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Sarney é o novo presidente da Argentina

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O leitor não está tendo uma ilusão de ótica. De fato, trinta anos depois de descer a rampa do Palácio do Planalto, o maranhense José Sarney, hoje aos 89 anos, assumiu o poder na Casa Rosada como novo mandatário da Argentina. Ou quase isso – senão vejamos…

O filhote de peronismo com bolivarianismo Alberto Fernández, que esteve recentemente beijando a mão do Papa Francisco e agendando com ele uma visita do vilão-mor do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem se notabilizando por anunciar de forma espetaculosa seu desafio à “ortodoxia econômica” e seu apreço por um receituário intervencionista. O remédio para a Argentina não está no liberalismo – e isso já o teria provado o fracasso de Maurício Macri.

É claro que, na vida real, o buraco é mais embaixo e Macri falhou em implementar as políticas liberais que prometia, fazendo exageradas concessões justamente aos exércitos de peronistas e kirchneristas prontos a sabotar seu intento, no Legislativo e parasitando a sociedade. Sua convicção liberal se provou tão vazia que fez uma despedida melancólica aplaudindo uma política de nada menos que congelamento de preços.

Dívida enorme, inflação muito alta, pobreza crescente e ruídos nas relações exteriores devido à sua militância lulista se intrometendo nas questões brasileiras, gerando rusgas com o presidente Jair Bolsonaro, são alguns dos elementos do problema gigantesco que Fernández ganhou de presente ao triunfar nas eleições. O argentino, ao assumir o poder, falou em retorno dos Ministérios da Saúde e do Trabalho, combate às fake News e dureza com o sistema judicial que causou muitos danos ao país (provavelmente por criar problemas para Cristina Kirchner) – em suma, sua vitória criou um cenário de pesadelo para quem enxerga um palmo à frente do nariz.

O governo congelou tarifas, aumentou programas assistencialistas, aumentou impostos ao dólar turístico, incrementou diversas benesses nas aposentadorias, não se desviou da rota de controle de preços já adotada por Macri, congelou tarifas de transportes em Buenos Aires por certo período, aumentou salários nos setores público e privado por decreto e lançou um projeto para gerar empregos artificialmente. Seria possível fazer uso de quase toda a literatura do liberalismo econômico para desfilar ponderações sobre como está tudo indo na direção errada. Porém, uma cereja tragicômica foi acrescentada ao bolo nos últimos dias.

Enquanto tenta renegociar a dívida argentina com o FMI, Fernández anunciou que iniciará um projeto para capacitar aposentados ao ofício de fiscalizar a obediência dos mercados ao tabelamento de preços de mais de 300 itens. Soa familiar?

Os mais velhos – mais velhos do que eu, diga-se de passagem – se lembrarão de um personagem folclórico da história político-econômica recente do Brasil: o “fiscal do Sarney”. Durante a vigência do famigerado Plano Cruzado, tocado por diversos economistas, entre eles alguns que tomariam parte no Plano Real (de desfecho bastante diverso), o governo brasileiro, o primeiro a efetivamente vigorar na Nova República após o fim do regime militar, com a morte do eleito Tancredo Neves, tinha também um tremendo desafio econômico nas mãos com a hiperinflação.

Eis a cena dantesca instituída pelo governo naqueles fins dos anos 80: cidadãos comuns caminhavam com uma cartela de preços que determinava quanto os produtos deveriam custar. Pior: muitos exibiam essa função com orgulho, ostentando um broche verde e amarelo nas camisas com os dizeres “eu sou fiscal do Sarney”. Com fervor patriótico, esses cumpridores do dever denunciavam os empreendedores que cometessem o terrível pecado contra o deus governo de aumentar os preços para adequá-los à realidade dos custos e da procura. Os responsáveis podiam ter os estabelecimentos fechados e até a prisão decretada.

Ô glória! O que vocês acham que aconteceu? Oferecer os produtos passou a ser desvantajoso ou inviável e muitos itens importantes passaram a escassear nas prateleiras. O desastre inflacionário continuou após um breve período da conhecida euforia que seduz as presas do populismo como canto de sereia, prodigalizando mundos e fundos, sem que se cogite do custo de tudo isso ao final do túnel.

Congelar preços e instruir a sociedade a acuar seus empresários e comerciantes para garantir o cumprimento dos seus arrogantes ditames, ao mesmo tempo em que não se fez qualquer movimento para reduzir a máquina pública e cortar gastos na carne, foi o caminho adotado pela gestão Sarney. É rigorosamente a mesma coisa que está fazendo Fernández, abdicando da racionalidade reivindicada por autores como Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, que nos mostram a incapacidade do poder centralizado de concentrar informação suficiente para coordenar toda a atividade econômica e apontam para a distorção dessa informação provocada pela intervenção direta do Estado na dinâmica do mercado.

Como esperar resultado diferente? Se Fernández, “reencarnando” o governo Sarney, aceitar um conselho, não precisa ler artigos de economistas liberais, nem ler qualquer exemplar da rica literatura do liberalismo. Basta assistir no Youtube a vídeos de telejornais brasileiros dos anos 80. Não é preciso mais do que isso para constatar a estultice da medida.  

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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