicidade do século: sobre o comunismo, o nazismo e a unicidade da shoah, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.