Por que devemos ser contra a justiça social
Falando a mesma “língua”
É um entendimento evidente que a condição essencial para qualquer diálogo é a compreensão do que está sendo dito. As partes devem saber ouvir e se expressar, não apenas quanto à forma, mas também — e principalmente — quanto aos conceitos dos termos envolvidos na comunicação.
Porém, se a “imprecisão conceitual” não passa de uma dificuldade a ser contornada pelas partes que estão interessadas em manter o canal de diálogo aberto, ela se torna um obstáculo quase instransponível entre bolhas cada vez mais afastadas uma das outras.
Um exemplo clássico é o conceito de liberdade. Como podem um liberal clássico e um marxista terem um debate intelectualmente honesto se ambos se autointitulam defensores da “verdadeira liberdade”? Enquanto um entende a liberdade como direito natural do indivíduo respaldado no uso de sua propriedade privada, o outro questiona o exercício da liberdade sem a existência de uma rede de proteção social.
Outro conceito sobre o qual deveríamos partir das mesmas premissas é o da justiça. Ninguém se diz um defensor de injustiças, porém, pessoas que se encontram em lados opostos do espectro político possuem ideias bem distintas do que é justo.
É justo um deficiente físico disputar vagas de emprego em pé de igualdade com outros candidatos sem deficiência alguma? Segundo F. A. Hayek, “a natureza não pode ser justa nem injusta”. A não ser que culpemos Deus, não faz sentido descrever como injustiça o fato de uma pessoa nascer com uma deficiência ou mesmo adoecer na véspera de uma prova de seleção.
Se, por outro lado, consideramos injustas todas as desigualdades naturais que existem no mundo, estaremos inclinados a aceitar que alguém intervenha de forma a garantir um resultado mais “justo”. E aqui mora o perigo, pois justiça não se trata de resultados, mas de processos.
Os riscos da justiça social
Thomas Sowell, em seu livro A Busca da Justiça Cósmica, critica aqueles que clamam por justiça social sem explicarem o que isso significa. Para Sowell, “toda justiça é inerentemente social”, pois uma pessoa não pode ser justa ou injusta numa ilha deserta. Devemos tomar cuidado com quem diz buscar a justiça social, pois o objetivo deve ser outro que não a justiça “tradicional”.
Justiça não pode ser a qualquer preço. Se injustiça pode ser definida como a imposição arbitrária de um custo a um inocente, Sowell questiona: “E se a correção dessa injustiça impuser outro custo arbitrário a outra pessoa inocente, não seria isso também uma injustiça?”.
Devemos reconhecer que a maioria das pessoas decentes — sejam de “direita” ou “esquerda” — creem que desigualdades trazem dor e sofrimento. O que as diferencia é o grau de importância que dão à liberdade e à igualdade.
“Uma sociedade que coloca a igualdade — no sentido de igualdade de renda — acima da liberdade acabará sem igualdade e sem liberdade. O uso da força para alcançar a igualdade destruirá a liberdade, e a força, introduzida com bons propósitos, acabará nas mãos de pessoas que a utilizam para promover seus próprios interesses”, dizia Milton Friedman.
Em busca de uma justiça social, os defensores da igualdade de resultados — em detrimento de um processo anterior e impessoal — acabam por criar uma desigualdade de poder político, essa muito mais nociva à sociedade, pois é capaz de dividi-la em beneficiários e vítimas.
Já aqueles que compreendem que indivíduos respondem a incentivos sabem que os processos devem ser respeitados. Isso não significa insensibilidade para com os desafortunados, tampouco uma inação diante das desigualdades no mundo, pelo contrário. O desenvolvimento econômico foi — e ainda é — a melhor forma de combater desigualdades, mais do que qualquer política de combate à pobreza.
Mas o justiceiros sociais têm pressa. Querem aplicar sua visão de mundo a despeito de sacrifícios dos “privilegiados” e da desagregação de toda a sociedade. Certos de sua superioridade moral, não são capazes sequer de aceitar o contraditório. Para eles, quem defende o respeito a leis e tradições estabelecidas é preconceituoso, elitista ou imoral.
Conclusão
Thomas Sowell alerta que uma visão dominante tem a vantagem de ser absorvida de forma inconsciente pela sociedade. “As pessoas em geral não têm tempo nem inclinação para investigar teorias e evidências”. Isso explica o esforço dos justiceiros sociais em impregnar seus conceitos a todo instante, na mídia, na academia, nas escolas, nos sindicatos. Dessa forma, ideais radicais tornam-se moderados, aceitáveis e, até, majoritários.
Ao fim e ao cabo, a justiça social serve ao propósito de concentração de poder. E não importa se o governante acredita nessa visão de mundo dogmática ou se a utiliza por conveniência política. Desde que haja pessoas suficientes que acredite, ele aceitará de bom grado o poder de dividir a sociedade em benefício próprio.