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O liberalismo e o conservadorismo segundo Edmund Fawcett

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A editora Almedina/Edições 70 publicou recentemente em português duas obras que pretendem dar conta de oferecer compreensões históricas abrangentes acerca de tradições políticas modernas que muito nos interessam: o liberalismo e o conservadorismo. Refiro-me a Liberalismo: A Vida de uma Ideia e Conservadorismo: A Luta por uma Tradição, ambos livros de autoria de Edmund Fawcett (n. 1946) que se complementam mutuamente.

Fawcett é um jornalista britânico que se descreve como um “liberal de esquerda”, demonstrando nítida simpatia pelo liberalismo social e pelo Keynesianismo e clara hostilidade em relação, por exemplo, à Escola Austríaca ou às demais correntes liberais que capitanearam o ativismo pela retração do Estado a partir da fundação da Sociedade Mont Pèlerin por Friedrich Hayek (1899-1992) e seus contemporâneos. Inevitavelmente, portanto, quando suas ideias políticas transparecem de forma mais nítida nesses trabalhos, tenho robustas discordâncias. No entanto, considero que o leitor crítico e desejoso de aprofundar sua percepção dessas correntes políticas como linhas de pensamento vastas que, não obstante possam ser reconhecidas por elementos delineadores comuns, se manifestaram e manifestam em diferentes vertentes e linguagens, se beneficiará muito da leitura.

Permito-me uma síntese bastante comprimida do que o leitor encontrará ao ler os dois livros. Fawcett compreende o liberalismo, e estou de pleno acordo, como a corrente política definidora da modernidade por excelência. Todas as tentativas de defini-lo a partir de um único aspecto – ideologia política, credo ético, concepção econômica, filosofia política – são consideradas válidas por ele, mas também insuficientes. Essencialmente, ele seria uma resposta a sociedades com populações em expansão e submetidas a profundas mudanças pós-Revolução Industrial. Como prática política e mentalidade, ele pode ser compreendido a partir de quatro vértices: o reconhecimento da inevitabilidade dos conflitos, a desconfiança do poder, a fé na capacidade de progresso e o respeito cívico por todos. Os liberais se reconheceriam pela defesa de uma ordem ética que respeitasse a pessoa humana sem a necessidade de recorrer, de forma incondicional e irrefletida, para estabelecer essa ética, essencialmente à autoridade divina ou à tradição estabelecida.

Adicionalmente, Fawcett admite que dizer que os liberais são defensores da liberdade é insuficiente para identificá-los, já que praticamente todas as tradições políticas formulam a mesma alegação. Estou de acordo, embora adote a sintetização de José Guilherme Merquior (1941-1991) ao conceituar o liberalismo como a tradição política e social moderna que defende a esfera e as prerrogativas do indivíduo contra o arbítrio, principalmente do Estado ou do poder (mas não somente), o que, em maior ou menor grau e desta ou daquela maneira, abarca os vértices elencados por Fawcett.

Partindo desse conceito, ele narra em Liberalismo: A Vida de uma Ideia a história do liberalismo em quatro momentos. O primeiro, depois de 1812, quando os espanhóis “liberales” se identificam como tais politicamente, caracterizando a defesa do constitucionalismo contra a autocracia. Aqui temos mais uma divergência, que é mais de opção semântica e, por assim dizer, metodológica; Fawcett não admite que o conceito de liberalismo seja aplicado aos autores dos séculos XVII e XVIII que, de muitas maneiras, ajudaram a moldar os fundamentos dessa tradição. Isso seria, a seu ver, uma espécie de fraude intelectual; em sua lógica, John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-1790) e outros autores desse período não podem ser efetivamente chamados de “liberais”. Respeito essa postura, que não é exclusiva dele, mas inversamente incluo esses autores na tradição liberal em meus trabalhos, como o livro O Papel do Estado Segundo os Diversos Liberalismos, lançado, aliás, pela mesma editora. É amplamente aceita entre os próprios liberais até hoje a percepção de que suas ideias são tributárias das formulações desses autores; toda formalização de um ponto de início de uma tradição de pensamento guarda sempre algo de convencional, não havendo nenhuma regra que imponha que um determinado fenômeno só possa ser descrito a partir do momento em que sua denominação aparece.

Esse primeiro momento, segundo Fawcett, que ganha corpo a partir de 1830 e se estende até 1880, foi uma etapa em que os liberais “lançaram as bases de uma nova ordem política guiada por objetivos e ideais distintos”, alicerçados nos quatro vértices acima elencados. Ainda segundo ele, “os primeiros liberais compreenderam que o conflito moral e material era inevitável na sociedade. Em vez de tentar conter o conflito com força desproporcional, eles procuraram, ao contrário, formas estáveis para resistir ao domínio monopolizador do poder, fosse ele o poder do Estado, o econômico ou a opinião da maioria. Como acreditavam no progresso, os primeiros liberais olharam para o aperfeiçoamento humano como uma fonte mais segura de paz social. Eles esperavam que o conflito poderia ser contido enquanto competição e utilizado com maior proveito no campo das argumentações, experiências e intercâmbios. Eles confiaram, por fim, que o aval libertador da individualidade, inovação e variedade cultural poderia ser combinado com uma civilidade comum, bem como através de padrões aplicáveis de como as pessoas deveriam ser consideradas e, acima de tudo, tratadas”.

Depois, entre 1880 e 1945, os liberais enfrentaram as pressões sociais, mediante o incremento da urbanização, para estender todos esses ideais e objetivos modernos ao maior número de pessoas, ultrapassando a esfera dos grandes proprietários e seus antigos limites censitários e aristocráticos. Simultaneamente, tivemos a ampliação das franquias democráticas no Reino Unido e, subsequentemente, no resto do mundo, e a emergência do liberalismo social, com que Fawcett particularmente simpatiza, sustentando a necessidade de uma atuação maior do Estado para que o indivíduo possa se desenvolver rumo à sua realização pessoal – sob inspiração do conceito alemão de Bildung, como Merquior também enfatizaria.

A terceira fase, entre 1945 e 1989, foi marcada pelo trabalho de liberais por construir uma nova ordem liberal-democrática no pós-guerra, “conscientes das calamidades de guerra do século vinte, do colapso político e outras situações piores a que o liberalismo deu causa ou falhou em evitar. Os pensadores liberais ofereciam defesa intelectual das realizações do pós-guerra das quais os liberais podiam se orgulhar”. A quarta fase, que estaríamos vivendo, seria marcada por um declínio da confiança dos liberais no sucesso desse arranjo, submetido a diversas contestações.

Ao longo de toda a obra, vemos Fawcett transcrever, externando sua própria perspectiva, mas com claras citações de fontes primárias, ideias de diferentes autores liberais, de diversas vertentes, mais ou menos conhecidos, mais ou menos expressivos e de distintas ocupações – de filósofos a literatos e estadistas. Podemos elencar Whilhelm von Humboldt (1767-1835), Benjamin Constant 1767-1830), François Guizot (1787-1874), Alexis de Tocqueville (1805-1859), Hermann Schulze-Delitzsch (1808-1883), Edwin Chadwick (1800-1890), Richard Cobden (1804-1865), Samuel Smiles (1812-1904), William Channing (1780-1842), Herbert Spencer (1820-1903), John Stuart Mill (1806-1873), Abraham Lincoln (1809-1865), Edouard Laboulaye (1811-1883), Eugen Richter (1838-1906), William Gladstone (1809-1898), Leonard Hobhouse (1864-1929), Léon Walras (1834-1910), Alfred Marshall (1842-1924), Walter Bagehot (1826-1877), Thomas Green (1836-1882), Walter Weyl (1873-1919), Friedrich Naumann (1860-1919), Joseph Chamberlain (1836-1914), Ernst Bassermann (1854-1917), David Lloyd George (1863-1945), Georges Clemenceau (1841-1929), Woodrow Wilson (1854-1924), Emile Chartier (1868-1915), Roger Baldwin (1884-1981), Simone Weil (1909-1943), Raymond Aron (1905-1983), John Maynard Keynes (1883-1946), Irving Fisher (1867-1947), Friedrich Hayek, Herbert Hoover (1874-1964), Franklin Roosevelt (1882-1945), Walter Lippmann (1889-1974), Karl Popper (1902-1994), os ordoliberais alemães, William Beveridge (1879-1963), Isaiah Berlin (1909-1997), John Rawls (1921-2002), Robert Nozick (1938-2002), Ronald Dworkin (1931-2013), Alasdair MacIntyre (n. 1929), Pierre Mendès-France (1907-1982), Willy Brandt (1913-1992), Lyndon Johnson (1908-1973), James Buchanan (1919-2013) e Milton Friedman (1912-2006).

Por sua vez, em Conservadorismo: A Luta por uma Tradição, Fawcett novamente acerta ao estabelecer que o conservadorismo equivale ao liberalismo quanto ao fato de constituir uma tradição política extremamente diversa e adaptável e não possuir um cânone absoluto e inquestionável, mas novamente adota a postura de excluir do conceito os autores anteriores ao século XIX, quando “conservadorismo” e “liberalismo” se tornaram agendas de partidos políticos dentro do sistema representativo. É assim que ele aponta o whig irlandês Edmund Burke (1729-1797), o ultramontano francês Joseph de Maistre (1753-1821) e o diplomata e escritor pré-romântico François-René de Chateaubriand (1768-1848) como precursores do conservadorismo em vez de conservadores em si mesmos. Embora não deixe de apontar o que julga ser a ambivalência de Burke, em minha opinião, há certa subestimação dos aspectos liberais do pensamento burkeano, que, em minha visão exposta em O Papel do Estado Segundo os Diversos Liberalismos, constitui um capítulo da história liberal.

Também entre os precursores do conservadorismo, ele elenca o alemão Friedric von Gentz (1764-1832) e os founding fathers dos EUA que foram críticos à Revolução Francesa. Lidando com as polissemias e interpretações parciais do termo “conservadorismo” no campo político, Fawcett não o interpreta segundo os autores conservadores, mas olhando “de fora”, como sendo a força política que construiu uma relação tensionada com a modernidade, relativizando ou ponderando a agenda dos liberais. Seriam, grosso modo, céticos em relação ao individualismo extremado, à perspectiva igualitarista, à extensão do poder decisório na política a camadas mais amplas da população, à contestação da autoridade e da hierarquia, ao esvaziamento de padrões clássicos de inspiração religiosa na esfera pública, enquanto, por outro lado, seriam afeitos à tradição como orientadora e inspiradora da vida pública e aos ideais aristocráticos. Dentro desse entendimento, o conservadorismo nasceu antimoderno e depois se acomodou à modernidade, fazendo-lhe a crítica “de dentro”, o que o teria tornado, na interpretação de Fawcett, a força mais relevante da política ocidental nos últimos séculos.

O conceito histórico e amplo de Fawcett acaba abarcando autores, estadistas e filósofos extremamente diferentes entre si. Ele apresenta detalhes sobre as ideias de figuras que defenderam a preservação de privilégios dos reis e das nobrezas, tradicionalistas que defendiam a supremacia de uma ortodoxia religiosa sobre o Estado, sulistas norte-americanos defensores da escravidão, autores antiliberais que acabaram se convertendo até de uma visão reacionária a uma visão socialista, protofascistas (embora ele tenha o cuidado de distinguir o fascismo completamente do conservadorismo), democratas cristãos (que tentaram inspirar a prática política moderna com os princípios morais da religião cristã) e, por fim, aqueles que acomodaram o conservadorismo ao liberalismo, que ele designa simultaneamente “liberais conservadores” ou “conservadores liberais” – possibilidade de combinação a respeito de cuja existência concordo totalmente com Fawcett.

Concentrando-se em examinar as manifestações do conservadorismo no Reino Unido, na França, na Alemanha e nos EUA, Fawcett oferece sua própria divisão histórica também dessa tradição. Os primeiros conservadores, no começo do século XIX, segundo ele, “defendiam a unidade social e a autoridade do costume, ambos sob ameaça, como temiam, do capitalismo e do seu defensor político, o liberalismo. Não acreditavam no progresso liberal nem na igualdade democrática. Como herdeiros dos governantes aristocratas que estavam mais habituados a dar ordens do que a justificarem-se, (…) não tinham paciência para o debate público e foram lentos a aceitar que precisavam de ideias e intelectuais próprios”.

No final do século XIX, os conservadores aceitaram a democracia eleitoral para se opor ao que Fawcett chama – lamentavelmente – de “democracia econômica”, que englobaria o socialismo, o sindicalismo, a social-democracia ou o assistencialismo. Surgiu, entre 1889 e 1945, o conservadorismo liberal ou liberalismo conservador (que, na verdade, eu ponderaria, nada mais era que uma projeção de uma mentalidade que Burke já representava no contexto da postura whig em relação à Revolução Francesa). Os liberais conservadores, porém, continuaram sofrendo pressões, inclusive dentro de seus partidos, de conservadores “que recusavam o compromisso com o status quo democrático liberal e os críticos conservadores, fora da política partidária e geralmente indiferentes à política, que consideravam feio e não ético o mundo moderno liberal que os conservadores políticos estavam a ajudar a criar”.

Com o tempo, os partidos conservadores pós-1945 acolheram as reformas do Estado de bem-estar social, até que, a partir dos anos 70, muitos deles se aliaram a teses liberais defensoras de “mercado livre, liberdade empresarial, pequenos orçamentos e fronteiras abertas”. Essa situação durou pouco; a partir dos anos 80, esse modelo entrou em crise e até hoje os conservadores se veem forçados a lidar com uma presença interna ao sistema político (ou seja, não se trata de movimentos fascistas ou paramilitares, subversivos de fora do sistema, mas que disputam eleições e vencem) do que o autor chama de “direita dura” – definida como “um segmento do conservadorismo que rejeita um ou mais elementos centrais do status quo democrático-liberal”, consistindo em “uma aliança tática instável de hiperliberais do mercado livre e antiliberais populares” que “diz falar pelo ‘povo’ contra as ‘elites’”. Embora ele nada fale sobre o Brasil, sua retórica sugere que inseriria o ex-presidente Jair Bolsonaro (n. 1955) nesse contexto.

A lista de personalidades que comporiam a história plural do conservadorismo e sua tensão com a modernidade liberal incluiria nomes como John Quincy Adams (1767-1848), Konrad Adenauer (1876-1967), Stanley Baldwin (1867-1947), Theo von Bethmann-Hollweg (1756-1921), Georges Bidault (1899-1983), Bernhard von Bülow (1849-1929), Genry Cabot Lodge (1850-1924), George Canning (1770-1827), Joseph Cannon (1836-1926), Chambord (1820-1883), Winston Churchill (1874-1965), Henry Clain (1777-1952), Calvin Coolidge (1872-1933), François Coty (1874-1934), Charles Coughlin (1891-1979), Charles de Gaulle (1890-1970), Marcel Déat (1894-1955), Jacques Doriot (1898-1945), Dwight Eisenhower (1890-1969), Phillip zu Eulenburg (1847-1921), S. J. Field (1816-1899), Pierre Glandin (1889-1958), Robert Gascoyne-Cecil, marquês de Salisbury (1830-1903), Leopold Gerlach (1790-1861), Ernst Ludwig (1795-1877), Newt Gingrich (n. 1943), Valéry d’Estaing (1926-2020), Barry Goldwater (1909-1998), Mark Hanna (1837-1904), Edouard Drumont (1844-1917), François de la Rocque (1885-1946), Edward Heath (1916-2005), Karl Helfferich (1872-1924), Otto von Helldorf (1833-1908), Jesse Helms (1921-2008), Erns von Heydebrand (1851-1924), Alfred Hugenberg (1865-1951), Boris Johnson (n. 1964), Keith Joseph (1918-1994), Helmuth Kohl (1930-2017), Pierre Laval (1883-1945), Jean-Marie Le Pen (n. 1928), Harold Macmillan (1894-1986), Angela Merkel (n. 1954), Richard Nixon (1913-1994), Robert Peel (1788-1850), George Pompidou (1911-1974), Ronald Reagan (1911-2004), Robert Taft (1889-1953), Margaret Thatcher (1925-2013), Adolphe Thiers (1797-1877), Donald Trump (n. 1946), Patrick Buchanan (n. 1938), William Buckley Jr. (1925-2008), John Calhoun (1782-1850), T. S. Eliot (1888-1965), Benjamin Disraeli (1804-1881), Bertrand de Jouvenel (1903-1987), Russell Kirk (1918-1994), Irving Kristol (1920-2009), Lamennais (1782-1854), Roger Scruton (1944-2020), Georges Sorel (1847-1922), entre vários outros.

Resta claro que a abordagem de Fawcett difere bastante, por exemplo, da de Russell Kirk; enquanto este, em seu A Mentalidade Conservadora, opta por restringir a tradição conservadora a uma forma específica de recepção das teses de Edmund Burke, aquele opta por expandir a abrangência do termo a outros partidos e movimentos políticos menos simpáticos às instituições políticas liberais, que não poderiam ter qualquer contato com o pensamento liberal, ao contrário da perspectiva burkeana. Não creio se trate de uma questão de certo e errado; são abordagens diferentes, que podem apresentar vantagens e desvantagens. O livro de Fawcett relaciona diversas demonstrações de que o rótulo “conservador” e o conservadorismo como corrente política, bem antes da obra de Russell Kirk, foram, de fato, noções também aplicadas a correntes francamente antiliberais.

Ao partir desse fato, Fawcett tem a vantagem de expor um quadro mais diversificado de visões, ainda que a disparidade entre elas possa por vezes enfraquecer a percepção de um elo comum a todas – mais até, em minha impressão, do que quando se trata de reconhecer as diversas vertentes liberais. A diferença entre um liberal social e um liberal clássico me parece menor, quanto a aspectos fundamentais e éticos, que, por exemplo, a diferença entre um admirador de Edmund Burke (que pode perfeitamente ser considerado um tipo de liberal) e um admirador da modernização autoritária germânica de Otto von Bismarck (1815-1898) ou de um monarquista nacionalista e radicalmente antiliberal como Charles Maurras (1868-1952), que, inclusive, inspirou os movimentos fascistas. Por outro lado, Kirk está propondo a identificação de uma linhagem específica, que apresentaria, em sua visão, uma consistência maior com a proposta original burkeana; no Brasil, alguns autores, como Ubiratan Borges de Macedo, até em virtude do fato de que o Partido Conservador do Império brasileiro era uma facção dos “liberais moderados” da Regência, também prefeririam chamar mais especificamente de “conservadores” apenas àqueles que adotassem de forma mais pretensamente ponderada e realista uma modernidade liberal temperada, reservando o rótulo de “tradicionalistas”, ou até “reacionários” e “imobilistas”, a vários dos grupos que Fawcett aborda em seu trabalho.

Os maiores méritos das obras de Fawcett residem, em minha opinião, na sua vocação panorâmica e sua dimensão histórica, permitindo apreender inúmeros autores e pensadores em seu diálogo com o contexto em que viveram. Seu maior demérito, por outro lado, está nas conclusões que defende sobre o cenário atual. O autor deixa claro nos encerramentos dos dois livros que os conservadores e liberais que, em seu julgamento, “radicalizaram” a retração do Estado ao criticarem o welfare state, abriram espaço, fragilizando o cenário social e político-econômico, para a emergência da “direita dura” trumpista (ou bolsonarista), o que representa uma ameaça ao consenso liberal-democrático do pós-guerra.

Não é que Fawcett negue a existência de autoritarismos de esquerda, mas ele é absolutamente incapaz de enxergar no crescente autoritarismo “progressista” – avançando, como no caso brasileiro quando escrevo este texto, até à pressão pela censura e à intromissão do Poder Judiciário nas atribuições do Legislativo – uma ameaça ainda maior e um dos principais fatores para que movimentos populistas antiesquerdistas irrompessem. Toda a responsabilidade está depositada nos ombros da direita. Os liberais de inspiração mais clássica, os libertários e os conservadores precisam convergir para os liberais sociais, puxando a política “para o centro”, ou a democracia poderá não sobreviver aos desafios atuais; a doutrina do “governo pequeno” deve ser afastada do liberalismo, pois “um liberalismo dogmático e de livre mercado contribuiu para os desafios políticos que a democracia liberal enfrenta agora na concentração excessiva de riqueza e na desconfiança popular sem base no governo” – eis os diagnósticos de Fawcett, a meu juízo, totalmente equivocados.

Recomendo, pois, a leitura dos dois livros em conjunto ao leitor que já tenha um conhecimento prévio sobre o liberalismo e possa julgar as considerações de Fawcett com um espírito mais crítico. Satisfeitas essas condições, a leitura certamente agregará às reflexões e proporcionará um entendimento mais rico das turbulências da política moderna.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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