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Praxeologia, ordem espontânea e Covid-19

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Diante da epidemia de Covid 19, vemos a realidade se impor à burocracia estatal dos governos democráticos ao redor do mundo.

Um dos fenômenos mais estranhos do nosso tempo ­– e que vai provavelmente espantar nossos descendentes – é a doutrina baseada na tripla hipótese dos governos democráticos: (i) a inércia radical da humanidade; (ii) a onipotência da lei; e, (…) a infalibilidade do governo. Estas três ideias constituem o sagrado símbolo daqueles que se proclamam democratas e se declaram preocupados com o social alegando fé ilimitada nos homens. No plano social, os mesmos democratas consideram a humanidade inepta para resolver seus problemas.

Examinemos este contraste mais detalhadamente.

Qual é a atitude do democrata quando os direitos políticos estão em jogo? Como ele vê o povo, quando um governo deve ser escolhido?

Nessa situação, o povo tem uma sabedoria instintiva, é dotado de um tato admirável, sua vontade é sempre certa, considera-se que a vontade geral não erra. Quando é hora de votar, o eleitor não necessita de nenhuma garantia de sua sabedoria. Sua vontade e sua capacidade de escolher criteriosamente são sempre supostas.

Mas, quando finalmente o governo é eleito, o tom do discurso muda radicalmente. O povo retorna à passividade, à inércia e à inconsciência. O governo toma posse da onipotência. Agora é a vez de dirigir, de desenvolver e de organizar e o povo deve se submeter.

Agora observemos esta ideia: o povo, que durante a eleição é considerado sábio, passa a não ter mais nenhuma iniciativa e, se tiver alguma, ela supostamente o levará à degradação e a morte.

Dentro da considerada passividade e incapacidade do povo de tomar as melhores decisões para si, o governo, em busca do seu melhor interesse, usa a legislação e a opinião de “especialistas” como um guia, com poderes quase messiânicos, buscando supostamente o melhor interesse dos indivíduos. A maioria popular de fato clama por um guia.

Somente uma minoria ainda manifesta seus interesses, mas sem nenhum eco sobre a maioria ou sobre o governo.

Os especialistas, por sua vez, também agem movidos por interesses pessoais  e acabam se afastando da razão, por abandonarem o método científico, partindo para o argumento de autoridade investida na palavra “ciência”, criando uma narrativa que atenda aos seus interesses. A proclamação absolutista de “fatos científicos”, sem o uso rigoroso do método, atendendo a interesses do planejador central, acaba se tornando imune à crítica e logo os detratores do senso comum são excluídos do debate.

Afinal, como se constitui a ciência? Supõe-se que determinado grupo de fenômenos obedece a certas constantes, em seguida se recortam amostras dentro desse mesmo grupo para averiguar, mediante observações, experiências e medições, se as coisas se passam como previsto na hipótese inicial. Repetida a operação um certo número de vezes, busca-se articular os seus resultados num discurso lógico-dedutivo, estruturando a realidade da experiência na forma de uma demonstração lógica, evidenciando, ao menos idealmente, a racionalidade do real; esse processo é conhecido como método científico.

Quando nos afastamos do método científico – por diversos motivos relacionados ou não à força do legislador central –, baseando decisões em pseudofatos científicos, acabamos levando, concomitantemente, à supressão das decisões individuais de resolução de problemas, substituindo a mesma pelas intenções do planejador central, falsamente respaldadas na autoridade científica.

Na atual pandemia, a medida adotada na quase totalidade dos países para evitar o caos no sistema de saúde foi a adoção do “lockdown”, que consiste na restrição do deslocamento de pessoas e fechamento da economia, planejado pelos governos centrais de forma autoritária e generalizada, desconsiderando as múltiplas variáveis envolvidas na doença, nas diferentes populações ao redor do mundo.

Essas medidas foram usadas em nome da ciência, porém representam na verdade a pseudociência. Vários fatores mostram ausência de rigor científico como: observações retrospectivas em populações específicas, comparação de grupos heterogêneos nas suas variáveis demográficas, socioeconômicas e nos recursos do sistema de saúde, ausência de grupo de controle lockdown versus ausência de lockdown, experimentos que não foram replicados em locais diferentes com resultados comparáveis, como é o proposto pela ciência respaldada no método científico.

Mesmo a utilização de ferramentas estatísticas adequadas, como a covariância, não são capazes de analisar o comportamento social em escala tão ampla, pois não conseguimos imputar dados confiáveis para gerar modelos matemáticos confiáveis que possam ser extrapolados para diversos países. Isso ficou evidente em vários aspectos da pandemia, principalmente nas previsões inadequadas do estudo Britânico do Imperial College. Essas previsões geraram erros exponenciais, devido a inputs ou premissas erradas, atrapalhando a tomada de decisão. Isso não significa negação da ciência, mas sim a demonstração da ausência do uso do método científico para o fim proposto.

Quando estudamos a ação humana de forma ampla como na atual pandemia, a única forma de faze-la com a melhor utilização dos recursos escassos é através da praxeologia.

A praxeologia vem sendo foco de estudo pela Escola Austríaca de Economia, tendo como seu pai fundador Ludwig von Mises.

Mises demonstrou a impossibilidade de tomar decisões adequadas baseadas em modelos matemáticos, definidos por um planejador central, como visto no problema do cálculo econômico, que previu o colapso de países comunistas muitos anos antes do verdadeiro fim desses países.

A praxeologia, definida como a teoria geral da escolha e preferência humana, vai muito além dos limites dos problemas econômicos estudados por economistas com Cantillon, Hume, Adam Smith e John Stuart Mill.

A praxeologia é muito mais do que uma teoria do “aspecto econômico” do esforço humano e da luta para melhoria de seu bem-estar material. É a teoria  baseada no conhecimento a priori, ou seja, na lógica que prevê de forma bem mais acurada todo tipo de ação humana. Essa teoria considera que toda decisão humana representa uma escolha.  Ao fazer sua escolha, o homem escolhe não apenas entre diversos bens materiais e serviços; todos os valores humanos são oferecidos como opção.

Todos os fins e todos os meios, tanto os resultados materiais como os ideais, o sublime e o básico, o nobre e o ignóbil são ordenados numa sequência e submetidos a uma decisão que escolhe um e rejeita outro.

Nada daquilo que os homens desejam obter ou querem evitar fica fora dessa ordenação numa escala única de gradação e de preferência.

A moderna teoria de valor estende o horizonte e amplia o campo dos estudos econômicos. Da economia política da escola clássica emerge a teoria geral da ação humana, a praxeologia. Os problemas econômicos estão embutidos numa teoria mais geral da qual não podem mais ser separados.

O exame dos problemas econômicos tem necessariamente de começar por atos de escolha: a economia torna-se uma parte, embora até agora a parte elaborada, de uma teoria mais universal: a praxeologia.

Baseado na praxeologia de Mises, outro expoente da Escola Austríaca, Friedrich August von Hayek, economista e filósofo, cunhou o conceito de ordem espontânea.

Frequentemente se supõe, erroneamente, que a ordem espontânea seja a exaltação do império do caos ou o estado de anarquia generalizada, ou ainda o negacionismo do método científico ou dos modelos matemáticos.

Hayek constatou que, em todas as sociedades livres , embora grupos de homens se unam em Estados, comunidades, organizações, famílias, etc. para consecução de fins específicos, a coordenação das atividades de todos esses grupos, bem como dos diversos indivíduos, é produzida pelas forças que favorecem uma ordem espontânea mais abrangente e sua aplicação independe de qualquer propósito comum.

Essa ordem, ao implicar um ajustamento a circunstâncias, cujo conhecimento está disperso por um grande número de indivíduos, não pode ser estabelecida por um sistema que centraliza as decisões. Só pode decorrer do ajustamento mútuo dos vários elementos e da sua reação aos eventos que atuam imediatamente sobre eles.

Se a ordem não tivesse essa característica estruturante, a ação humana seria totalmente desordenada e a humanidade sucumbiria. A descentralização é o poder disperso para que os indivíduos possam buscar o conhecimento necessário e adequado a seus objetivos particulares – e cada um sabe o que é melhor a ser utilizado a partir dos interesses de cada um, pois precisamos da descentralização porque somente ela poderá nos assegurar que o conhecimento de circunstâncias particulares de tempo e locais diferentes possam ser prontamente utilizados. Os conceitos discutidos de Escola Austríaca evidenciam vários problemas enfrentados nessa pandemia, gerados por governos ao redor do mundo, que, ao impor medidas restritivas coercitivas, ferem direitos naturais de propriedade, gerando efeitos colaterais muito maiores que o problema original. Essas medidas vem sistematicamente impossibilitando soluções locais mais eficientes, como já demonstrado ao longo da história humana, pela praxeologia e pelo conceito de ordem espontânea.

Como médico e estudioso das ideias liberais e libertárias pretendo, após esse preâmbulo, sobre praxeologia e ordem espontânea, expor vários pontos em que a ação estatal prejudicou o combate a essa terrível pandemia causada pelo vírus do Partido Comunista chinês.

Primeiro vale salientar os erros da OMS, Organização Mundial de Saúde,  que pelo seu conflito de interesse, relacionado ao financiamento estatal, demorou a tomar decisões, sendo conivente com várias tentativas do governo Chinês em esconder a gravidade da nova doença, atrasando a implantação de medidas realmente eficazes, enquanto a pandemia estava restrita a uma pequena área geográfica da China.

Governantes estimulados a tomar medidas restritivas defenderam iniciar violência contra pessoas pacíficas, que desrespeitassem as medidas de isolamento.  Estimularam a invasão de propriedade privada, saquearam empresas privadas de álcool em gel, respiradores e máscaras, levando ao aumento da escassez desses produtos. Tudo isso feito com liminares de juízes e ordens politicas, em vários locais do país.

Defenderam punições violentas a comerciantes que queriam manter seus comércios abertos, oferecendo serviços demandados pela população, mesmo que essas empresas e seus clientes já estivessem tomando espontaneamente medidas para evitar o espalhamento da doença.  Além disso, esses mesmos comerciantes estavam tentando evitar o maior nível de desemprego visto na história do país e do mundo, ainda que em nome do próprio interesse.

Preferiram implantar medidas draconianas de violência estatal a seguir recomendações que sempre foram utilizadas em outras pandemias na história da humanidade como: alertar a população a evitar locais com grandes aglomerações, uso de máscara de forma disseminada, divulgação de medidas de higiene das mãos, estimular o isolamento de pessoas de grupos de risco específicos, isolamento voluntário de pacientes doentes. Disponibilizar por meio do mercado a realização em massa de testes diagnósticos para identificar infectados e evitar o espalhamento.

Em nome da preservação de milhares de vidas, utilizaram estudos pseudocientíficos, como o do Imperial College, que falharam em prever o número de mortos e contaminados de forma patética. Tudo absolutamente esperado por aqueles adeptos da verdadeira ciência baseada no uso do método científico.

Mostraram também a ineficiência na agilidade para aprovar estudos clínicos ao redor do mundo, produzindo conhecimento científico no tratamento da pandemia.

Chegaram ao ponto de propagar a ideia de que o colapso do Sistema Único de Saúde, o SUS, expõe a irresponsabilidade dos que advogam contra as medidas coercitivas de isolamento. O sistema de saúde no Brasil, especialmente o público, sempre apresentou uma qualidade ruim com falta de leitos, falta de equipamentos, falta de insumos. Tudo absolutamente esperado em um sistema que não tem concorrência, nem incentivos para a busca de eficiência. Antes da pandemia, a população já era mal assistida, várias pessoas morriam na fila por falta de acesso, mas muito pouco disso é motivo de notícia.

Assistimos ao nosso histórico de longa data de regulações e leis descabidas, incentivadas por conselhos profissionais na área de saúde, dificultando o uso de novas tecnologias, como a telemedicina. Sendo que a telemedicina já vinha sendo utilizada, há vários anos, no Brasil e no mundo, mas, até a pandemia, sofria várias regulações que impediam o seu uso mais amplo. Durante a pandemia revogaram as restrições regulatórias por pressão popular e diminuição do corporativismo médico, diante da necessidade que se impôs.

Vimos como a teoria econômica da praxeologia demonstra que a alocação de recursos escassos não pode ser feita de maneira eficiente por um planejador central. A mobilização de boa parte da rede hospitalar pública e privada para o atendimento da pandemia levou a uma reação em cadeia com suspensão de milhões de consultas, exames, cirurgias e internações por outras doenças. Vários locais tiveram uma demanda muito menor que a prevista no atendimento dos pacientes com Covid-19. houve um aumento de mortes por diversas doenças sem que esses pacientes chegassem ao sistema hospitalar.

Há uma ameaça real à solvência de planos de saúde, que há anos sofrem, devido a regulações estatais sem sentido, o que quase extinguiu planos individuais, havendo uma adesão em massa a planos coletivos empresariais, que, com a perda massiva de empregos, irão sucumbir. O impacto nos hospitais privados também é uma realidade; esses já não realizam mais procedimentos de alta complexidade, o que leva a uma ameaça grave à sua existência. Começam a aparecer na grande mídia várias denúncias de corrupção com verbas destinadas à saúde, nos estados e municípios.

Destruíram milhões de empregos e centenas de milhares de micro e pequenas empresas, obrigando o Brasil a entrar em mais um período de recessão, com a criação de subsídios econômicos e com a explosão da dívida pública, enquanto o vírus continua entre nós e infelizmente levará ainda a muitas mortes.

Vemos também que a reabertura da economia vem sendo postergada e fica nítido que nenhum governo sabe como devolver a normalidade à sociedade. Muitos clamam por mais intervenção estatal, mas sabemos que só as pessoas livres para decidir são capazes, através da ordem espontânea, de se reorganizar de forma eficiente.

Já é hora de voltarmos a trabalhar, produzir e viver. E óbvio, combater o coronavírus com inteligência.

*Rodrigo Meirelles Massaud é médico neurologista.

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