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Seis Lições atemporais

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O livro As seis lições é um convite ao pensamento de Ludwig Von Mises. É uma obra póstuma e baseada em transcrições de palestras proferidas pelo autor. Não se trata, portanto, de uma obra que endereça suas teorias a fundo, ou seja, que traz o embasamento típico do rigor científico que permeou sua trajetória. Ao fim da leitura, fica a instigante ideia de ler Ação humana, tida como sua obra mais importante e inauguradora da praxeologia.

Nota-se que, ao defender as virtudes do capitalismo como sistema econômico, Mises enaltece o fato de a liberdade econômica ter melhorado a qualidade de vida do cidadão médio e permitido a mobilidade social. Mises descreve que essa realidade era impossível num sistema feudal com classes sociais definidas por nascimento, nem mesmo num sistema socialista com a divisão do trabalho sendo determinada pelo planejamento central. 

Ou seja, Mises não foca na promoção da igualdade social. Muitos economistas modernos orientados mais à esquerda, como Thomas Pikkety ou Joseph Stiglitz, exaltam a necessidade de combater a desigualdade social. O foco não deveria ser justamente a melhora média da qualidade de vida, a eliminação da pobreza e a promoção das liberdades individuais? Ou ainda buscar um sistema político e social que seja compatível com a natureza humana – isto é, por que deveríamos condenar a existência de super ricos, se existentes numa sociedade onde há qualidade de vida, alta empregabilidade e promoção da justiça?

No campo ideológico, Mises afirma que o governo não pode “impedir, por meio de um controle sobre o que as pessoas consomem, que elas se prejudiquem”. Lendo isso, fica claro que o pensamento de Mises é incompatível com o conservadorismo que defende a manutenção de proibições ao consumo de drogas, aborto, dentre outras pautas. Isso porque o economista defendia a “liberdade de errar”, pregando que ao Estado não cabe agir como guardião do indivíduo. Mises explica que, se o Estado for o guardião do corpo, como poderíamos evitar que ele passasse a tutelar também a mente do indivíduo? Ora, não seria a mente mais importante do que o corpo? Mises cita o caso da Alemanha nazista, que censurou a produção de arte, proibindo que fosse diferente da concepção de boa arte tida pelo Führer. Como se contrapor a essa atitude e criticar uma lei como a Lei Seca nos Estados Unidos? O Estado deve tutelar o corpo, mas não a mente ou as ideias, que são importantíssimos para o indivíduo? Afinal de contas, ideias e somente ideias são capazes de iluminar a escuridão.

No campo das ideias econômicas, o livro não explora argumentos econômicos em detalhe e aborda a teoria liberal num contexto em que o socialismo clássico ainda é seu maior contraponto. Seria interessante escutar o pensamento de Mises na sociedade atual, que praticamente aboliu o socialismo clássico, em benefício de teorias estatistas, social-democratas de intervencionismo ou de “capitalismo controlado”.

Primeiramente, soa bastante reducionista sua ideia de que o consumidor é o patrão ou soberano. A argumentação se insere num contexto em que se tentava refutar a dita “luta de classes”, parecendo adequado endereçar esse ponto a fim de ilustrar que o consumo guia o mercado e não o contrário. Entretanto, devemos lembrar que, se o consumidor pretende adquirir um bem ou serviço, o fornecedor também pretende adquirir e consumir dinheiro. Para tanto, o fornecedor idealizará o bem ou serviço de forma adquirir a maior quantidade de dinheiro, com o menor esforço, revertendo o maior benefício marginal possível ao consumidor. Nessa linha, também podemos identificar o fornecedor como um “consumidor soberano”. No livro A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, essa ideia fica bastante clara quando da criação do metal Rearden. Seu concebedor, Hank Rearden, idealiza uma liga metálica mais leve, resistente e barata, moldando o mercado e as próprias tendências de consumo.

Mises explora esse argumento e afirma que “o desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor e/ou mais barato o seu cliente”. Aqui a ideia parece funcionar em condições que se convencionou chamar de “concorrência perfeita”. A maioria dos países atualmente tem por impossível um mercado que sujeite todos a uma mesma oportunidade de entrada. Fala-se em “barreiras de entrada”, baixa mobilidade de capital, práticas antitruste (dumping e cartel por exemplo) que, verdadeiramente, impossibilitam novos entrantes e tornam inconcebível a ideia de Mises de que os players podem adentrar um novo mercado e servir de forma mais eficiente ou mais barata. Nesse ponto, as palestras de Mises condenam a prática de o Estado combater carteis, monopólios ou oligopólios que foram criados por incentivo do próprio Estado. Mas e quando essas anormalidades surgem naturalmente? Podem elas surgir naturalmente? É bastante válida a reflexão sobre as práticas econômicas abusivas, havendo quem defenda que somente surgem em mercados regulados, justamente em razão da forte regulação estatal e consequente criação de barreiras de entrada

Na sequência, temos talvez as principais contribuições de Mises para a teoria econômica, quando disserta sobre o mal da fixação e/ou indexação de salários, que invariavelmente levará a um aumento do desemprego. Também comenta a utilização da inflação do meio circulante como método de combater esse desemprego, que consiste em imprimir dinheiro e corroer o poder de compra do salário para aumentar a empregabilidade. Por fim, Mises também ataca a fixação de preços de bens de consumo, política pública que está fadada ao fracasso, mesmo que tenha a intenção de “estabilizar” os dos respectivos bens. 

As políticas públicas comentadas no livro são bastante típicas da época em que Mises viveu, muito embora alguns governos ainda se utilizem delas. Mais recentemente, passaram-se a discutir novos métodos de combate à inflação, como a utilização da taxa de juros para afrouxo e aperto monetário, ou o quantitave easing, que consiste em bancos centrais comprarem ativos no mercado de títulos e valores mobiliários a fim de “estimular” a economia. Esse e outros tantos métodos foram largamente empregados pelos EUA, Brasil, Banco Central Europeu e outros tantos durante a pandemia do Covid-19. Hoje estamos vivenciando os resultados dessas políticas: inflação histórica nos EUA e, a reboque, em diversas economias mundo afora.

Por fim, Mises explica o conceito de capital investido per capita, ressaltando que o investimento em capital produtivo elevou os países hoje tidos como desenvolvidos, sendo importante haver investimento estrangeiro, principalmente quando o país não dispõe de poupança popular alocada em capital produtivo. Mises cita o exemplo dos EUA, onde se conseguiu desenvolver uma poupança doméstica que apoia o capital produtivo. Trata-se de um exemplo a ser observado pelo Brasil, especialmente quando vivemos uma crescente “desbancarização” e financeirização da população brasileira, tendo a B3 registrado a marca histórica de 5 milhões de contas de CFPs em renda variável em dezembro de 2021. Conforme os conceitos de Mises, parece que esses fatos podem produzir resultados para o mercado brasileiro, desde que aliado à uma redução do financiamento estatal. Isso pois, conforme explica Mises, o Estado não deve substituir o indivíduo na tomada das decisões econômicas. Trata-se aqui de um problema típico do “conflito de agência”, pois não é o bolso do Estado que sofrerá as consequências de uma má análise de crédito. Conforme explica Mises, “sempre que tentamos convencer um grupo de pessoas que não depende diretamente da solução de um problema, o fracasso é certo”.

*Cícero Pereira é advogado no Mattos Filho, formado em Direito pela PUCRS com extensão no currículo de Law and Economics da Universität Bonn, na Alemanha. 

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