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Resenha: O Chamado da Tribo

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Escrita pelo peruano Mario Vargas Llosa e publicada originalmente em 2018, O Chamado da Tribo aborda a evolução das ideias liberais por meio da visão de importantes pensadores. A escolha dos sete expoentes sobre os quais Llosa se debruça está intimamente ligada ao impacto que eles desempenharam na própria formação filosófica do autor. Um dos aspectos mais marcantes do livro, no entanto, é a habilidade de Llosa de entrelaçar a narrativa biográfica com a análise das teorias dos pensadores estudados.

No primeiro capítulo, o autor compartilha detalhes da sua própria vida e as experiências que o levaram a abandonar a ideologia socialista para abraçar as ideias liberais. Ainda jovem, se filiou ao Partido Comunista e mergulhou nas lições do socialismo na época de faculdade. Llosa teve uma vida profissional bastante agitada, especialmente porque trabalhou como jornalista, o que lhe possibilitou cobrir muitos eventos históricos, incluindo a crise dos mísseis em Cuba. Eventualmente, mudou-se, também a trabalho, para Paris, onde narra que comprava escondido o jornal Le Figaro para ler os artigos de Raymond Aron, cujas análises da realidade o incomodavam ao mesmo tempo em que o seduziam.

Dois acontecimentos foram cruciais para que Llosa abandonasse o socialismo. O primeiro foi na década de 60, na própria União Soviética. Lá, Llosa viu que o poder gerava muitas desigualdades, ainda que, na teoria, não existissem diferenças de classes. O segundo se deveu ao famoso caso Padilla. O poeta Herberto Padilla, muito ativo na Revolução cubana, começou a fazer críticas à política cultural dos anos 70, o que o rendeu ataques da imprensa, prisão e acusações de ser agente da CIA. Llosa e alguns amigos, incluindo Sartre, escreveram uma carta de protesto. Fidel Castro, então, os acusou de estarem à serviço do imperialismo, proibindo-os de pôr os pés em Cuba novamente.

Os sete capítulos seguintes são individualmente dedicados a cada um dos pensadores que mais influenciaram a vida de Llosa: Adam Smith, José Ortega y Gasset, Friedrich Hayek, Karl Popper, Raymond Aron, Isaiah Berlin e Jean-François Revel.

Adam Smith, o único deles que viveu no século XVIII, abre o segundo capítulo e merece destaque aqui por ter sido um dos maiores responsáveis pelas teses econômicas que viriam a permear as ideias liberais. O escocês, descrito como alguém tímido e extremamente estudioso, foi responsável não apenas por escrever A Riqueza das Nações – sua obra mais famosa -, mas por ser o responsável pela obra Teoria dos Sentimentos Morais. Esta última faz uma análise filosófica sobre a criação do juízo moral na sociedade. Smith conclui que o ser humano é dotado de um desejo original de agradar aos seus semelhantes e se preocupa com a aprovação dos outros. É dessa preocupação com os julgamentos morais que nasce um incentivo coletivo para uma certa harmonia social que não deixa que a sociedade se desintegre, análise que, futuramente, embasa toda a teoria econômica de Smith.

Ainda sobre Adam Smith, é a visão dele sobre a complexidade das ações humanas que o faz condenar o espírito dogmático do líder que, para impor o próprio projeto político, acredita que pode organizar a sociedade como em um tabuleiro de xadrez. No xadrez, há uma mão, um princípio motriz que move as peças. Na sociedade, por outro lado, cada indivíduo é seu próprio princípio motriz.

Impressiona que, em pouco menos de duzentas páginas, Llosa consiga examinar profundamente as obras e ideias de cada pensador que aborda. Da objeção de Karl Popper ao historicismo e ao cientificismo à diferenciação que Isaiah Berlin faz entre os conceitos de liberdade positiva e negativa, a narrativa envolvente de Llosa celebra a importância do pensamento crítico, da diversidade de ideias e do debate intelectual como um meio de enriquecimento pessoal e social.

Vale ressaltar que o livro não é apenas uma celebração de ideias, mas também uma crítica dura ao totalitarismo e o autoritarismo, especialmente quanto às ameaças que eles representam para a liberdade e para a democracia. A escolha do título, O Chamado da Tribo, faz referência justamente à irracionalidade do ser humano primitivo, que acreditava que o homem era parte inseparável da coletividade, subordinado a um líder todo-poderoso que tomava as decisões por ele. Na tribo, o homem adormece entre os que falam a mesma língua, sente-se livre das obrigações e responsabiliza o diferente por todas as calamidades que o assolam.

Nada representa mais o retorno à tribo que a negação do indivíduo como ser soberano e responsável pelos próprios atos. Para Llosa, a doutrina liberal é a que mais tem defendido o indivíduo do inextinguível “chamado da tribo”. A obra é um convite à reflexão das influências que moldam as próprias visões de mundo das pessoas, sem deixar de lado a relevância que a riqueza do debate intelectual proporciona à sociedade.

*Juliana Bravo – Associada II do Instituto Líderes do Amanhã.

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