“Se Milei tiver sucesso, haverá uma revolução capitalista em toda a América Latina”

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Rainer Zitelmann concedeu uma entrevista sobre Javier Milei ao principal jornal da Argentina, La Nación, que foi publicada em 23 de agosto. A seguir, apresentamos a entrevista na íntegra, traduzida para o português, onde Zitelmann compartilha suas análises e perspectivas sobre o atual cenário político e econômico da Argentina sob a liderança de Milei.

1) Qual é a sua leitura, até agora, sobre o governo liberal de Javier Milei, em comparação com mandatos anteriores na Argentina que tiveram uma inclinação socialista?

O que Milei traz é algo completamente novo. Milei é o oposto do peronismo. O peronismo é a crença de que políticos e funcionários públicos são mais inteligentes do que milhões de cidadãos, consumidores e empreendedores. Milei acredita no contrário. Nesse sentido, ele é um antipolítico. Sim, Carlos Menem e Mauricio Macri também introduziram algumas boas reformas, mas a abordagem de Milei é muito mais radical. Ele está receitando uma terapia de choque capitalista para o país, e isso pode funcionar, como sabemos pela história.

2) Milei também oficializou a criação do Plano Nacional de Alfabetização, que visa a garantir que os estudantes do país possam ler, compreender e produzir textos de acordo com seu nível educacional. Você acha que focar na educação é essencial para fazer o país avançar? Como você vê a educação na Argentina e na América Latina em geral?

 O sistema educacional na Argentina é um desastre. Isso fica evidente nos resultados dos testes internacionais PISA: os estudantes na Argentina obtiveram uma pontuação inferior à média da OCDE em matemática, leitura e ciências. Uma proporção menor de estudantes argentinos, em comparação com a média dos países da OCDE, se destacou (Nível 5 ou 6) em pelo menos uma disciplina. Ao mesmo tempo, uma proporção menor de estudantes alcançou um nível mínimo de proficiência (Nível 2 ou superior) em todas as três disciplinas.

Acima de tudo, a escola deveria ajudar a introduzir os jovens às ideias de empreendedorismo. Muitos jovens querem se tornar funcionários públicos ou empregados. Precisamos de mais jovens que queiram se tornar empreendedores. Minha sugestão: deveria ser obrigatório que uma escola convidasse um empreendedor para vir à escola por 2 horas toda semana, para falar sobre sua vida como empreendedor, as alegrias e os desafios.

3) Em relação à saúde, o governo de Javier Milei está tentando integrar a saúde pública com a saúde privada. Por exemplo, em junho foi lançado um voucher que busca oferecer assistência às pessoas que não possuem obra social ou medicina pré-paga. O que isso significa para você em um país onde o sistema de saúde está em crise? Você proporia alguma outra medida?

O sistema de saúde, na verdade, não funciona muito bem em nenhum país do mundo. Isso ocorre porque há mais regulamentação governamental no sistema de saúde do que em qualquer outra área da economia, com exceção das finanças (que também entram em crise repetidamente). Eu não sou totalmente contra a saúde pública, mas o foco do sistema de saúde também deveria estar em soluções de mercado. Acho que Milei deu os primeiros passos na direção certa. Um grande problema no setor de saúde é a burocracia excessiva. Os médicos deveriam ter 95% do seu tempo para os pacientes em vez de precisarem preencher tantos documentos diariamente.

4) Quais passos a Argentina pode seguir dos dois países que você menciona em seu livro, Polônia e Vietnã?

O exemplo da Polônia é particularmente importante para a Argentina. Em 1989, a Polônia era muito mais pobre que a Argentina, e hoje é muito mais rica. A Polônia enfrentava problemas semelhantes aos que a Argentina enfrenta hoje no final dos anos 1980: uma inflação gigantesca (na Polônia era cerca de 600% em 1989), dívida imensa (era o terceiro maior devedor do mundo), pobreza e intervencionismo estatal. A partir de 1990, Leszek Balcerowicz implementou uma terapia de choque capitalista na Polônia, que lançou as bases para o crescimento nas décadas seguintes. O resultado foi excelente; a Polônia passou de um dos países mais pobres da Europa para ser um campeão de crescimento europeu.

Mas, e essa lição é tão importante quanto: antes de as coisas melhorarem, algumas coisas pioram primeiro. Não se pode esperar que problemas acumulados por décadas sejam resolvidos em um ano. Na Polônia, o PIB caiu por dois anos e o desemprego aumentou. É muito importante que os argentinos compreendam: sim, as reformas da economia de mercado funcionam, mas, antes de as coisas melhorarem, algumas irão piorar primeiro. A paciência é a chave para o sucesso. Os argentinos tiveram décadas de paciência com os peronistas, que transformaram o que já foi um dos países mais ricos do mundo em um país pobre. Agora, eles deveriam ter pelo menos alguns anos de paciência com Milei.

5) Você defende que o gradualismo não funciona, enquanto as terapias de choque funcionam. A que isso se deve?

O gradualismo pode funcionar em um país como o Vietnã. Lá, existe um sistema de partido único e não há liberdade de imprensa. Por isso, o partido pôde adotar uma abordagem mais lenta para as reformas. Mas reformas em um país como a Argentina, ou como a Polônia daquela época, não acontecem em isolamento. Os representantes do sistema antigo, a “casta”, querem ver Milei fracassar. Por isso, não dá para esperar dez anos para que as coisas melhorem. E o povo também não quer esperar tanto tempo. Há um ditado na Alemanha: “Lieber ein Ende mit Schrecken als ein Schrecken ohne Ende” (“Melhor um fim terrível do que um terror sem fim.”)

6) O fato de um governo liberal como o de Javier Milei ter vencido as eleições na Argentina cria um precedente para a América Latina?

Eu prevejo que, se Milei tiver sucesso, haverá uma revolução capitalista em toda a América Latina, no Chile (onde já estavam no caminho certo uma vez), na Bolívia e no Brasil. E, com sorte, também na Venezuela, onde os socialistas transformaram o que era o país mais rico da América Latina no mais pobre. Mas, claro, isso depende do sucesso de Milei. E isso, por sua vez, depende de três coisas: 1. Milei deve manter-se saudável. 2. Ele precisa aumentar massivamente sua representação no Congresso e no Senado nas eleições de outubro de 2025. 3. O mais importante: os argentinos precisam ser pacientes e entender que terão de enfrentar dois anos muito difíceis primeiro.

7) Você viajou várias vezes para a Argentina. Qual é sua impressão da primeira visita em comparação com a atual, em termos econômicos e sociais?

Sim, estive na Argentina em 2022 e 2023. O que vi e ouvi desta vez é exatamente o que esperava: algumas coisas melhoraram, por exemplo, a inflação caiu de 25% para 4% ao mês. Acho que Federico Sturzenegger está fazendo um ótimo trabalho, pois a desregulamentação é a chave para o sucesso. Com sua descendência suíça, ele sabe o que fazer: segundo o Índice de Liberdade Econômica, a Suíça é o país mais economicamente livre do mundo, junto com Singapura. Atualmente, a Argentina ocupa a posição 145 de 180 no índice.

É claro que, como eu esperava, algumas coisas pioraram. O número de pessoas pobres aumentou de 40% para 55%. Mas fico satisfeito que, como mostram minhas conversas e pesquisas, a maioria dos argentinos apoia Milei. Até mesmo alguns que foram céticos no início. Em Mendoza, tive uma longa conversa com o prefeito Alfredo Cornejo. Ele não pertence ao partido de Milei e era um pouco cético a princípio. Agora, ele diz: a Argentina está no caminho certo com Milei.

Entrevista para La Nacion publicada em Agosto de 2024: https://www.lanacion.com.ar/economia/rainer-zitelmann-si-milei-tiene-exito-habra-una-revolucion-capitalista-en-america-latina-nid23082024/

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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