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“A Mentalidade Conservadora”: uma densa reflexão

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O clássico do crítico literário e pensador americano Russell Kirk (1918-1994), A Mentalidade Conservadora – De Edmund Burke a T. S. Eliot, foi lançado no Brasil em belíssima edição da editora “É Realizações”, com tradução de Márcia Xavier de Brito, perfazendo, incluindo-se o índice remissivo, mais de oitocentas páginas de conteúdo. Considera-se que este livro robusto e a densa reflexão que procura desenvolver, a exemplo de A Política da Prudência, do mesmo autor, exerceram significativo impacto na emergência do movimento político conservador nos Estados Unidos da segunda metade do século XX, ajudando a criar terreno para a ascensão de Ronald Reagan (1911-2004) ao poder.

Em sua apresentação redigida especialmente para esta edição, o historiador Alex Catharino, talvez o mais entusiasmado divulgador e pupilo da obra kirkiana em nosso país, esclarece que A Mentalidade Conservadora “continua sendo o mais importante estudo acerca do desenvolvimento histórico do conservadorismo, desde as origens, na obra do pensador e estadista irlandês Edmund Burke (1729-1797), até metade do século XX, o que a torna leitura obrigatória para todos que desejam entender essa corrente”. O livro deriva de uma pesquisa realizada por Kirk como aluno de doutorado na University of St. Andrews, em Fife, na Escócia, na qual ingressou em 1948.

Naturalmente, a referência se faz não a todas as correntes e movimentos políticos dos diversos países a que se atribuiria, a depender das fontes bibliográficas empregadas, a alcunha de “conservadores”, mas especificamente à linhagem teórico-prática do conservadorismo britânico, ancorado na tradição moderna inaugurada por Edmund Burke, bem como seus desdobramentos nos EUA. Consequentemente, o período abrangido parte do século XVIII até a primeira metade do século XX.

A meta de Kirk, que originalmente era de estudar apenas o pensamento burkeano, tornou-se a de traçar uma síntese histórica dos autores e estadistas que levaram adiante, cada um a seu modo, as linhas gerais das preocupações do estadista irlandês, cultivando uma tradição política conservadora anglo-saxônica – embora haja exceções ao longo do percurso, como o francês Alexis de Tocqueville (1805-1859). Articulando a História das Ideias Políticas à crítica literária, como aponta Catharino, Kirk não se limita a contar uma história, mas mergulha de forma bastante aprofundada nas concepções dos autores que analisa, com ênfase à forma por que desenvolveram seus diálogos com o que chama de “mentalidade conservadora”.

Embora exista sempre, pela própria natureza do discurso conservador, um esforço por deixar claro que não se trata de um manual ou de uma cartilha, Russell Kirk apresenta uma conceituação do que entende por “conservadorismo”, nos mesmos parâmetros que já foram apresentados aos seus leitores brasileiros em A Política da Prudência.

Kirk prefere apresentar o conservadorismo como “um estado de espírito, um tipo de caráter, um modo de ver a ordem civil e social”, ao contrário de uma proposta ideológica ou um conjunto programático fixo. Reconhece no que chama de conservadorismo, contudo, um “conjunto de opiniões” que “derivam do que os mais ilustres escritores e homens públicos conservadores professaram ao longo dos últimos dois séculos” – remontando, no entanto, também à Antiguidade Clássica para identificar pensadores que teriam exibido aspectos fundamentais dessa mesma disposição conservadora.

Originalmente, como também ressalta Catharino de forma muito oportuna, a expressão “conservador” como rótulo social e político surgiu na França do século XIX para se referir a figuras como os chamados liberais doutrinários, que buscavam “conservar tanto o melhor da velha ordem do Antigo Regime, sem assumir uma postura reacionária, quanto as salutares mudanças sociais advindas com a Revolução Francesa, sem manifestar atitudes progressistas ou revolucionárias”. Posteriormente, o termo foi usado por diferentes estadistas e intelectuais franceses que de algum modo reconheceram inspirações em Edmund Burke, desde liberais como François Guizot (1787-1874) até tradicionalistas antiliberais como Joseph De Maistre (1753-1821).

No mundo anglo-saxão, a palavra aparece na Inglaterra de 1830 para se referir ao Partido Conservador, resultante da fusão entre o antigo partido Tory e a ala moderada de seu rival, o partido Whig, proponente dos alicerces do liberalismo, onde militava a figura de Edmund Burke. O termo conquistou espaço nos EUA na década de 1840, mas só se popularizou efetivamente após a Segunda Guerra Mundial, fenômeno em que o volumoso trabalho kirkiano teve papel fundamental.

Deixando de lado as diversas outras acepções que o termo “conservador” apresenta, a depender da literatura utilizada, questão que é, de algum modo, abordada por Catharino em sua contextualização introdutória da obra, limitar-me-ei a sintetizar a concepção kirkiana do conceito, por óbvio, dominante no livro. O conservadorismo sustentado por Russell Kirk é, em primeiro lugar, uma atitude social que pretende promover uma mediação constante – ressalte-se: não apenas na política, mas na cultura e nos diversos aspectos da vida humana – entre o passado, o presente e o futuro. Trata-se de “uma defesa daquilo que T. S. Eliot denominou de “coisas permanentes”, no campo da crítica social e cultural, e que, em sua poesia, é expressa na noção de “comunicação dos mortos”. É a ênfase na ideia de que todas as gerações da civilização e da comunidade política estão interligadas, cabendo-nos a responsabilidade de evitar rupturas bruscas, isto é, a dissolução revolucionária e artificial desse elo, com todo o seu potencial destrutivo e totalitário.

Para perseguir esse propósito, o conservador kirkiano deve sustentar a “ordem da alma” e a “ordem da comunidade” – isto é, deve buscar a harmonização tanto interna quanto externa do ser humano, mediante a sua vinculação a valores e elementos da “ordem no campo da moral”, definida como “a concretização de um corpo de normas transcendentes – de fato uma hierarquia de normas ou padrões – que conferem propósito à existência e motivam a conduta”. Somente trabalhando por reforçar o respeito a essa ordem interna, é possível qualificar a relação comunitária. Ainda que não formem qualquer tratado dogmático, há uma série de princípios ou posturas gerais que os conservadores tenderiam a defender ou adotar para alcançar essa ordem desejada. A preservação dessa ordem adviria da tarefa primordial dos conservadores, a da “preservação das antigas tradições morais da humanidade”.

A verdadeira escola do conservadorismo, para Kirk, é a de Burke, razão por que ele afirma rejeitar de sua apreciação a maioria dos “liberais mais antidemocráticos”, dos “individualistas mais antigovernamentais” e dos “autores mais antiparlamentaristas”. Os conservadores seriam todos aqueles que, mesmo admitindo conquistas modernas, “pensam a sociedade como uma realidade espiritual, detentora de vida eterna, mas numa constituição delicada; não pode ser sucateada e remodelada como se fosse uma máquina”.

Essencialmente, tal como A Política da Prudência também expõe, os conservadores tendem a acreditar na existência de uma ordem moral duradoura, de raiz transcendente, baseada em verdades morais permanentes; acreditam em que as instituições são relevantes, não adiantando para nada destroçá-las sob o pretexto de concretizar sociedades benéficas a seus membros; valorizam a continuidade, os costumes e as tradições, a “consagração pelo uso”, como elementos que conferem maior ordem e segurança às relações sociais e aos indivíduos, preservando o elo entre as gerações, por oposição a um racionalismo extremado, ainda que isso não signifique que tudo que se faça por hábito seja positivo automaticamente – afinal, como diria Burke, eventualmente é preciso “mudar para conservar”; por consequência do aspecto anterior, são avessos à mudança como critério de julgamento, preferindo a reforma temperada às transformações bruscas e alicerçadas em sistemas perigosamente abstratos e totalizantes; apostam na prudência como valor prático, considerando que a civilização é complexa e dificilmente a razão humana terá sucesso em arrogantemente abraçar soluções simples aos seus problemas; defendem a pluralidade e a variedade, renegando a ideia de que todos são iguais, já que reconhecem uma desigualdade natural; por fim, acreditam na identificação profunda entre liberdade e propriedade.

Como ameaças ao conservadorismo, Russell Kirk ressalta a crença, típica dos segmentos políticos ditos “progressistas” ou “radicais”, em que reformas institucionais, legais ou educacionais podem melhorar a natureza humana; o desprezo pela tradição, com a destruição de toda a gramática cultural das gerações em prol de utopias revolucionárias; o nivelamento político absoluto, condenando a existência de diferentes ordens de pessoas de acordo com a vida que levam, isto é, renegando a existência de lideranças na sociedade e levando ao que ele considera um “individualismo atomista” e empobrecedor, que despreza os corpos intermédios e termina por, propositadamente ou não, reforçar a centralização estatal; e o nivelamento econômico, ameaçando a segurança dos direitos de propriedade.

O livro reúne a experiência histórica de diferentes personalidades que Kirk considera – cada uma à sua maneira e em seu grau, lidando com as dificuldades de momentos distintos da quadra histórica apreciada – que se destacaram por lutar pelos princípios conservadores contra as referidas ameaças. O primeiro é o próprio Edmund Burke, que, sendo apoiador do liberalismo da Constituição britânica e de seu partido Whig, também se fez, ao se opor à Revolução Francesa, um “conservador da espécie”, sustentando “a reverência à origem divina do arranjo social; confiança na tradição e na preconcepção para orientar o público e o privado; a convicção de que os homens são iguais aos olhos de Deus, mas somente assim; a afeição à liberdade pessoal e à propriedade privada; a oposição à alteração doutrinária”.

Depois de sintetizar a visão de Burke e sua oposição à filosofia de Jean Jacques Rousseau (1712-1778) e outros autores a quem veria como pensadores radicais e sistemáticos a esposar teorias de gabinete, Kirk explora John Adams (1735-1826), um dos pais fundadores norte-americanos, em cujo pensamento enxerga um conservadorismo avesso tanto ao radicalismo francês quanto ao republicanismo agrário de Thomas Jefferson (1743-1826), visto por Kirk como excessivamente descentralizador e avesso às instituições da Igreja e à sucessão hereditária. É curioso que Kirk enaltecia Adams, enquanto o libertário anarcocapitalista Murray Rothbard (1926-1995) enaltecia Jefferson.

Kirk também explora o pensamento de Alexander Hamilton (1757-1804) e de Fisher Ames (1758-1808), também hostil ao pensamento jeffersoniano. Em seguida, volta-se para o Reino Unido e dirige forte crítica aos pensadores românticos e utilitaristas, como Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), alvos recorrentes em sua obra, ressalvando os enfrentamentos que lhes foram feitos por Walter Scott (1771-1832), George Canning (1770-1827) e Samuel Taylor Coleridge (1772-1834).

Apesar da má fama que lhes coube em função de, na Guerra Civil americana, o Sul ter permanecido identificado com a escravidão, Kirk também aponta as repercussões da mentalidade conservadora em terras sulistas, em que destaca John Randolph of Roanoke (1773-1833) e John Caldwell Calhoun (1782-1850) – a despeito de entender que “a grande maioria das pessoas do Sul, de fato, nunca compreendeu muito as doutrinas de John Randolph e John C. Calhoun além do estereótipo de que eram uma apologia à escravidão e uma defesa desta por intermédio dos poderes estaduais”.

Em sequência, Kirk aborda o diálogo direto entre o conservadorismo burkeano e o liberalismo, qualificando como “conservadores liberais” os seguintes pensadores: o francês Alexis de Tocqueville, o britânico Thomas Babington Macaulay (1800-1859) – aliás, uma das influências sobre o liberalismo do brasileiro Joaquim Nabuco (1849-1910) – e o americano James Fenimore Cooper (1789-1851).

Apontando que, a despeito dos sucessos econômicos, a industrialização e a democracia moderna baquearam os “adereços físicos e intelectuais da ordem conservadora”, Kirk chega a citar o notório economista da Escola Austríaca Ludwig von Mises (1881-1973), reconhecendo, ecoando o pensamento do economista austríaco, que o capitalismo e a Revolução Industrial proporcionaram um melhor padrão de vida para uma população em crescimento incessante, mas preferindo também apontar o que considera um desafiador efeito colateral: “As lealdades pessoais foram preteridas às relações financeiras. O homem rico deixou de ser o magistrado e o patrono; deixou de ser vizinho do pobre, que, muitas vezes, tornou-se o homem massa, e não tinha outro propósito na vida senão o próprio engrandecimento. Deixou de ser conservador porque não compreendia as normas conservadoras, que não podem ser instiladas por simples lógica – a pessoa tem que estar imersa nelas. O pobre deixou de sentir que tinha um lugar decente na comunidade; tornou-se um átomo social, era faminto de emoções, salvo a inveja e o tédio, apartado de uma verdadeira vida familiar e reduzido à simples vida doméstica, teve soterrados os antigos pontos de referência, dissipadas as antigas crenças”. Ele viu nesse processo, especificamente na América, uma identificação do conceito de conservadorismo com “a defesa do grande acúmulo de propriedade privada”, o que estaria limitando seu escopo.

Lidando com esse cenário, Kirk aborda John Quincy Adams (1767-1848), Orestes Brownson (1803-1876) – que vê como “o exemplo mais interessante do avanço do catolicismo como espírito conservador na América” – e Nathaniel Hawthorne (1804-1864). O autor prossegue analisando dois autores que terão importância essencial para alguns dos temas que parecem ter preenchido prioritariamente suas preocupações como autor conservador: o líder britânico Benjamin Disraeli (1804-1881) e o teólogo e sacerdote convertido do Anglicanismo para o Catolicismo, John Henry Newman (1801-1890), canonizado, aliás, em 2019 – bem como, em adendo, o liberal humanista, jornalista e empresário Walter Bagehot (1826-1877).

Reagindo, no século XIX, às marés do Positivismo de Augusto Comte (1798-1857) e do liberalismo social de John Stuart Mill, Kirk trabalha o pensamento de James Fitzjames Stephen (1829-1894), Henry Maine (1822-1888) e William Edwartd Hartpole Lecky (1838-1903). Dentro de uma fase de decadência do conservadorismo americano, em seu julgamento, ele analisa Henry Adams (1838-1918), o poeta James Russell Lowell (1819-1891), o editor Edwin Lawrence Godkin (1831-1902) e o romancista Peter Chardon Brooks Adams (1848-1927). Também em fase de crise no conservadorismo britânico, Kirk enaltece George Gissing (1857-1903), Arthur Balfour (1848-1930) e o escritor William Hurrell Mallock (1849-1923). Antes de um capítulo em que tece suas considerações conclusivas acerca dos dilemas do conservadorismo em sua época e para o futuro, há ainda um capítulo sobre autores mais recentes, em especial Irving Babbitt (1865-1933) – um de meus autores favoritos -, Paul Elmer More (1864-1937) e George Santayana (1863-1952). Coroando a edição brasileira, há um extenso posfácio, novamente redigido por Alex Catharino, analisando a penetração de um pensamento de raiz burkeana na política brasileira, que data dos labores do Visconde de Cairu (1756-1835) e chega até a República, em que o conservadorismo liberal de raiz burkeana enfraquece, tendo por grande nome o historiador João Camilo de Oliveira Torres (1915-1973) – que foi leitor de Kirk.

Naturalmente, é-nos impossível sintetizar a contento a vasta abrangência da obra e do pensamento dos autores elencados e estudados por Kirk. Para que o leitor tenha condições de traçar uma noção, podemos ressaltar alguns aspectos e temas de que o escritor americano mais repetidamente se ocupa. Primeiramente, o fato de que o conservadorismo por ele defendido transcenderia os limites de uma preocupação meramente política; tanto assim que ele, como crítico literário, ressalta não apenas estadistas entre os seus representantes, mas também poetas. No capítulo conclusivo, ele enaltece o papel de autores como T. S. Eliot (1888-1965), por exemplo.

Outro aspecto dificilmente negável do conservadorismo kirkiano é o peso da religiosidade católica em sua elaboração, embora ele recuse a qualificação do conservadorismo, muito ajuizadamente, como uma religião. A ordem transcendente e os valores morais permanentes a que faz referência – tal como, aliás, também o fazia Burke – são, em última (ou primeira) instância, um ordenamento divino. O próprio Catharino reconhece, no prefácio, que isso o afasta de uma linhagem mais “cética” do conservadorismo, não obstante autores agnósticos como o próprio Babbitt estejam na lista kirkiana.

Do ponto de vista político, Kirk, sem abjurar os desenvolvimentos liberais-democráticos e sem advogar um radicalismo reacionário, considera que o conservadorismo manifesta uma postura de franco desconforto com diversos aspectos da modernidade. Sua relação com o liberalismo é algo ambígua, a depender do conceito de “liberalismo” e da vertente a que se esteja fazendo menção por esse termo. A despeito de reconhecer que há liberais conservadores, ele responsabiliza o individualismo liberal por pressionar e desarticular as lealdades locais vigentes nas sociedades tradicionais ou medievais, uma crítica típica dos tradicionalistas, ensejando uma ruptura na maneira por que, dentro das comunidades, os valores da ordem permanente eram assimilados. O atomismo social daí resultante teria, na visão kirkiana, levado ao excesso centralizador e burocrático do Estado-nação moderno, destroçando o senso de “cavalheirismo” de que falava Burke, isto é, os modos e valores da aristocracia antiga, que serviam de importantes norteadores civilizacionais.

Kirk não pretende que os sistemas das antigas aristocracias sejam reinstaurados, mas defende que é preciso trabalhar pelo reconhecimento e qualificação das “aristocracias naturais”, noção derivada da admissão de “diferenças inerradicáveis” entre os indivíduos de uma sociedade. Esse princípio seria, a meu ver, mais claramente explicado por Babbitt, em seu clássico Democracia e Liderança, para quem, mesmo em um regime democrático, em que os impulsos igualitários modernos foram levados até certo ponto que as sociedades antigas não ousavam atingir, é inevitável haver lideranças, que se imponham por seus valores e suas características de formação.

A fragilização desse entendimento, sob o influxo da padronização deficiente da sociedade comercial moderna, teria gerado um grande problema e, com a orfandade da comunidade local, da Igreja e dos parâmetros familiares tradicionais, os indivíduos se entregaram a um “comunitarismo” artificial e distorcido mediante o apelo aos líderes políticos e ao intervencionismo estatal. É desse modo que Kirk critica o liberalismo social de raiz milliana e o socialismo como produtos desse fenômeno, assim como a mera opulência da máquina tecnocrática. Esse fator teria sido uma das causas para o enfraquecimento de alguns dos mais antigos partidos políticos ditos liberais – por exemplo, o Partido Liberal britânico, “engolido” na disputa entre conservadores e trabalhistas.

José Guilherme Merquior (1941-1991), em seu O Liberalismo Antigo e Moderno, de fato define o liberalismo conservador de raiz burkeana como aquele que preservou certas precauções para com o espírito igualitário, ou seja, a ênfase positiva nas consequências da democracia de massas. Sem discordar de Merquior, aprecio a abordagem do professor Antonio Paim (1927-2021), dela consequente, em enfatizar que os liberais conservadores são avessos ao perigo do “democratismo rousseauniano” e adotam postura cética diante da “rebelião das massas” de que falava José Ortega y Gasset (1883-1955).

O que Kirk deseja é que, atuando, entre outras searas sociais, para qualificar a “imaginação” – que Babbit define como aquilo que concebemos para lançar uma percepção “espiritual” sobre a realidade, associada a uma discriminação de fatos -, afastando-a de descaminhos e atrelando-a à ordem moral, possamos desenvolver o senso das lideranças positivas e do bom espírito comunitário, mesmo em uma sociedade liberal-democrática moderna.

Como este ensaio já se estende em demasia e não há como pretender sequer arranhar todas as reflexões que Kirk destrincha em seu trabalho, limito-me a ponderar que preservo restrições pessoais a certos elementos do pensamento do autor. Se concordo em que a harmonização de uma ordem interna é um objetivo valioso a se buscar, pessoalmente não me identifico com a religião tradicional organizada (no caso, a católica) como um caminho viável para esse propósito, embora reconheça seu papel para significativa parcela de nossa população e as balizas que ofereceu à nossa cultura. Se consinto, como liberais da estirpe de Tocqueville e Montesquieu (1689-1755), em que certo senso de comunidade é importante e valorizo os corpos intermédios da sociedade como pequenos espaços onde se cultivam as relações e lealdades que daí se estendem à pátria e à humanidade, prefiro o tom adotado por outro burkeano, Roger Scruton (1944-2020), em seu livro Como ser um conservador, mais positivo a respeito dos méritos do Estado-nação moderno.

De todo modo, A Mentalidade Conservadora é um trabalho de fôlego. Dificilmente se encontraria compêndio mais exaustivo, mais cuidadoso e mais primoroso. Seu acesso pelo público brasileiro representa inestimável contribuição ao “debate público” nacional – ou ao que se tenta realizar sob esse rótulo.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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