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Resenha de “A Lei”, de Frédéric Bastiat

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A lei é um pequeno trabalho filosófico, quase um panfleto, escrito por Frédéric Bastiat pouco antes de morrer. Na obra, o economista e filosofo francês analisa os conceitos de direito e de lei, apresentando argumentações a favor do jusnaturalismo ou, popularmente, o direito natural. A teoria do Direito que ele fundamenta se baseia no bom senso, na racionalidade, na justiça e no pragmatismo – uma linha de pensamento jurídico segundo a qual cada ser humano detém direito à propriedade e ação desde o nascimento, contrapondo-se à lei positiva, às normas do Estado, que frequentemente não concordam com o direito natural.

Bastiat enfatiza em sua obra o conceito de “lei do legislador” ou “lei do estado”. Ou seja, ele não necessariamente apoia a lei, pois esta pode ser coercitiva, opondo-se e reduzindo a liberdade individual e os direitos das pessoas.

O jusnaturalismo prevê a existência de um direito humano natural inalienável. Em seu livro, Bastiat salienta a importância desse ponto para demonstrar a importância do liberalismo.

O direito é um conceito individual, ou seja, diz respeito ao indivíduo e sua relação com os outros em sociedade. Já escrevia Aristóteles na Política: “o homem é, por natureza, um animal político”, e um animal social que não pode ficar sozinho. Quem não tem interesse em se relacionar com outros “ou é uma besta ou um Deus”.

A convivência é, portanto, inevitável; mas isso não abala a lei, pois ela é sempre relacionada ao indivíduo. O grupo, a polis, a comunidade ou o Estado formados pelo homem com o único propósito de defender o direito.

Bastiat fornece uma definição de direito, que, para ele, só pode ser individual. Uma definição que na verdade prevê dois direitos: o direito de propriedade e o direito de legítima defesa. São esses que o governo e o Estado devem defender.

Nesse ponto, Bastiat retoma John Locke, para o qual todos os indivíduos têm seus direitos preexistentes no estado de natureza. Entretanto, por não haver um aparato jurisprudencial civil estruturado no estado de natureza, muitos violam esses direitos. Consequentemente, Locke e Bastiat citam o Estado civil como um grupo de indivíduos que decidem se unir para defender a propriedade e o direito de defesa, não somente através da razão, própria do estado de natureza, mas também pela lei do Estado civil.

Em última análise, a lei do Estado ou de um governo, concebido precisamente como uma coalizão de indivíduos, surge não para se impor ao indivíduo, mas para cuidar da defesa de seus direitos e propriedades. Se essas tarefas falharem, significa que o governo e o Estado estão corrompidos. Portanto, devem ser dissolvidos ou restruturados.

Bastiat salienta que o direito coletivo tem seu princípio, sua razão de ser, no direito individual. A lei, portanto, nada mais é que organização coletiva do direito individual de legítima defesa – da propriedade e das pessoas.

Consequentemente, para alcançar a liberdade, o coletivo deve constituir-se como defensor e garantidor dos direitos individuais, e não como força legitimada que lesa pessoas ou viola patrimônios. Afinal, toda coalizão e toda adesão a essa coalizão dependem, na verdade, da racionalidade, do respeito e da dignidade. A lei deve ser afirmada apenas em apoio ao direito, que é sempre natural, e não em coerção do direito. Neste último caso, seria uma lei oblíqua: ou seja, contrária ao direito e, portanto, injusta.

Na prática, a lei justa só pode pertencer ao Estado, à comunidade, não tanto pela organização do direito positivo, que, de fato, pertence única e exclusivamente ao Estado; mas é precisamente a organização civil do direito natural que, portanto, já existe entre os indivíduos que passam a criar a comunidade. É sempre necessário salientar, todavia, que nem sempre o direito positivo do Estado está de acordo com o direito natural.

Em resumo, o direito justo é oriundo do direito positivo, o mais próximo do direito natural. Portanto, a lei justa é a organização do direito natural da legítima defesa e dos indivíduos que, entre eles, constituem a comunidade.

Esta é a única forma de garantir respeito, dignidade e, portanto, justiça. Uma organização civil, ou seja, os legisladores, devem sempre manter bem presente o direito natural no momento da elaboração de um direito positivo, o que vigora em um espaço territorial ocupado por uma comunidade.

Na prática, isso significa garantir a segurança, pois a segurança vem justamente do direito e do respeito à lei. Entre outras coisas, essa é a única base para a garantia do cálculo econômico, pois é só através de um Estado com leis alinhadas ao direito natural, portanto, com a propriedade privada e sua defesa, que fica claro o que é de cada um – portanto, também um sistema de preços e trocas que derivam unicamente do interesse e da liberdade individual.

Por essa razão, a real exploração não é a capitalista. Ao contrário, no capitalismo, existe apenas a busca da riqueza. A verdadeira exploração é a lei redistributiva tão amada pelos socialistas, que expropria o indivíduo de seu direito, isto é, de sua propriedade.

Pensar que a propriedade é apenas uma exceção mina o cálculo econômico e se opõe à dignidade do indivíduo. A lei correta, segundo Bastiat, deve se opor à pilhagem de bens. No entanto, a lei está nas mãos dos legisladores. Por isso, é importante fiscalizar quem legisla, pois quem legisla pode produzir leis corretas e leis terrivelmente erradas.

Bastiat salienta que não pode existir sociedade civil se as leis não são mais ou menos respeitadas. Não obstante, as leis não serão cumpridas se não forem dignas de respeito: quando a lei e a moral colidem, o cidadão perde a moral ou perde o respeito pela lei. Logo, enquanto houver leis contra os direitos individuais, sempre haverá lutas e oposições, onde cada um reivindicará sua razão como a melhor. Para Bastiat, esse comportamento é gerado pelo ódio, pela discórdia e pela negação da lei e, portanto, da propriedade.

Bastiat é muito claro quando aponta que o socialismo não acredita na lei, já que essa ideologia não acredita na propriedade. De fato, deve-se lembrar que nenhuma lei contra a propriedade é justa, pois nega a dignidade individual. E sem a dignidade individual, não é possível atuar no mundo. O socialismo, portanto, deve sempre ser condenado, pois ele é sempre desapropriação.

O grave problema é que muitos pensam que a pilhagem generalizada seja justa: pois, através dela, mesmo se organizada, seria possível alcançar a igualdade. No entanto, é algo muito perigoso pois, salienta Bastiat, significaria planejar o que redistribuir e, portanto, constituiria o cancelamento da propriedade; mas, anulando a propriedade, se pisoteia o direito individual, e, portanto, o direito natural, com a consequente planificação do coletivo, que passa a decidir por todos os indivíduos.

Em última análise, a liberdade individual não pode existir sob o socialismo. Igualdade e liberdade são muito diferentes. Onde se busca apenas a igualdade, se acaba sempre e apenas na redistribuição. Onde se termina na redistribuição, acaba-se no cancelamento do direito e, portanto, também do livre pensamento.

Na prática, a lei socialista de igualdade civil – que prevê uma igualdade de recursos, sendo muito diferente da igualdade política – é contra o direito, pois nega a liberdade individual entendida como propriedade, personalidade e escolha. Não por acaso, todas questões controladas ou proibidas em regimes socialistas.

Em resumo, o socialismo quer uma lei que seja justa, mas na realidade nunca poderá obtê-la, pois entrará em contradição com ele próprio. Na verdade, a lei correta é a justiça organizada segundo o direito, onde existe respeito das propriedades individuais e das liberdades pessoais, as quais terminam quando começam as propriedades e liberdades alheias.

Por outro lado, no socialismo, o fazer está disperso, pois a mentalidade socialista está ligada à subtração da propriedade e do direito de defesa – uma pilhagem que, no socialismo, é realmente factual. Não considerar a propriedade como inalienável já é em si uma pilhagem em potencial e, portanto, redistribuição. Por isso, os socialistas já são intimamente comunistas.

Para Bastiat, existem dois tipos de aquisição de propriedade. Uma delas é a ilícita, que contraria a lei, onde há um ataque injusto à propriedade do outro, e, portanto, deve sempre ocorrer através do uso da força – o que é justamente o previsto nas obras de Karl Marx: para se chegar ao comunismo, seria necessária a tomada do poder violenta por parte dos trabalhadores, que assim estabeleceriam a “ditadura do proletariado”.

Se esta abordagem for claramente intolerante, o segundo método de aquisição de propriedade indicada por Bastiat é legal: aquela que ocorre se inserindo na lógica do mercado, fornecendo um melhor produto ou serviço, atendendo às necessidades dos consumidores. Esta é a abordagem capitalista que está, portanto, apesar de todas as críticas contemporâneas, totalmente de acordo com o direito. E, portanto, com a lei.

O enriquecimento capitalista obtido pela competição, ao contrário da igualdade socialista obtida pela redução da propriedade, pode ser definido como justo e legítimo: já que o enriquecimento através da competição capitalista não ocorre através da força e do engano, mas pela concorrência legítima no mercado. Vence o melhor. Sem violência ou coerção.

O socialismo tem a falsa pretensão, ao contrário do livre comércio, do livre mercado, da competição, de querer impor um poder justo, que, no entanto, na verdade se torna uma regulação redistributiva sistemática contrária ao direito e que termina sempre em violência, opressão e desastre.

Bastiat lembra que a pretensão de intervenção do poder e dos impostos, para além de opressiva e espoliadora, implica também outra hipótese prejudicial: a infalibilidade do organizador e a incompetência da humanidade.

Muito simplesmente, esse pensamento socialista da infalibilidade do planejador e da condenação da livre concorrência no mercado sempre leva, inevitavelmente, à aniquilação do indivíduo, que se torna escravo do planejador.

Em última análise, a lei correta é só aquela que está de acordo com o direito, e só através dela cada ser humano pode desenvolver sua própria segurança, permanecendo assim na justiça.

Quando a lei impede isso, opondo-se à liberdade e à economia, começa a hecatombe. Torna-se causa de tragédias indescritíveis.

Bastiat lembra que os povos mais felizes, morais e aceitáveis são “aqueles em que a Lei intervém menos nas atividades das pessoas; onde o governo se faz sentir menos”.

Então, na base desse raciocínio de Bastiat, o que é o liberalismo? Liberalismo é tolerância e direito individual – aquele pelo qual todos respeitam a vida e a propriedade alheia, não se impondo. No final das contas, o liberalismo nada mais é que uma forma de respeito pela vida própria e de outros seres humanos.

*Carlo Cauti, jornalista e analista geopolítico. Editor de finanças da BM&C e da Oeste, professor do IBMEC -SP, correspondente das revistas italianas LIMES e do Radio Monte Carlo e Presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros no Brasil. Mestre em Relações Internacionais pela LUISS G. Carli de Roma e em Jornalismo Internacional e de Guerra pelo Center for American Studies. MBA em Finanças pela FIA-B3 e mestre em Comércio Internacional pelo Instituto Italiano de Comércio Exterior. Já foi editor-chefe do SUNO Notícias e teve passagens pela VEJA, EXAME, Superinteressante, Galileu, G1, entre outras.

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