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Resenha crítica: Liberalismo, de Ludwig von Mises

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Afinal, o que é liberalismo?

Se, assim como eu, você já se fez essa pergunta, recomendo a leitura do livro Liberalismo. Nele, Mises esclarece diversas outras questões a respeito do tema.

Originalmente publicado em 1927, poucos anos depois da 1ª Guerra Mundial (1918) e do Regime Stalinista (1922), o autor Ludwig Von Mises discorre sobre liberalismo em cinco capítulos, dando exemplos e apresentando cenários que se enquadrariam perfeitamente nos dias atuais.

Atrevo-me a dizer que, apesar da linguagem despretensiosa utilizada por ele ao falar sobre liberalismo, em alguns aspectos, ele pode ser considerado polêmico.

Por muitos anos, esse termo foi apropriado por filósofos socialistas, que o colocavam como ferramenta apropriada para o desenvolvimento da sociedade. Porém, Mises concluiu que aqueles que defendiam a liberdade e o livre comércio não deveriam renunciar ao “liberalismo” para os filósofos socialistas, mas sim reivindicar o termo “liberal”.

Posso dizer que, até hoje, os defensores da liberdade e do livre comércio ainda não conseguiram se apropriar do termo?

Apesar de o liberalismo nunca ter sido totalmente implementado, o desenvolvimento econômico que proporcionou foi extraordinário, os homens se multiplicaram depois da liberação do poder produtivo, cada habitante vivendo melhor que nos séculos anteriores, dando melhores condições para seus filhos e, se possuíssem talento e energia suficientes, podendo atingir posições mais altas na sociedade.

Eu me pergunto: como pode haver oposição a um sistema que faz a sociedade prosperar? A resposta é que não só existe oposição, como ela consegue anular grandes feitos realizados por liberais. Aqui no Brasil, por exemplo, algumas estatais que estavam na lista de privatização (Petrobrás, Correios, Dataprev, Serpro e outras) tiveram seus projetos revogados assim que o governo de esquerda assumiu.

Um ponto que considero extremamente importante e esclarecedor nas explanações de Mises é que o liberalismo não promete felicidade ao homem, mas a possibilidade de ter desejos alcançados no mundo exterior. O liberalismo não está relacionado às necessidades interiores, espirituais e metafísicas, mas sim ao bem-estar material.

Outro ponto não menos importante é que os direitos devem ser iguais para todos, independentemente de suas diferenças, isto é, nenhuma pessoa é igual a outra, porém, devem contar com direitos iguais. O que difere uma da outra não é a raça ou credo, mas sim a capacidade de produção de cada uma delas.

Mises considera que um homem livre produz mais que um homem “escravizado”, pois o primeiro irá se esforçar para alcançar seus desejos e sabe que isso depende exclusivamente de seus esforços. Um homem escravizado não almeja grandes conquistas, já que possui o básico para sua sobrevivência (comida, moradia e roupa). Logo, sua força de trabalho será menor. Nesse sentido, posso afirmar que uma sociedade socialista é uma sociedade escravizada?

No capítulo 1 – Os fundamentos da política econômica e liberal –, Mises aponta uma questão que considero um tanto polêmica. A obrigação do Estado é garantir a paz, a proteção da propriedade e a liberdade, ou seja, que os nossos direitos sejam garantidos perante a lei, e que nossas ações não coloquem a sociedade em perigo. Logo, todo indivíduo que colocar em perigo a existência da sociedade deve ter suas ações impedidas e compelidas.

O exemplo dado por Mises trata da questão do alcoolismo e dos viciados em drogas. Existem pessoas que concordam com o uso da força para impedir a prática de tais vícios. Porém, se o uso da coerção só deveria ser usado contra ações que colocam a sociedade em perigo, por que usá-la para impedir um viciado que está colocando em risco somente sua vida? Ou não é somente a si o mal causado?

Bem, esse é o ponto que considero crítico ou polêmico. O liberal compreende que, sem o uso da coerção, a sociedade correria perigo e que, para o cumprimento das regras de conduta, (a lei) é necessária para a cooperação humana. Minha questão aqui é: se o Estado tem poder de impedir e compelir determinados comportamentos que considera prejudiciais à sociedade, poderia ignorar que as drogas são prejudiciais à saúde, que colocam a sociedade em perigo, desconsiderando todas as consequências e, então, liberá-las?

Ou, talvez, considerar que o uso ou não de certos “produtos” são prejudiciais à saúde, e obrigar a sociedade? Por exemplo, a obrigatoriedade da vacina (COVID-19) e suas inúmeras doses. Não sou contra a vacina, desde que comprovada sua eficácia. Não obstante, torná-la obrigatória a ponto de impedir o cidadão de ir e vir, creio que fere os princípios de liberdade do indivíduo.

“Chamamos o estado de aparelho social de compulsão e coerção que induz as pessoas a obedecerem às regras de vida em sociedade; chamamos de Lei as regras, segundo as quais o estado age; e de governo, os órgãos encarregados da responsabilidade de administrar o aparelho coercitivo. ” “p.64”

Por fim, meu ponto é: quando o Estado é responsável por decidir o que é bom ou não para a sociedade, isso abre um precedente perigoso. Principalmente, quando temos no poder representantes que não recorrem à Constituição para governar.

No capítulo 2 – Política Econômica Liberal –, Mises defende o capitalismo de forma que a quantidade de coisas produzidas está diretamente relacionada ao nível de engajamento das pessoas no processo de produção. Ou seja, os trabalhadores precisam ter um bom desempenho, uma vez que seus salários estão atrelados à sua produtividade, enquanto os empresários devem se esforçar para produzir a um custo menor que seus concorrentes. É uma via de mão dupla, o famoso “ganha, ganha” – e é exatamente dessa forma que a economia capitalista consegue produzir riquezas.

Ao contrário do que disse o presidente Luis Inácio Lula da Silva, que “o empresário não ganha muito dinheiro porque ele trabalhou, ele ganha muito dinheiro porque os trabalhadores dele trabalharam”[1], sabemos que, na prática, não é bem assim. Para atender às necessidades das massas, a indústria precisa aumentar o volume de produção. Esse aumento só é possível mediante redução de custos, aperfeiçoamento do processo produtivo e mão de obra engajada. A capacidade de colocar essa engrenagem para rodar gerando lucro é mérito do empresário, da mesma forma que eventuais prejuízos.

O que nos leva ao segundo ponto dessa fala equivocada. Quando falamos que a indústria precisa aumentar sua produção para atender à necessidade da massa, estamos dizendo que a população está consumindo mais, ou seja, tem mais renda, e essa renda advém do trabalho. Quanto maior a capacidade de produção do trabalhador, maior será sua renda e sua capacidade de consumo.

Percebe-se esse aumento na capacidade de consumo com algo muito simples: o aparelho celular. Na década de 1990, chega ao Brasil (com 20 anos de atraso comparado a alguns países) o telefone móvel, considerado um artigo de luxo. Hoje, o celular é uma necessidade, não só para os adultos, como também para adolescentes e crianças. No Brasil, a quantidade de smartphones ultrapassa o número de  habitantes[2]. “O luxo de hoje é a necessidade de amanhã”, o incentivo para o indivíduo e a inspiração para as indústrias.

No capítulo 3 – Política Externa Liberal –, diz-se que o liberalismo ensinou as nações a preservar a paz interna; que a divisão do trabalho ultrapassou os limites de cada nação, e que nenhum país é autossuficiente com sua própria produção, ou seja, todos os países precisam importar bens estrangeiros. Quando ocorre uma pausa na troca internacional, ela afeta diretamente o bem-estar da população. Podemos citar, por exemplo, a crise dos países que dependem de gás fornecido pela Rússia à Europa, processo pausado pela guerra da Rússia com a Ucrânia.

Ainda sobre a guerra, Mises diz que é um erro dizer que elas são causadas devido ao capitalismo levar ao crescimento das indústrias armamentistas. Na verdade, só houve um crescimento nesse setor devido à necessidade de governos e povos focados na guerra.

Percebemos então que o problema não é que a indústria armamentista e o capitalismo levam às guerras, mas sim o desrespeito pela propriedade privada da nação, que adota o direito de apropriar-se da propriedade do outro. Leva a acreditar que tempos de paz não estão próximos.

“O liberal não espera abolir a guerra pela pregação e moralização. Procura criar as condições sociais capazes de eliminar as causas da guerra. ” “p.130”

Outro ponto que me chama a atenção é que Mises fala sobre liberalismo e aponta alguns dos motivos que o levaram ao declínio, como no capítulo 4 – Liberalismo e Partido Político.

O liberalismo não fez como os partidos anticapitalistas, que buscaram o apoio das massas, formaram organizações ou máquinas partidárias. Também não agiu com oportunismo ou em busca de barganhas políticas. Não sabendo a razão exata de que caminho foi seguido no passado, porém, percebemos que o liberalismo perdeu influência com o passar dos anos. Hoje, muito se fala sobre livre mercado e liberais, mas não são termos estampados nas massas.

Em um trecho, Mises diz que “a única via possível a quem deseja levar de volta o mundo ao liberalismo é o convencimento de seus concidadãos da necessidade de adotar o programa liberal. Esse trabalho de esclarecimento é a única tarefa que o liberal pode permitir-se executar, com a finalidade de, tanto quanto lhe seja possível, impedir a destruição para a qual a sociedade rapidamente se encaminha no presente. ” Acredito, inclusive, que esse seja o trabalho que tem sido realizado pelos Institutos Liberais e de Formação de Líderes.

Entendi o capítulo 5 – O Futuro do Liberalismo – como um alerta para nos atentarmos aos movimentos que fazem grande esforço para deturpar o significado de capitalismo e liberalismo. Mises diz que houve momentos em que estes foram criticados pela incansável busca por tecnologia e inovação, e que não havia necessidade de o homem buscar por melhor qualidade de vida e bens materiais, que essas coisas não trariam a verdadeira felicidade.

De fato, o liberalismo não promete felicidade eterna, assim como dito no início do livro. No entanto, é improvável que uma pessoa podendo viver em melhores condições que suas gerações passadas renuncie a tal progresso. Não acredito que o nível de felicidade de uma pessoa esteja relacionado aos bens materiais, mas defendo que, uma vez que se deseja algo e esse algo é alcançado, sem sombra de dúvidas haverá momento de satisfação e, consequentemente, um momento de felicidade. Essa é a motivação do homem. Ou seria a pobreza, que faz o homem evoluir espiritualmente, se contentar com aquilo que lhe é oferecido pelo universo (nesse caso, o universo é o Estado) e ser um indivíduo feliz?

Como dito lá no início, Mises esclarece várias dúvidas e responde a muitas perguntas que já fiz. Nesse contexto, talvez esta seja a mais importante: afinal, o que é liberalismo?

“É uma ideologia, uma doutrina da relação mútua entre os membros da sociedade e, ao mesmo tempo, aplicação desta doutrina à conduta dos homens numa sociedade real. Não promete coisa alguma que exceda o que possa ser obtido na sociedade pela sociedade. Busca, unicamente, dar uma coisa aos homens: o desenvolvimento pacífico e imperturbável do bem-estar material para todos, com a finalidade de, a partir disso, protegê-los das causas externas de dor e sofrimento, na medida em que isso esteja ao alcance das instituições sociais. Diminuir o sofrimento, aumentar a felicidade: eis seu propósito. ” “p.201”

[1] Poder 360 por Mariana Haubert em 19 de janeiro de 2023.

[2] Publicado na Agência Brasil, por Kariane Costa em 02 de janeiro de 2021. “Do tijolão ao smartphone, a história dos 30 anos do celular no Brasil. ”

MISES, Ludwig von. Liberalismo. 2ª edição, São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010.

*Érica Santos é administradora de empresas, especialista em gestão estratégica de negócios pela Fundação Getúlio Vargas, consultora credenciada ao Sebrae GO nas áreas de Pessoas e Planejamento Empresarial, atua como consultora na área de gente e gestão com ênfase em atração e seleção de pessoas para a cadeia do agronegócio, possui sólida experiência em mapeamento e gestão de processos no segmento do agronegócio. Entusiasta da difusão do ideário liberal, é membro do IFL BSB e coautora de cursos e treinamentos voltados ao desenvolvimento empresarial.

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