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Por que liberais resistem a candidatar-se a cargos eletivos no Brasil?

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Este artigo foi originalmente publicado pelo Instituto de Estudos Empresariais. 

Uma pergunta que constantemente nos fazemos é por que temos tão poucos liberais na política e tantos defensores do Estado. Uma resposta que costumo ouvir é a de que liberais estão mais interessados no funcionamento da economia na iniciativa privada, onde em geral trabalham, ao passo que quem defende um Estado maior costuma ter mais interesse pelas atividades públicas – portanto, está também mais presente na política.  Parodiando o economista, escritor e político liberal francês Frédéric Bastiat, isso é o que se vê. O que não se vê é como o establishment encontra formas de privilegiar a perpetuação de quem já está na atividade política.

Neste breve artigo, tratarei das dificuldades que liberais encontram para se candidatarem no Brasil, especialmente nos municípios, abordando um aspecto que é de amplo desconhecimento do público em geral e que vai além da impossibilidade do lançamento de candidaturas independentes (sem partido) no nosso país: as severas restrições impostas há mais de meio século pela nossa legislação, reforçadas também pela atual Constituição, para a criação de partidos políticos[1].

*

O liberal, por sua própria essência, é cético em relação ao Estado: enxerga na burocracia estatal a priorização de interesses próprios da máquina pública, inchando-se natural e constantemente, enquanto as tarefas públicas que lhe deram origem – em particular, para um liberal, as defesas da vida, da propriedade e da liberdade – são relegadas a segundo plano. Para alterar esse quadro, liberais sabem que a pressão sobre seus representantes políticos é um importante caminho a seguir.  “Tornar politicamente vantajoso até mesmo para as pessoas erradas fazerem a coisa certa”, como diria Milton Friedman ao referir-se ao que seria a arte da política[2], é, porém, altamente custoso para quem está do lado de fora, usando do seu escasso tempo livre para fazer política, enquanto corporações e sindicalistas fazem, em tempo integral, lobby em favor de seus privilégios.

Apesar do ceticismo e crítica dos liberais em relação ao Estado, não há outra saída: para desinchá-lo e devolver-lhe a priorização dos temas que lhe competem e eliminar aquilo que não lhe diz respeito (o que significa, também, combater aqueles que se locupletam do Estado), o liberalismo precisa estar muito mais presente na política. Liberais precisam participar ativamente da política, não só como eleitores, mas também como candidatos.

Participar da política eleitoral no Brasil significa, necessariamente, participar da política partidária, pois não é admitida no país nenhuma candidatura a cargo eletivo que não seja a de filiados a partidos políticos. Este é o primeiro obstáculo institucional à efetiva participação política de liberais no Brasil. Em um país no qual quase 70% da população rejeita os atuais partidos políticos[3], é preciso que o cidadão esteja filiado a um desses partidos políticos existentes e amplamente rejeitados para que possa concorrer em eleições. Candidaturas independentes ou avulsas tampouco são aceitas.

Há 147 milhões de cidadãos aptos a votar no Brasil, ao passo que os filiados a partidos políticos são apenas 16 milhões. Ou seja, 16 milhões de brasileiros podem exercer tanto o direito de votar como o de serem votados, ao passo que a 131 milhões de brasileiros só lhes é assistido o direito de escolher quem os representará, não o de serem escolhidos como representantes – a menos que, a até seis meses do pleito, o interessado decida-se por filiar-se a um partido político, passe em convenção partidária e registre candidatura no Tribunal Regional Eleitoral local. Portanto, dada a péssima reputação de que a média dos partidos políticos goza no Brasil, não causa surpresa que pessoas decentes, liberais ou não, pensem várias vezes antes de tomar a decisão de entrar na política e efetivamente serem candidatas, posto que se exige, para isso, filiação partidária.

Partidos políticos, porém, não devem ser vistos necessariamente como um problema. Pelo contrário. Sou plenamente favorável a candidaturas independentes ou avulsas, mas é necessário ressaltar que, em todas as democracias representativas consolidadas, é por meio de partidos que a política é organizada. A questão a ser enfrentada aqui é como funciona determinado sistema partidário nacional e qual o grau de liberdade de que o cidadão comum dispõe para criar novas alternativas se estiver insatisfeito com as opções presentes no seu município, região ou país.

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Edmund Burke, em meados do século XVIII, defendia que partidos existem para reunir pessoas que têm ideias em comum e cujo objetivo é a defesa do interesse nacional. Já Joseph Schumpeter, dois séculos mais tarde, diria que a intenção de políticos ao se reunirem em partidos é acima de tudo a busca do poder pelo poder. Atualmente a ciência política categoriza os partidos políticos modernos baseando-se na evolução dos sistemas multipartidários de diversos países europeus, o que não impede que essa mesma tipologia seja também aplicada em outros países fora da Europa.

Em ordem cronológica[4], inicialmente surgiram os partidos de quadros (de notáveis, de aristocratas, compostos pelas elites); depois, a partir de meados do século XIX e principalmente no início do século XX, surgiram os partidos de massas (de clivagens sociais ou de operários, por exemplo); os partidos catch-all foram os próximos a emergir, consequência do enfraquecimento das clivagens sociais e apresentando menor consistência ideológica, tendo por finalidade a obtenção de votos de eleitorados cada vez mais heterogêneos; seguiram-se, nas últimas décadas do século XX, os partidos-cartel, cuja sobrevivência depende de financiamento pelo Estado e do acesso de seus  membros a benesses públicas; como contraposição aos partidos-cartel, despontaram os partidos anticartel, de movimentos da sociedade civil e que se organizam em torno de ideias. Mais recentemente observamos o surgimento dos partidos antiestablishment, que agrupam quem questiona o sistema como um todo. Apesar de surgidos em períodos diferentes, os diferentes tipos de partidos políticos costumam conviver entre si. Além disso, um mesmo partido pode, com o passar dos anos, mudar de tipologia ou mesmo ter características de duas ou mais tipologias concomitantemente.

Traçando um paralelo com a história da evolução dos partidos políticos no Brasil, muito menos linear do que a europeia e marcada pelos solavancos institucionais decorrentes de períodos autoritários, poderíamos sugerir que por aqui houve uma estagnação histórica na fase dos partidos-cartel e que está a perdurar até hoje[5]. A maior parte dos partidos políticos no Brasil é um misto de partido catch-all com partido-cartel: não têm necessariamente um público eleitoral bem definido, que pode variar tanto de eleição para eleição quanto, principalmente, de região para região do país, e sobrevivem do acesso a recursos públicos, direta ou indiretamente.

Partidos políticos no Brasil, ademais, costumam formar entre si um oligopólio, dificultando enormemente a chegada de novos entrantes no sistema partidário. Tal bloqueio se dá essencialmente dificultando ao máximo a criação de novos partidos políticos basicamente por duas vias que se complementam: a exigência de coleta de centenas de milhares de assinaturas de eleitores brasileiros, com percentuais mínimos colhidos em no mínimo nove estados brasileiros, tudo isso no prazo de dois anos, para aprovação e registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)[6] de um novo partido político; e a obrigatoriedade constitucional de que os partidos políticos possuam “caráter nacional”[7].

De um lado, obriga-se o cidadão que queira candidatar-se a qualquer cargo eletivo (inclusive de vereador em um município pequeno), mas que não deseja se vincular a um partido já existente, a desempenhar a desumana e caríssima tarefa de colher mais de meio milhão de assinaturas país afora em exíguo prazo para criar sua própria alternativa partidária. De outro, se a tarefa for superada após até dois anos de duro trabalho[8], obriga-se o partido a ter caráter nacional, com toda a burocracia top-down inerente a tal condição. Contra todos os pressupostos de uma federação, incluindo o princípio básico da subsidiariedade, no Brasil um partido político cria antes um diretório nacional para depois criar seus diretórios estaduais e municipais. Não é pois por acaso que a maior parte dos partidos políticos criados nos últimos anos tenha sido viabilizada com muito dinheiro e uso da máquina pública ou sindical por políticos tradicionais que encabeçaram cada iniciativa.

Uma vez logrado o registro partidário no TSE, os novéis caciques partidários  contam com o acesso mensal garantido ao fundo partidário de dinheiro público (mais de R$ 959 milhões apenas em 2020, distribuídos proporcionalmente entre todos os partidos registrados no TSE)[9], o que torna a contribuição financeira dos seus filiados desnecessária, e suas opiniões, quase sempre, irrelevantes. Trata-se de uma grande hipocrisia: todo o esforço pela busca das cerca de 500 mil assinaturas país afora revela-se puramente cartorial, a satisfação de uma mera exigência burocrática imposta pelo establishment, pois, no dia seguinte à homologação do registro partidário, quem detém o poder absoluto sobre o partido e seu financiamento é tão somente seu dirigente nacional. Ou em muitos casos, seu dono.

A limitação legal à existência de partidos locais ou regionais existe desde o fim da ditadura de Getúlio Vargas e perdura até hoje. A intenção do ditador com a nacionalização obrigatória dos partidos políticos ao assinar o Decreto-lei 7.586 nos estertores do Estado Novo, em 1945, era dominar com mão de ferro os partidos por ele mesmo criados e controlar o sistema partidário mesmo fora do poder. Sua estratégia foi tão bem-sucedida que Vargas retornou à presidência da República eleito pelo voto, em 1950.

Que a decisão de nacionalizar os partidos políticos fosse tomada por um ditador de um Estado unitário não é de surpreender; já que siga vigente até hoje, em uma federação, e que tenha sido inclusive plasmada na Constituição de 1988, é de uma incoerência absurda. Torna-se mais fácil compreender tal contradição a partir da explicação proposta aqui de que os partidos políticos hoje estabelecidos preferem manter as portas fechadas à concorrência – e, claro, seguir a mesma lógica de Vargas da dominação do poder com mão de ferro, porém, agora, por meio de um oligopólio com algumas dezenas de mãos de ferro controlando o sistema partidário brasileiro.

Quais são as consequências práticas dessa legislação brasileira? De um lado, observamos a concentração de poder nas mãos de caciques que decidem a portas fechadas os rumos de suas legendas, mantidas anualmente com bilhões de reais do dinheiro dos impostos dos brasileiros, e a cartelização do sistema partidário por meio de enormes barreiras para novos entrantes. De outro lado, evidencia-se o cansaço da população, que reputa os partidos políticos como os menos merecedores de sua credibilidade dentre todas as instituições, e a consequente falência dos partidos tradicionais também em termos eleitorais.

Todos os maiores partidos brasileiros perderam cadeiras na Câmara dos Deputados nas eleições de 2018 quando comparamos com 2014: o MDB perdeu 48% das cadeiras que detinha (decaiu de 66 deputados para 34); o PSDB, 46% (de 54 passou para 29 parlamentares); o PT, 19% (de 69 para 56); e o PTB, justamente um dos partidos criados por Getúlio Vargas, perdeu incríveis 60% dos seus deputados (passou de 25 para apenas 10). A própria eleição à presidência da República de Jair Bolsonaro em 2018, um candidato então filiado a um partido pequeno, com pouco tempo de TV e sem utilizar milhões de reais do dinheiro público na campanha, foi também consequência desse cansaço popular com o establishment partidário brasileiro.

Essa desidratação dos partidos tradicionais nas eleições gerais acende também o alerta para a participação política no nível local. Se o cidadão está gradativamente perdendo interesse em votar em candidatos a deputado federal e a presidente da República de partidos tradicionais, o que dizer do seu interesse em filiar-se a um desses partidos e concorrer a vereador no seu município?

Tenho percebido que o postulante a candidato a vereador municipal, vencida a etapa de rendição à realidade de que não há outra alternativa senão filiar-se a um dos partidos já existentes no seu município se decidir que será candidato, com frequência acaba optando por uma dessas legendas por motivos que passam longe da identificação com seu programa partidário ou simpatia pelas suas lideranças nacionais – isso quando as conhece. No fundo, o candidato cumpre com sua filiação apenas mais uma etapa cartorial para ter acesso ao pleito, nada além disso.

Para aqueles que são liberais, houve, em alguns municípios do Brasil, tanto em 2016 como em 2020, a possibilidade de filiar-se ao partido Novo para concorrer nas eleições locais[10]. Contudo, o alcance do partido ainda é modesto: dentre outros motivos, justamente para evitar a perda de controle do processo de expansão partidário às avessas (do âmbito federal para o estadual e municipal), em 2020 a direção nacional do partido Novo abriu a oportunidade para candidaturas de filiados em apenas 46 dos 5.570 municípios brasileiros. Ou seja: em 99,2% dos municípios brasileiros, liberais que pretendiam concorrer a vereador precisaram decidir por se filiar a um dos demais partidos políticos existentes nos seus municípios. Alguns, de fato, deram esse passo e concorreram por outras legendas. Mas quantos nem sequer consideraram tal hipótese por receio de se verem vinculados a programas partidários ou confundidos com lideranças locais, regionais ou nacionais que não os representam?

Este é a meu ver o maior desafio para a participação de mais liberais na política brasileira em geral e municipal em particular: a falta de alternativa partidária liberal em inúmeros municípios, agravada pela impossibilidade de criação de partidos locais ou regionais ou de lançamento de candidaturas independentes. Também no âmbito estadual e nacional essas limitações legais geram ineficiências. Em vários estados, por exemplo, o partido Novo decidiu não lançar nenhuma candidatura em 2018, nas eleições gerais, e, onde lançou, nem sempre apresentou concorrentes para todos os cargos em disputa[11]. Nesses casos, muitos liberais que pretendiam concorrer tiveram de optar por filiar-se a outros partidos ou simplesmente desistiram da empreitada.

Contrariando o senso comum que afirma haver muitos partidos políticos no Brasil, não há. O que há é um número grande de legendas em Brasília que se ocupam com frequência de saquear governos, disputar fatias do fundo partidário e buscar o poder pelo poder[12]. Nos estados e nos municípios em geral, o que há são franquias dessas mesmas legendas que são por sua vez dominadas por elites locais mais ou menos independentes das direções partidárias de Brasília e que, também com frequência, se ocupam localmente de fazer o mesmo que é feito em Brasília: saquear governos, disputar fatias do fundo partidário e buscar o poder pelo poder.

Um partido político verdadeiramente orgânico deve nascer do seio da sociedade, pequeno, para com o tempo crescer em número de filiados e representantes eleitos. Para que isso seja possível, é preciso eliminar a exigência constitucional de caráter nacional dos partidos políticos no Brasil e reduzir drasticamente o número mínimo exigido de assinaturas de eleitores para a criação de um novo partido. O exemplo internacional é claro: a criação de partidos políticos na Europa, por exemplo, é muito facilitada em praticamente todos os países (veja na tabela Europa, ao final do artigo). Em contraste extremo com o Brasil, em alguns países não se exige uma única assinatura de apoio sequer a fim de que um partido possa ser registrado e lançar seus candidatos para participar de eleições democráticas.

Já na América Latina, porém, a história infelizmente ainda é outra (veja na tabela América Latina, ao final do artigo). Apesar de Argentina, Equador, México e Peru, por exemplo, permitirem a existência de partidos locais ou regionais, grande parte dos países da América Latina segue a mesma regra brasileira que exige caráter nacional dos seus partidos políticos. Também o número de assinaturas exigidas para a criação de partidos políticos nesses países é em geral bastante alto, reforçando o ambiente burocrático do nosso continente e a tendência à oligopolização e impermeabilidade dos sistemas partidários nacionais. Enquanto Uruguai e Paraguai têm exigências similares às brasileiras, Bolívia e Honduras requerem espantosas quatro vezes mais assinaturas em proporção aos seus eleitorados quando comparados ao eleitorado brasileiro. A liberdade política tem ainda um longo caminho pela frente para ser plenamente alcançada, não apenas aos brasileiros, mas também a milhões de cidadãos que vivem em democracias na América Latina e mundo afora.

Partidos, na verdade, são como qualquer associação privada de indivíduos com interesses em comum na arena pública, ou pelo menos assim deveriam ser vistos. Faz sentido exigir que uma ONG ou uma associação de bairro, por exemplo, comprovem antes que possuem centenas de milhares de apoiadores ou caráter nacional para que possam começar a operar? A breve discussão proposta neste artigo nos leva à conclusão de que, por mais que candidaturas independentes sejam plenamente defensáveis e importantes para quem não se sente representado pelos partidos constituídos, a flexibilização na criação de partidos políticos torna-as praticamente desnecessárias.

Um candidato a qualquer cargo eletivo depende, para sua eleição, de um grupo de pessoas que o apoiem. No entanto, como ex-filiado a partido político tradicional pelo qual concorreu e foi eleito vereador em cidade pequena, eu percebia, no meu dia a dia, como era difícil atrair mais lideranças locais para a política partidária. Pessoas com forte vocação para a liderança e para a política tinham uma visão tão negativa sobre o partido em âmbito nacional que declinavam do convite para filiação como quem quisesse evitar manchar a própria biografia. Para ser justo, essa postura do cidadão em relação à filiação vale para praticamente qualquer partido político. Quando a pessoa não possui uma visão negativa de determinado partido, é provável que ainda não tenha ouvido falar nada a respeito da legenda em questão… Multiplique-se essa realidade por mais de 5 mil municípios do Brasil e chega-se à dimensão do desperdício de lideranças existentes na sociedade brasileira que já poderiam estar participando ativamente da política, mas que não se sentem incentivadas ou motivadas pelas características do nosso sistema partidário.

Muito se discute sobre reforma política e, de fato, nosso sistema eleitoral e de governo pode e deve ser bastante aprimorado. Contudo, por mais importante que seja a defesa do parlamentarismo e do voto distrital – temas que, por exemplo, contam com meu apoio também –, considero mais urgente que mais cidadãos, pessoas que não estão ativas na política ainda, sintam-se à vontade para participar da política do que alterar a forma como os atuais políticos se elegem e governam. Defendo que nenhuma reforma política surtirá mais rapidamente efeitos positivos para a renovação e qualificação dos quadros políticos brasileiros do que uma reforma do sistema partidário que dê pleno acesso à política a milhões de brasileiros hoje marginalizados do processo eleitoral.

É necessário que sejam quebrados de forma decisiva a cartelização e o oligopólio partidários existentes no Brasil, garantindo liberdade para a criação de partidos e candidaturas independentes. Como deputado federal liberal, atuo em Brasília para aprovar propostas nessa direção a fim de que seja possível um novo florescimento político brasileiro. Um número muito maior de pessoas qualificadas e vocacionadas para a liderança, incluindo-se aí muitos liberais, deixará de demonstrar resistência a participar de eleições e, portanto, da política na prática.

Apesar das dificuldades que são impostas pelo sistema partidário atual à renovação política apresentadas neste artigo, para mudá-lo é necessária justamente uma presença maior de liberais na política – nesse caso, na Câmara dos Deputados em particular, uma vez que as mudanças que aqui proponho dependem de alterações na lei federal e na Constituição. Se hoje ainda é difícil quebrar a cartelização e o oligopólio dos partidos políticos existentes no Brasil, é a presença cada vez maior de liberais em Brasília que me faz ter a convicção de que, em breve, as mudanças que defendo na Lei de Partidos Políticos e na nossa Constituição serão realizadas, garantindo mais liberdade política aos cidadãos brasileiros.

REQUISITOS PARA REGISTRO DE PARTIDO POLÍTICO NA EUROPA (PAÍSES SELECIONADOS)

País Documentos necessários Assinaturas/membros necessários Responsável pelo registro
Bélgica Nenhum Nenhum Nenhuma
Alemanha Estatuto, programa, composição da executiva e prova de atividade em território alemão Nenhum Nenhuma
Espanha Estatuto e identificação dos fundadores Nenhum Registro no Ministério do Interior
França Nenhum Nenhum Nenhuma
Itália Entrega do logo e nome do partido A quantidade de assinaturas

varia conforme o distrito

Ministério do Interior
Holanda Registro em um cartório Nenhum Comissão eleitoral central
Áustria Estatuto Nenhum Ministério Federal do Interior
Portugal Estatuto e lista de fundadores 5.000 cidadãos com 18 anos ou mais Suprema Corte de Justiça
Suécia Nenhum 1.500 eleitores Autoridade Eleitoral Central
Reino Unido Formulário com nome, endereço e líder Nenhum Registro de Partidos Políticos

 

REQUISITOS PARA REGISTRO DE PARTIDO POLÍTICO NA AMÉRICA LATINA (PAÍSES SELECIONADOS)

País Quantidade de apoio N do apoio/filiação Necessidade apoio de filiados/simpatizantes Existência de partidos locais/regionais
Argentina 4% Total de eleitores registrados no distrito Sim Sim
Bolívia 2% Total de votos para a Presidência da República Sim Não
Brasil 0,50% Total de votos da eleição para a Câmara dos Deputados Sim Não
Chile 0,50% Total de votos da eleição para a Câmara dos Deputados Sim Não
Colômbia 50.000 Total de eleitores registrados Sim Não
Costa Rica 3.000 Total de eleitores registrados Não Não
Equador 1,50% Total de eleitores registrados no distrito Sim Sim
Guatemala 0,30% Total de eleitores registrados Sim Não
Honduras 2% Total de eleitores registrados Sim Não
México 3.000 Total de eleitores registrados no distrito Sim Sim
Paraguai 0,50% Total de votos da eleição para o Senado Federal Sim Não
Peru 3% Total de eleitores registrados no distrito Sim Sim
Rep. Dominicana 2% Total de votos nas eleições gerais Não Não
Uruguai 0,50% Total de eleitores registrados Sim Não
Venezuela 0,50% Total de eleitores registrados no distrito Sim Sim

[1] Este artigo aprofunda a defesa que fiz em audiência pública, promovida pelo Supremo Tribunal Federal em 9 de dezembro de 2019 e presidida pelo ministro Luís Roberto Barroso, para debater candidaturas independentes. Representei na ocasião o Partido Novo e agreguei, então, à defesa das candidaturas independentes, a defesa de maior liberdade política ao cidadão por meio de menor burocracia para a criação e o fim do caráter nacional de partidos políticos no Brasil. A sustentação que fiz no STF está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KanqgwsMwEM.

[2] FRIEDMAN, Milton. The Economy and You: What Lies Ahead. Stanford Magazine, Fall/Winter, 1977.

[3] Instituto Datafolha. Grau de Confiança nas Instituições. Pesquisa realizada entre 6 e 7 de junho de 2018 com 2.824 brasileiros em 174 municípios e margem de erro estimada em 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

[4] Katz, Richard. Political Parties. In: Caramani, Daniele. Comparative Politics (2nd ed.). Oxford University Press, 2011.

[5] Podem ser ressalvadas exceções como a do Partido Novo, que surge justamente como uma espécie de partido anticartel liberal, que rejeita a utilização do fundo partidário, por exemplo, e questiona práticas vistas como tradicionais e até naturais do patrimonialismo e clientelismo político brasileiros.

[6] A Lei 9096/1995 diz, especificamente sobre a criação de partidos políticos, o que segue:

Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.
§ 1o  Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.

  • 2º Só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos fixados nesta Lei.
  • 3º Somente o registro do estatuto do partido no Tribunal Superior Eleitoral assegura a exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que venham a induzir a erro ou confusão.

[7] Apesar de dizer que “é livre” a criação de partidos políticos no Brasil em seu artigo 17, nossa Constituição limita fortemente esta liberdade já no primeiro inciso deste mesmo artigo, vinculando a atividade partidária necessariamente ao preceituar “caráter nacional” às agremiações partidárias.

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I – caráter nacional;

[8] O partido Novo levou mais de quatro anos para colher as assinaturas necessárias para ter seu registro deferido, em setembro de 2015 – à época ainda não havia prazo definido para tal empreitada. Já o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em quinze meses de intensa campanha para criar seu próprio partido, Aliança pelo Brasil, obteve apenas 53 mil assinaturas até o mês de janeiro de 2021 – ou 11% do total necessário. É importante ressaltar, ainda, que houve outra mudança na legislação em 2015 que tornou a tarefa de colher assinaturas ainda mais difícil: a partir de então, somente podem apoiar a criação de novos partidos quem ainda não estiver filiado a outro partidos já existente.

[9] Além do Fundo Partidário, criado para a manutenção de partidos políticos e que é utilizado por todos os partidos brasileiros exceto o Novo, com a proibição do financiamento privado de empresas por julgamento do Supremo Tribunal Federal foi criado em 2015 o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), ou “Fundão Eleitoral”. Em ano eleitoral há uma dotação orçamentária específica para esse fundo. Em 2020 o valor total foi de R$ 2.034.954.823,96. Apenas Novo e PRTB optaram por não utilizar os recursos que lhes cabiam, devolvendo os valores ao Tesouro da União.

[10] Não significa que não houve  nessas mesmas cidades onde o Novo teve candidatos, liberais concorrendo por outros partidos cujos programas não são inteiramente liberais – ou até mesmo não são nada liberais. Felizmente, houve também. Como bem diz o deputado estadual de Santa Catarina Bruno Souza, hoje no Novo, mas eleito em 2018 pelo PSB, “melhor um liberal num partido socialista do que um socialista em qualquer outro partido”.

[11] Em tempo: não é porque estou filiado ao partido Novo que o considero como o único meio possível para a eleição de liberais; porém, é hoje forçoso admitir que se trata do único partido de programa de fato liberal na política brasileira. Como não defendo a livre concorrência apenas para os outros, entendo que o próprio Novo se beneficiaria da concorrência sadia com outras alternativas partidárias liberais, hoje inexistentes, por questão de princípio, defendo que todos os partidos novos deveriam ter sua criação facilitada.

[12] Para reduzir o grande número de legendas em Brasília, foi criada uma cláusula de desempenho que proponho substituir por ou combinar com uma cláusula de barreira aos moldes da existente na Alemanha: se o partido não obtiver um determinado percentual de votos nacionalmente (na Alemanha, 5%), ele perde o direito à representação na Câmara dos Deputados.

[13] Fonte: Pilet J.-B., van Haute E. (2012), ‘Criteria, conditions, and procedures for establishing a political party in the Member States of the European Union’, Report to the European Parliament, Policy Department C, 2012 (PE 431.512).

[14] Fonte: MAYER, Rodrigo. Padrões de organizações partidárias: 42 partidos políticos latino-americanos em perspectiva comparada. 2017. Tese (Doutorado em Ciência Política PPGCP-UFRGS).

 

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Marcel van Hattem

Marcel van Hattem

É Mestre em Ciência Política (M.Sc., Universidade de Leiden) e em Jornalismo, Mídia e Globalização (M.A., Universidades de Aarhus e Amsterdã), além de deputado federal (NOVO-RS).

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