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Regina Casé: Concordamos no diagnóstico, discordamos nas soluções. Ou: Foi o Estado que entristeceu o esquenta

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ixquenta
 
José Arthur Sedrez*
 
Douglas Rafael da Silva Pereira era jovem, era negro e era morador de uma comunidade pobre. DG, como era conhecido, não estudou e, desinibido e espontâneo que era, acabou tornando-se dançarino. Tudo indicava que ele era apenas jovem como os outros: Tinha sonhos, tinha amigos, tinha problemas, tinha defeitos… Para o governo federal, DG era estatística. Para a polícia do Rio de Janeiro, DG era um problema social. Para os jornalistas, DG é manchete. Mas para sua mãe e para seus amigos, DG agora é lembrança.
 
Dentre os amigos mais ilustres do jovem, destaca-se a apresentadora Regina Casé. Ela não era apenas sua chefe. Anos de relações profissionais estreitaram a relação de ambos. A líder do programa mais popular da Rede Globo ainda fica notadamente emocionada sempre que é compelida a falar sobre o brutal assassinato do jovem e, neste último domingo, foi inevitável fugir do assunto em seu programa, no que talvez tenha sido a edição mais triste da atração mais popular da maior rede de televisão nacional.
 
Não fosse Regina Casé chefe do jovem, certamente a morte de DG não teria ilustrado a capa dos principais jornais do país, não teria rendido interrupções em horário nobre, tampouco parado as rodas de samba que embalam as tardes de domingo da televisão. DG teria caído no esquecimento, assim como caem no esquecimento – sem que nenhuma linha seja publicada em jornal algum – milhares de jovens igualmente vítimas do excesso do Estado, e da incompetência de burocratas em lidar com problemas sociais complexos.
 
Regina Casé fez um longo, bastante sincero e tocante discurso em homenagem a DG. Fez críticas intocáveis: Os mais pobres estão de mãos atadas, são vítimas do arbítrio dos agentes do Estado e, uma vez silenciados, não são tratados com um mínimo de dignidade por aqueles que se dizem autoridades. Seu diagnóstico é impecável, talvez por óbvio que seja, inexistem correções a serem feitas: Ser pobre é considerado crime pelo establishment. Se pobre, você será culpado até provar o contrário, e poderá receber tiros pelas costas, com a garantia de total conivência silenciosa do Estado.
 
Se Regina acerta na visão de presente, erra na visão de futuro: Foram pedidos similares aos feitos por Regina Casé – que conclamou ao Estado para que tome as rédeas da situação caótica da segurança pública – que resultaram em ações policiais que paulatinamente foram passando por cima dos direitos mais básicos dos moradores de bairros pobres, colocando a todos como criminosos em potencial e legitimando por meio do silêncio, que agentes do Estado entrem onde quiserem entrar, agridam quem quiserem agredir e atirem nas costas de quem quiserem atirar com a certeza da impunidade e do silêncio.
 
Quando um funcionário de uma empresa comete irregularidades, é comum vermos justas manifestações sociais pressionando seu chefe, responsabilizando-o pelo fato e o obrigando a explicar como permitiu que um incompetente, e eventualmente um psicopata, estivesse à frente das atividades que estava. Não são raros os históricos de líderes de empresas defenestrados de seus cargos e de suas vidas sociais por fatos cometidos por seus subalternos. Há, no entanto, um silêncio incriminador quanto aos verdadeiros chefes da polícia: Quem apontou o dedo para Sérgio Cabral e o obrigou a dar explicações sobre os abusos de seus agentes? Por algum motivo que escapa a qualquer lógica, um governador que permite que sua polícia cometa, sob mantos de silêncio, os mais tenebrosos crimes, é retirado do banco dos réus onde deveria sentar e alçado ao posto de solucionador dos conflitos que, ao menos por seu silêncio, ajuda a perpetuar. O triste é que já sabemos como o Estado age para resolver estes conflitos, e mesmo assim há quem insista nesta tese.
 
Há não muitos dias, o assassinato de Claudia Silva Ferreira ocupou linhas tímidas nos jornais brasileiros. Estas linhas não foram capazes de fazer com que você se lembrasse de seu nome. Claudia caiu no esquecimento. Claudia era uma auxiliar de serviços gerais, uma negra, uma moradora de uma comunidade pobre. Claudia foi a trabalhadora que enquanto dirigia-se à padaria para comprar pão e mortadela para os quatro filhos e quatro sobrinhos que criava, foi atingida por tiros de policiais, recolhida e posta na mala do camburão, deixando seu braço à vista e arrastando pelo chão. Metros adiante, seu corpo caiu do veículo e, quando reposta no veículo, não somente seu braço, mas todo seu corpo, já sem vida, foi arrastado sem nenhum embaraço por centenas de metros. A história não teria ocupado nenhuma linha de nenhum jornal – nem mesmo as mais tímidas -, não fosse o fato de uma gravação anônima ter caído na internet.
 
Dias depois da morte de Claudia, descobriu-se que o policial que conduzia a viatura estava envolvido em outras 63 (!!!) mortes. Dias depois, Dilma Rousseff lamentou o ocorrido. Dias depois, Sérgio Cabral pediu desculpas aos familiares. Tudo, dias depois.
 
É no mínimo curioso quando Regina Casé reclama que o Estado matou seu amigo e pede, na frase seguinte, mais Estado para resolver o caos da segurança pública. Regina Cazé parece esquecer que nem Sérgio Cabral, nem Dilma Rousseff, nem José Eduardo Cardozo sabem mais sobre a realidade de Pavão-Pavãozinho do que os donos de padaria ou as donas de casa da comunidade. Aceita, no entanto, que estes façam os desmandos que quiserem, com uma inocente fé de que tomarão não as atitudes mais bonitas para a propaganda na próxima eleição, mas que tomarão vergonha na cara e passarão a tratar pessoas como Pessoas.
 
Não! O Estado não pode atirar em quem quiser. O Estado não pode invadir residências a seu bel prazer. O Estado não pode torturar ninguém, sob nenhum pretexto. O Estado não pode arrastar corpos de auxiliares de serviço geral por centenas de metros. Não há o que se ceder às teses neandertais que buscam dividir a culpa dos desmandos do arbítrio Estatal com as vítimas que produz: Estado que desrespeita a vida e a propriedade – de quem quer que seja! -, torna-se apenas mais uma tirania perfumada.
 
A luta pela liberdade é, antes de tudo, uma luta pela dignidade. É uma luta que em muito nos antecede, que já derrubou monarcas e ditadores, ensinando-os por bem ou por mal, que o respeito ao indivíduo é cláusula indiscutível em nossa carta de princípios. Ou se defende a liberdade, ou assumamos, com uma franqueza dolorosa, que teremos que conviver com  cada vez mais interrupções nas rodas de samba do Esquenta, ou, ao menos até que a violência se banalize por completo. 
 
*José Arhur Sedrez, Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Clube Austral de Pelotas-RS

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2 comentários em “Regina Casé: Concordamos no diagnóstico, discordamos nas soluções. Ou: Foi o Estado que entristeceu o esquenta

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    29/04/2014 em 10:10 am
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    O Estado é o aparelho da violência. Sua existência tem por fim fazer com que as pessoas obedeçam a “regra do bom viver”, a lei e a ordem. Esperar que a polícia, a parte mais visível e contundente do Estado, chegue em um conflito qualquer e que a lei definiu como tal, com um buquê de rosas, não entendeu a questão. Quem chama a polícia está chamando a violência. Ela pode ser explicita ou subentendida. Não há nada de errado nisso. O que está errado é deixar o Estado interferir na economia, no mercado. A sua intervenção neste setor, que não lhe diz respeito e que faz sempre com medidas institucionais restritivas e proibitivas, é que é a verdadeira origem do problemas que permeia toda a sociedade. Se a policia desrespeita o cidadão e confunde todo tipo de gente, seja inocente e criminoso, coloca no mesmo saco vício e crime e etc, temos que procurar a sua causa fora da própria policia. Pois tudo isto não passa de consequência do estado intervencionista. Ao interferir na economia o Estado dá início a um lento e tortuoso trabalho de destruição que atinge todo o tecido social.

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      30/04/2014 em 2:28 pm
      Permalink

      Muito bom Vander, o estado é o monopólio da força e acaba utilizando em determinadas situações. O problema é realmente como usa e quando. Sim, imaginar que a ausência de estado, e de força, levará a uma liberdade completa é utopia. A procura desenfreada por poder e controle está em todos os seres humanos, e principalmente nos grupos humanos. É inevitável surgir novamente um estrutura de poder e controle assim que o nicho estiver desocupado.
      Por isso o estado deve ser forte, porém limitado à mínima influência necessária na vida do cidadão para manter propício ás demais formas de cooperação e competição.

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