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Sobre Bolsonaro, Pascal e consequências

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Uma das ferramentas mais curiosas da apologética cristã é a famosa “Aposta de Pascal”. Formulada pelo matemático e filósofo francês Blaise Pascal, consiste basicamente em um conjunto de suposições acerca da existência – ou não – do Deus revelado na Bíblia e as consequências para nós, criaturas mortais, quanto ao crer ou não crer nesse Deus.

Sem julgar aqui sua pertinência, a aposta sugere que, do ponto de vista racional, há maior ganho em pressupor a existência divina do que o contrário e que, portanto, ao ponderar questões existenciais, deveríamos “apostar” na primeira opção.

Apostar é uma característica inerente ao ser humano. Ao optar por uma determinada profissão, você está, em alguma medida, apostando que ela trará mais benefícios do que outras tantas que poderiam ser escolhidas. É assim também ao escolher um curso dentre as dezenas disponíveis nos catálogos das universidades. Ou quando você, querido leitor,
devota sua paixão para um determinado clube de futebol, está apostando (ainda que de forma completamente subjetiva) que essa devoção te fará mais feliz do que torcer, por exemplo, para o arquirrival, independente da posição na tabela ao final do campeonato.

Toda escolha pressupõe alguma medida de benefício em detrimento de outra ou outras possíveis. Pois bem, a crise desencadeada pelo novo coronavírus tem submetido governos do mundo todo a uma crise sem precedentes na história recente. Contaminação em proporções assustadoras, estatísticas do número de óbitos em crescimento vertiginoso, bolsas em queda, comercio fechado, fronteiras idem, lockdown, sensação de pânico etc. Há poucos meses, nem o mais pessimista dos homens arriscaria um cenário como esse que se apresentou nas últimas semanas, de maneira que não é de se estranhar a dificuldade de muitos líderes mundiais em estabelecer políticas de combate a essa nova pandemia. Exceto por bizarrices como as sugeridas pelo presidente da Bielorrússia, em geral os governantes tem buscado adotar medidas para minimizar o impacto e disseminação do coronavírus. As mais impactantes até agora são aquelas cujo objetivo prático é restringir sua propagação mediante isolamento social.

Empresas fechadas, crianças sem aula, vigilância ostensiva das autoridades policiais nas ruas e até mesmo alguns casos de toque de recolher. Tudo isso com o objetivo de evitar que o número de contaminados somado a outros doentes ultrapasse a capacidade (em nosso país, já bastante limitada) de atendimento e de tratamento.

Matematicamente falando, é algo que faz sentido: quanto menos pessoas circulando, menor a probabilidade de contágio. E quanto mais cedo isso for feito e mais duradouras forem tais medidas, menores os impactos do vírus na saúde pública.

Seria perfeito, não fosse por um detalhe: país parado não produz. “Dinheiro não dá em arvore”, “governo não gera riqueza”. São premissas básicas, eu sei, mas que muitos ideólogos por aí ignoraram durante anos e que agora, não mais do que de repente, estão expostas nuas, cruas e escrachadas diante de todos. Os governos estão sensíveis a essa questão. Muitos deles, sobretudo no continente europeu, tem optado por aumentar os níveis de restrição (algumas estimativas sugerem que 1/3 da população mundial esteja em algum tipo de quarentena), mesmo cientes de que isso há de custar a saúde de suas respectivas economias.

No nosso caso, o governo federal inicialmente pareceu entender a gravidade quando o problema se avizinhou por aqui. O ministro Mandetta – competentíssimo, diga-se – agiu rapidamente no planejamento junto ao Ministério da Saúde. Logo em seguida, outros ministérios se mobilizaram numa espécie de força tarefa coordenada no Executivo Federal.

O povo brasileiro foi incentivado a permanecer em quarentena nas últimas semanas e, em grande medida, respondeu positivamente a esse pedido. Contudo, a postura do governo federal tem mudado, principalmente a adotada pelo próprio presidente da República. Ainda que alguém possa argumentar – não sem razão – que o PR pessoalmente nunca levou muito a sério o isolamento proposto pelos profissionais da saúde, a postura institucional, ao menos, não era contraria à quarentena.

Isso mudou no pronunciamento do último dia 24. Bolsonaro defendeu explicitamente o retorno à “normalidade” e que as autoridades locais deveriam encerrar a “proibição de transportes, fechamento de comércios e confinamento em massa”, sugerindo que a preocupação maior deve ser com os idosos (grupo de risco), não havendo razão, portanto, para o fechamento de escolas.

Trocando em miúdos, Bolsonaro deu um all-in, para usar linguagem de aposta.

Apostou tudo, resolveu pagar para ver.

Seus ministros trataram de adequar os discursos à nova posição do presidente. O próprio Mandetta, embora convicto de que as decisões devem continuar sendo técnicas, tem ponderado bastante seus pronunciamentos. Coisa parecida ocorreu nos Estados Unidos. Donald Trump também se mostrou inicialmente pouco convencido da gravidade do Covid-19, comparando-o a uma gripe sazonal. Dias atrás, declarou que pretendia liberar os americanos da quarentena até o feriado da páscoa, 12/04.

Porém, algo aconteceu…

Enquanto escrevia esse texto, dia 31/03, (e após mais de 3000 mortes e 170 mil casos confirmados nos EUA), o presidente americano claramente adotou outro tom. Em pronunciamento, disse que as próximas duas semanas serão “muito, muito difíceis”. Cientistas ouvidos pela Casa Branca estimam entre 100.000 e 240.000 o número de americanos mortos por conta da pandemia, enquanto o governo busca saídas para impedir (ou pelo menos reduzir o máximo possível) que essa projeção se traduza em realidade. O congresso, por sua vez, agiu rapidamente e aprovou um pacote de mais de dois trilhões de dólares (sim… trilhões!) cujo objetivo é aliviar os impactos econômicos da crise na vida do cidadão.

Também na noite de hoje, durante novo pronunciamento em rede nacional, Jair Bolsonaro deu mostras de que pode arrefecer o discurso e buscar uma posição mais equilibrada. Embora as estatísticas da pandemia aqui no Brasil sejam menos alarmantes do que aquelas experimentadas por americanos e europeus, a crescente constante no número de casos e mortes registrados nos últimos dias – além, é claro, da enorme pressão política e midiática – aparentemente serviu para conscientizar o presidente acerca da real gravidade e potencial de destruição (social e econômica) desse maldito vírus.

A linha entre a quebra econômica e o caos na saúde pública é bastante tênue. Na falta de uma vacina que possa imunizar a grande massa, e sem condições de realizar testes aos milhões enquanto se produz tal vacina, qualquer tentativa de prognóstico definitivo, otimista ou pessimista, é mero exercício de futurologia.

A economia precisa se movimentar, isso é fato. Também é fato que essa movimentação não pode ser ao custo de milhares/milhões de mortos por negligência (o índice de mortalidade do vírus até aqui sugere que essa não é uma estimativa irreal).

O all-in do presidente aparentemente foi um blefe. Felizmente! A prudência é princípio elementar do conservadorismo.

Convém que as autoridades apresentem um plano de ação, o povo brasileiro tem por tradição (e hino) não fugir à luta, mas nem por isso aspira a morrer no campo de batalha. Em sua formulação lógica, Pascal argumenta de forma a tentar convencer seus leitores de que a melhor aposta nessa vida terrena é a crença na existência de Deus para a vida que eterna.

Por já crer nisso, permito-me nesse momento me preocupar mais com as apostas dos governantes em relação à esta vida. Sem um plano de ação bem definido, movimentações equivocadas tendem a produzir consequências trágicas, e quando se trata da vida humana, nem sempre é possível voltar atrás numa aposta mal planejada.

Muito em breve saberemos o nível de assertividade dos atores no tabuleiro político.

*Marlon Reguelin é empreendedor. 

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