Thoreau, desobediência civil e Martin Luther King Jr.
Martin Luther King Jr. é reconhecidamente uma das figuras mais inspiradoras da história. A figura do pastor afro-americano que lutou pelos direitos dos negros em uma época que os Estados Unidos ainda aplicavam leis de segregação racial é até hoje muito mais lembrada, reverenciada e efetiva que de seu contemporâneo Malcolm X.
Enquanto Malcolm X lutava por meios violentos e revolucionários com quase nenhuma vitória e apenas colhia sentimentos revanchistas, por sua visão cristã, Luther King evitava se engajar em conflitos e radicalismos; porém, mais relevante que isso é de onde nasceu a influência que levou Luther King a fundar suas passeatas, greves e boicotes que ajudaram a derrubar a maioria das leis segregacionistas de seu tempo, na Guerra Mexicano-Americana.
A Guerra Mexicano-Americana foi um conflito entre os Estados Unidos e o México na década de 1840 que foi responsável por definir grande parte do território atual dos EUA; porém, na época, o conflito atingiu altos graus de impopularidade devido à distância e a belicosidade causada pelas doutrinas do Destino Manifesto.
Nesse contexto, Henry David Thoreau, crítico severo dessa guerra, e baseado em ideais de liberdade, propôs atitudes que mudariam para sempre o entendimento da relação dos indivíduos com o estado, conformando o princípio de desobediência civil.
Thoreau julgava que o governo americano, ao gastar milhares de dólares de impostos em uma guerra contra uma nação vizinha por territórios largamente desabitados e longe dos EUA, dos quais grande parte da população sequer aprovava o empreendimento, seria uma péssima ação do estado que feria gravemente os princípios liberais nos quais os EUA foram fundados.
Thoreau argumentava que a guerra só servia a interesses de proprietários escravistas, e por isso ela não deveria ser apoiada de forma alguma por ninguém, uma vez que a escravidão era uma forma degradante de exploração do trabalho humano e da liberdade de várias pessoas.
Nesse contexto, um engajamento conflitivo para tentar debandar outro soaria como uma tremenda hipocrisia por parte dos descontentes com a guerra, e por isso uma solução sem violência seria requisitada para atrair a atenção contra a guerra. Foi nesse momento que Thoreau mirou justamente aquilo que sustentava a existência da guerra: os impostos.
Thoreau não mirava uma solução anarquista e nem mesmo advogava pelo fim total dos impostos, porém notou que o que mantinha a guerra a todo vapor na região do rio Grande era justamente o financiamento dos impostos que deveriam ser usados para manter um governo em favor dos princípios liberais clássicos, e não para financiar guerras em favor de elites agrárias escravagistas. Como resultado, a solução era clara: negar-se a dar impostos ao governo enquanto a guerra continuasse na ativa.
Para ele, a guerra, por ser um mal com que você não compactua, só poderia ser combatida se a oposição, não engajada em armas, não compactuar e não financiar. A compreensão pode ser percebida no trecho de seu livro A Desobediência Civil:
“Todos os homens reconhecem o direito de revolução; isto é, o direito de recusar obediência ao governo, e de resistir a ele, quando sua tirania ou sua ineficiência são grandes e intoleráveis.”
Thoreau não podia, aos seus próprios olhos, reconhecer um governo que propaga a violência e o mal. E, justamente por isso, aceitou ir para a prisão ao negar o pagamento de impostos, afirmando que, num governo que prega o aprisionamento moral, o verdadeiro lugar de um homem honesto seria a prisão.
A oposição que existia era não necessariamente entre governo e cidadão, mas sim entre governo e consciência. A teoria thoreauviana tem base no princípio dos indivíduos exercerem seu próprio julgamento e não servirem ao estado como uma máquina, que não questiona, ou como um boneco de madeira que pode ser modelado da forma que o escultor (o estado) desejar.
Apesar de seus esforços não terem coibido a guerra, suas ideias tiveram reverberações futuras e muito influentes, chegando a Martin Luther King Jr.
Martin, tal como Gandhi, foi o maior entendedor da concepção de revolução sem armas. Se o estado patrocina o mal de segregar pessoas por sua cor de pele e uma violência contra tais pessoas, porque compactuar com armas e devolver a violência seria efetivo ou comparável?
Quando Rosa Parks, em 1955, foi alvo de uma prisão por se recusar a ceder seu lugar no ônibus a um homem branco, Martin Luther King promoveu um boicote de ônibus na cidade de Montgomery. Se os negros não têm direitos de cidadão aos ônibus, não os deveriam usar.
O boicote durou 385 dias, e o prejuízo do transporte público (majoritariamente usado por negros) foi tão grande que resultou em vitória pelo fim das leis de segregação raciais nos ônibus de Montgomery.
Este capítulo foi apenas o primeiro de uma sólida trajetória de protestos não violentos de King que culminaram no Civil Rights Act de 1964, que pôs fim a todas as legislações de caráter segregacionista dentro dos EUA.
Um desejo pacífico, uma luta de consciência contra um governo injusto e ideais sólidos tornam Martin Luther King uma gigantesca referência sobre os princípios da liberdade em favor do cidadão.
*Artigo publicado originalmente na página Liberalismo Brazuca no Facebook.