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Por uma sã direita

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MEMRIA~1Uma nova atmosfera se desenha, um esperançoso painel parece se configurar em nossa frágil e combalida democracia. Aqui e acolá, vê-se o despontar de um movimento em reação ao status quo político-ideológico, até então quase que plenamente sufocado por um único lado do espectro. A política partidária e os espaços culturais, editoriais e midiáticos, restringindo-se quase por completo a diferentes tons de vermelho, hoje assistemà uma articulação louvável à direita do quadro político. Amplia-se a consciência do mal causado ao país por lideranças bolivarianas, mergulhadas no socialismo mais “jurássico” – como já dizia o saudoso Roberto Campos, mente lúcida em terreno inóspito. Essa “nova direita” – ou, se preferirem, esse novo grupo de “anti-esquerdistas” – se caracteriza pela pluralidade.

Encontramos pessoas de mentalidades bastante diferentes, com gostos distintos e opiniões distintas; há desde o liberalismo mais radical até o liberal-conservadorismo, convivendo com algumas rusgas e discussões ainda incipientes, mas caminhando no propósito de ampliar sua significância e obter cada vez mais consistência popular. As divergências são saudáveis, e é uma característica nossa, seja exatamente em que matiz nos encaixarmos, não nos reduzirmos a um pensamento de manada típico de nosso oponente comum, que se pretende um grande Leviatã a engolir toda a diversidade e destruir o debate público. Mas uma bandeira sólida temos todos em comum, que nos identifica como contrários ao que aí está: a ordem liberal. Propomos todos, com essas ou aquelas diferenças de tom, a importância da livre iniciativa, da propriedade privada, da responsabilidade individual; reclamamos descentralização de poder e economia de mercado. E disto não podemos abrir mão, sob pena de nos diferenciarmos do inimigo fundamentalmente apenas na retórica.

Essa lição temos a aprender com a história de nosso próprio país. Lá se vai um bom tempo em que pululam anticomunistas no Brasil que, em que pese atacarem ou até perseguirem a esquerda, adotam posturas ou convicções bastante distanciadas dos pilares que acabamos de destacar. Estes acabam se tornando, antes que presenças positivas e estimulantes (com discordâncias aqui e acolá, como temos entre nós), uma variante esdrúxula do que eles mesmos teoricamente se propõem a combater. Neste afã, muito necessário, de reagirmos ao mainstream, precisamos nos lembrar disso e evitar que mentalidades similares assumam protagonismo e respondam, perante a percepção pública, por todos nós, pelo simples fato de se apresentarem como críticos dos socialistas ou do petismo. Já tivemos o movimento integralista – que ainda existe em alguma quantidade -, com seu discurso nacionalista exacerbado e sua oposição ao capitalismo liberal. Tivemos também Getúlio Vargas, com sua ditadura anticomunista, mas extremamente centralizadora. Entre boa parte dos governos militares, também encontramos a mesma característica.

Mas gostaríamos de ilustrar este alerta com um exemplo mais recente. Com todos os respeitos que lhe devemos, o conhecido médico e político Enéas Carneiro (1938-2007), com seu partido PRONA (Partido da Reedificação da Ordem Nacional) e seu famoso slogan “meu nome é Enéas”, pronunciado estridentemente, chamava a atenção até há alguns anos atrás por seus discursos frontalmente antipetistas e anticomunistas e sua verve nacionalista (chegou mesmo a ter por grande projeto a criação da bomba atômica!). Não deixou de fazer denúncias interessantes, e afirmações de alguma coerência. Era, inegavelmente, uma figura de grandes conhecimentos. No entanto, seu comportamento fez dele e de sua experiência política uma lamentável caricatura. O melhor meio de atestar isso é consultar os registros de uma sua entrevista ao programa Roda Viva, por ocasião das eleições de 1994. Vejamos algumas de suas pérolas:

“O PRONA defende um Estado forte, técnico e intervencionista, um Estado que se preocupe realmente com a nação e que não seja propriedade de um grupo reduzido de políticos.”

Enéas infelizmente não explica como evitar que esse “Estado intervencionista” funcione como mera ferramenta de preenchimento dos bolsos desses mesmos políticos, receita que os socialistas que ele combatia não identificaram até o momento – nem, sejamos francos, quiseram identificar.

Referindo-se a Fernando Henrique Cardoso, que todos que têm um pingo de bom senso sabem ser um social-democrata (ainda que de um tipo mais civilizado, tendo sido capaz de privatizações, o que é inerentemente positivo, a despeito de se poder discutir como foram feitas), Enéas se expressa como um típico esquerdista, ao dizer que “é um homem que defende um processo neoliberal que estraçalhou a Argentina”. Bastou ver a palavra “neoliberal”, que serve atualmente para significar qualquer coisa, e já podemos ligar nosso desconfiômetro…

Mais à frente, Enéas consegue dizer-se um defensor da livre iniciativa e da economia de mercado, mas ao mesmo tempo um crítico do “neoliberalismo” e proponente de um Estado “intervencionista”, como já vimos. Faltou mostrar a mais mínima coerência em sua plataforma, onde ele pouco mais fez que usar palavras fortes e tentar conciliar o inconciliável. Mais não diremos; aos interessados a entrevista está disponível na Internet, no site da Memória Roda Viva. Basta acrescentar que Getúlio Vargas e Fidel Castro são elogiados na entrevista – o primeiro, reconhecido por Enéas como um grande estadista “preocupado com a nação”, e o segundo, pasmem, pela sua “personalidade forte” e sua “coragem de enfrentar o monstro”. Que monstro? Ora, os malditos ianques, os porcos neoliberais do Ocidente, os EUA. Acredite se quiser. Com uma direita assim, quem precisará de esquerda?

Procuramos nos expressar com todo respeito à memória do falecido Enéas Carneiro, que reputamos como um homem de bem. Entretanto, o alerta é válido, muito válido. Não nos permitamos associação com certos nacionalismos enviesados (particularmente, sem que eu me oponha, de forma alguma, a um saudável patriotismo) e com retóricas ufanistas que, sob o pretexto de atacarem o socialismo, uma vez que assumem o poder, oferecem aos mesmos socialistas a faca e o queijo para que se deliciem em apontar fracassos. Somos diferentes entre nós, e nada contra isso; mas faremos juntos a verdadeira diferença no contexto nacional, enquanto os méritos e virtudes da ordem liberal forem nossa bandeira comum.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

Um comentário em “Por uma sã direita

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    10/07/2014 em 2:17 pm
    Permalink

    Excelente texto. Comecei a simpatizar com o liberalismo em 2010, depois de ler artigos do IMB e ler A Revolta de Atlas. Na época era díficil encontrar pessoas com que debater, até mesmo nas redes sociais. Hoje, ao ver todo esse movimento crescente, com diversos grupos surgindo em várias partes do país, fico feliz em ter colaborado na distribuição das idéias liberais.
    Sei que ainda há muito trabalho pela frente, que vai ser díficil vencer a guerra cultural contra a doutrinação marxista, mas não há outra saída senão lutar pela liberdade.
    Somos todos liber!

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