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Tragédia em Porto Alegre: mea culpa

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Sejamos sinceros, o porto-alegrense nunca gostou do Muro da Mauá, que não está lá para proteger os armazéns do cais do porto do roubo de cargas, nem para servir de galeria para os grafites coloridos, alguns de gosto duvidoso, muito menos para suportar uma elevada, projetada para ligar, vejam só, a av. Castelo Branco à av. João Goulart.

A vontade política do morador da capital, principalmente da elite influente, artistas, jornalistas, boêmios, a turma do jet-set, políticos e, principalmente, arquitetos, urbanistas e engenheiros, sempre foi de desobstruir os caminhos que nos levam ao convívio com nosso querido rio Guaíba.

Para a maioria desse povo, o Muro da Mauá não deveria existir, o cais e a orla urbanizada não deveriam existir, o Pontal não deveria existir. Esse pessoal gosta mesmo é de viver contemplando o estado de natureza, sofismando em favor de um niilismo miserável, com a retórica hipócrita, anticapitalista, desumana e antivida que os caracteriza.

Abraçar o rio, beber uma cerveja, tomar um chimarrão, aplaudir o pôr-do-sol. No máximo, frequentar o Cais Embarcadero, sonho de consumo de todo porto-alegrense que inveja Puerto Madero.

Entre 1970 e 1974, depois de estudos feitos por especialistas europeus, em decorrência da segunda enchente da cidade, ocorrida em 1967, a primeira foi a de 1941, a prefeitura, em conjunto com o governo federal, resolveu construir um complexo sistema que combinava diques, muro, comportas e estações de bombeamento para proteger a capital gaúcha das inundações.

O projeto, com base em estudos hidrológicos, climáticos, estatísticos, probabilísticos e econômicos, considerou que uma barreira com dezenas de quilômetros de extensão e 6 metros de altura seria suficiente para impedir que as águas do Guaíba e de outros rios que banham a região metropolitana extravasassem.

O muro e tudo o mais que impermeabilizaria a cidade nos seus pontos vulneráveis saiu do papel e se tornou realidade, o que era necessário, mas não suficiente. Manter o sistema operativo e eficaz era imprescindível, senão todo o investimento seria em vão.

Cercar a orla para evitar enchentes é o mesmo que cercar nossas casas e prédios para dificultar que bandidos invadam. Ninguém acha que as cercas ou os muros enfeitam as edificações da cidade. São obstáculos contra a bandidagem que estão lá por pura necessidade.

Ninguém tira esses monumentos que representam um país sem lei, sem justiça e sem respeito aos direitos individuais, mesmo que nunca tenham sofrido uma invasão. Na dúvida, deixam a cerca lá e cuidam com medo e devoção.

Se aumentar a criminalidade, investem em cercas elétricas, contratam vigilância constante ou se mudam para outra região mais segura.

O cercamento da cidade tem o mesmo propósito: evitar que invasões inesperadas, inoportunas, indesejadas das águas do Guaíba ceifem vidas, tolham liberdades e destruam patrimônios.

Por que, então, os porto-alegrenses conseguem conviver bem com as cercas de proteção que constroem voluntariamente, mas não conseguem conviver bem com o Muro, que muitos chegam a chamar de muro da vergonha?

Acabar com as cercas e muros que protegem as propriedades privadas é possível. Basta acabar com a mentalidade de que bandidos são vítimas da sociedade, doutrina apoiada pelos que defendem assistencialismo, igualitarismo, ambientalismo, identitarismo, ideologias psicóticas. Basta restabelecer princípios como aplicar a justiça, tratando cada um como merece, devolvendo paz à sociedade, através da lei e da ordem.

Acabar com o Muro da Mauá e todo aparato construído por nossos antepassados há cerca de 50 anos é um suicídio. Assim como não podemos argumentar com bandidos armados que nos ameaçam em nossos jardins, mais difícil ainda é argumentar com um rio, dublê de lago e estuário.

Se os políticos responsáveis pela proteção da cidade nunca se preocuparam com a relevância necessária para manter a eficácia do sistema de contenção de cheias da nossa cidade, isso se deve à falta de consciência e vontade política da própria população, da qual esses políticos fazem parte. De um lado, sempre existiu a pressão dos que queriam colocar o Muro abaixo. De outro, a falta de veemência dos que, com razão e objetividade, se posicionavam contra tal derrubada, pois tinham o conhecimento de que, se isso fosse feito, viveríamos uma tragédia.

Pois bem, a tragédia veio. A culpa não é do rio, não é do Muro, não é da comporta 14 nem das casas de bomba. A culpa não é do prefeito a, b ou c. A culpa é de todos, inclusive nossa, por sermos um povo místico, doutrinado para se evadir da realidade. Damos primazia à consciência, às narrativas, em detrimento dos fatos, duvidando dos próprios olhos que nos fazem perceber o que existe de concreto.

O sistema construído para evitar o sinistro, cujas consequências estamos vivendo, é uma espécie de apólice de seguro contra enchentes, cujo prêmio esquecemos de pagar, fazendo-nos perder a indenização e o que estava segurado.

Chegou a hora da desilusão, de darmos primazia à realidade, de levarmos a sério desafios existenciais, superando-os usando a razão, a lógica, para elaborarmos ideias derivadas de integrações conceituais válidas para nortearem nossas ações necessárias.

Precisamos refletir sobre a tragédia num exercício de introspecção até admitirmos: mea culpa, mea culpa, mea culpa. Sem essa confissão, continuaremos submetidos às forças da natureza sem podermos controlá-las. Os que têm consciência e bom senso não podem se submeter à irracionalidade.

Como dizia o velho filósofo e cientista Francis Bacon, para comandar a natureza, é preciso obedecê-la. Obedecer a natureza significa conhecer as leis que a regem. Comandar a natureza significa usar a razão para criar o que permitirá controlá-la com a racionalidade e a engenhosidade que caracteriza o ser humano heroico.

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Roberto Rachewsky

Roberto Rachewsky

Empresário e articulista.

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