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Quem possui as verdadeiras mentes fechadas?

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As recentes polêmicas envolvendo arte, ultraje ao culto (o culto cristão, claro, já que usar do poder artístico para denegrir objetos de cultos afro-brasileiros não é tolerado; apenas a religião que reergueu a civilização da barbárie pode ser molestada), indução à pedofilia, etc., não são, de forma alguma, novas em suas essências.

Notemos aqueles que fazem apologia ao grotesco, ao feio, a perversão, a quebra de valores, não seguem algo novo. O que os contemporâneos pensam ser “novidade”, “inovação” é, na realidade, o modus operandi da classe artística há mais de cem anos (no Ocidente). Transgredir o mundo vigente já não é um ato de rebeldia. É uma normalidade e, sim, atenção para a palavra: é uma norma dentro de certa classe artística. Não violam mais nada, não inovam. Apenas repetem um ethos em nome de um pathos supostamente inovador, transgressor e intransigente, mas que, de fato, não passa de uma regrinha geral, frágil, mas ordenada, mirando sempre em um fantasma dentro do sistema malvado – sem suspeitar, nem de longe, que é o próprio sistema.

Essa paixão rebelde, revolucionária em sua essência (e como tal), carece de um sustentáculo sólido na realidade. O fato de não conseguirem fazer a simples observação de que a arte transgressora, na realidade, não transgrede mais nada dentro do meio artístico, já denota uma deficiência crítica natural de tais revolucionários artísticos.

No fim, “o que é arte?” se tornou uma pergunta canhestra. Qualquer um que se adentrar em um debate com esses revolucionários da arte vai descobrir que, para eles, tudo é arte e, portanto, a arte não existe. Os mais espertos, talvez, vão lançar o conhecido argumento do relativismo histórico e cultural levado às últimas e perversas consequências: irão por tudo em uma contingência irracional e insolúvel, para validar as porcarias que produzem. No fundo, a arte não existirá e, como artistas, não serão nada além de um vazio humano, uma sombra de algo que sequer existe – como um simulacro de uma farsa.

Sobre esse vazio, no entanto, há várias coisas interessantes, como as condições necessárias para que esse desastre cultural se abatesse no Ocidente e, em especial, nas nossas terras tupiniquins. Como todo fenômeno e evento social, esses artistas do vazio necessitaram de certas precedências para sua tremenda pequenez ser possível.

Arte para fazer uma crítica social é o que os impulsiona, mas não passa de outra coisa velha e já tradicional no meio dos ditos transgressores, mas também na arte em geral, anterior ao século XX. De fato, pode ser tão velha quanto às pinturas rupestres, porém a crítica pela crítica não passa de um nada. Podemos ver esse vazio já na boa arte (em termos estéticos, é imensamente superior em relação à arte moderna e pós-moderna) de Gustav Coubert, com seu polêmico quadro L’Origine du monde (A Origem do mundo), em 1866. A pintura de Coubert sofreu tanta censura – apesar de ter sido vendida para colecionadores particulares – que só foi exposta ao público em 1995. Coubert, sim, estava quebrando tabus e desafiando uma cosmovisão artística, com sua pintura erótica. Mas a própria crítica contida na L’Origine du monde é pífia. Basicamente, ela proclama um realismo contra os nus planos, pintados em outras pinturas em voga na academia. As pernas abertas de uma mulher, com seu sexo notoriamente aberto e exposto, mostrando os lábios da vagina, como a “origem do mundo” não passa de uma crítica extremamente sonífera, depois que seu “boom” polêmico morre.

Coubert merece um “e daí?”. Mas há arte de verdade no L’Origine du monde, isso não se pode negar. Porém, a arte recebe sua facada, não com a pintura erótica (quase pornográfica) de Coubert, mas com um urinol.

Marcel Duchamp, em 1917, simplesmente assinou em um urinol e chamou aquilo de arte. Fez o mesmo com uma roda de bicicleta, dentre outros objetos e cenas montadas. Duchamp inicia, de fato, o esvaziamento da arte, com seu conceitualismo extremado. Já ali, qualquer retardado pode, literalmente, ser um artista de alto escalão.

De fato, com tudo podendo ser arte, malgrado as várias escolas de arte moderna, a crítica tem seu verdadeiro fim. Criticar de modo extremamente negativo uma obra de arte? Seria uma intolerância!, um descabimento!, uma amostra de ignorância e preconceito… a crítica de fato, enfim, encontra seu fim com a arte moderna.

Mircea Eliade, um importante historiador e sociólogo das religiões, notou algo bem interessante:

Menos se insistiu no que se poderia chamar de os mitos da elite, particularmente os que se cristalizam em torno da criação artística e de sua repercussão cultural e social. Esses mitos, entretanto, conseguiram impor-se muito além dos círculos fechados dos iniciados, graças, sobretudo, ao complexo de inferioridade do público e círculos artísticos oficiais. A incompreensão agressiva do público, dos críticos e dos representantes oficiais da arte em face de um Rimbaud ou de um Van Gogh, as desastrosas conseqüências que teve — sobretudo para os colecionadores e os museus — a indiferença com relação aos movimentos inovadores, do impressionismo ao cubismo e ao surrealismo, constituíram duras lições tanto para os críticos e o público, como para os marchands, as administrações dos museus e os colecionadores. Hoje, seu único receio é o de não estarem suficientemente avançados, de não reconhecerem a tempo o gênio numa obra à primeira vista ininteligível. É possível que, nunca antes na história, o artista tenha estado tão certo como hoje de que, quanto mais audacioso, iconoclasta, absurdo e inacessível ele for, tanto mais será reconhecido, louvado, mimado, idolatrado. Em alguns países, produziu-se um academismo ao inverso, o academismo da “avant-garde”, a ponto de qualquer experiência artística que não faça concessões a esse novo conformismo arriscar-se a ser sufocada ou a passar despercebida.

O mito do artista maldito, que obsedou o século XIX, está hoje obsoleto. Especialmente nos Estados Unidos, mas também na Europa Ocidental, a audácia e a provocação há muito deixaram de ser prejudiciais ao artista. Ao contrário, pede-se que ele se amolde à sua imagem mítica, que seja estranho, irredutível e que ‘produza algo de novo’. É o triunfo absoluto da revolução permanente na arte. ‘Tudo é permitido’ deixou de ser uma formulação adequada: qualquer inovação é considerada genial de antemão, e equiparada às inovações de um Van Gogh ou de um Picasso, mesmo que se trate de um cartaz mutilado ou de uma lata de sardinhas assinada pelo artista[1].

A crítica morre com essa revolução permanente, se despedaça com a permissão de tudo na arte. Eliade fala da criação de um círculo sagrado, onde os mestres iniciam os alunos, mas que estes não têm a autorização de criticar os ensinamentos do mestre: seja iconoclasta com os iconoclastas e não será considerado apto para falar de arte. A separação do artista com a sociedade, com o mundo real e natural, se dá nesse círculo estreito de mistérios artísticos, onde o feio e o belo não existem, onde a importância se afoga em um lago de relativismos pueris.

Essa triste história da arte do século XX é uma amostra do terreno no qual as polêmicas envolvendo arte e pedofilia, em 2017, nasceram. Outra precedência necessária para que o que foi feito em Porto Alegre e em São Paulo é a constante “crítica social” contra os valores predominantes na sociedade, ou suas mazelas e hipocrisias.

Mas a questão é: onde essa crítica social é produzida? Os focos e fontes para tais críticas “artísticas” é a universidade.

É na universidade que as pessoas, normalmente, são apresentadas a um mar de correntes ideológicas, ainda que, no Brasil, a corrente sempre tenda para a esquerda, na maioria dos casos. O que entendemos como “crítica social” está banhado em autores como Adorno, Marx, Engels, Paulo Freire, Marcuse, Horkheimer, Foucault, Derrida, etc. Esses autores tecem suas críticas e análises a respeito dos esquemas, relações e sistemas de poderes existentes na sociedade… e abundam nas universidades brasileiras.

O que se chama de “crítica social” normalmente possui contornos comuns dentro de um estamento universitário, onde leituras e abordagens orbitam certas escolas de pensamento fixas. A crítica tem seus moldes, facetas e características.

Mas a precedência universitária não é algo que brota da “sociedade normal”. O próprio aspecto da universidade, sua História, seus componentes e como suas estruturas se dão, afastam o mundo universitário do restante da sociedade. O caráter da universidade brasileira demanda um regimento interno, uma corporação e uma mentalidade de corporações que compõem toda universidade.

Universidades não têm o mesmo ambiente que as ruas que as circundam. Os estudantes e professores, trabalhadores, não se comportam dentro de um campus universitário da mesma maneira que se comportariam fora dele. Existem regras, normas de conduta e discursos diferentes dentro da universidade e fora dela. Os muros universitários fecham-se para o mundo, clamando um isolamento necessário para a produção intelectual.

O efeito colateral do isolamento da universidade da sociedade em sua volta é, ao menos, a falta de identificação que o povo em geral terá com sua elite intelectual. O estranhamento extremado não é necessário, tampouco total, mas a forma como a universidade se configura cria esse corpo de potenciais bem alienígenas dentro de qualquer sociedade.

A elite intelectual de uma nação, se formada, centrada e aderida ao meio universitário, tenderá inevitavelmente a ser descolada com relação ao social que a envolve, mesmo que, muitas vezes, a sociedade seja o objeto de estudo de parte do mundo acadêmico. Adicione os autores citados acima e terá, invariavelmente, uma massa de artistas vindos ou influenciados pelas universidades que não aceitarão uma crítica, pois a crítica será externa. (Continua…)

 

[1] ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 1ª ed., São Paulo: Perspectiva, 2016, p. 160-161.

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Hiago Rebello

Hiago Rebello

Graduado e Mestrando em História pela Universidade Federal Fluminense.

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