Reflexões sobre as eleições americanas
Eleição não é jogo ganha-ganha. É guerra. É situação emergencial. Para um ganhar, o outro terá que perder. É como tomar decisões em um navio que está a ponto de soçobrar para mantê-lo acima da linha d’água, para então buscar o destino traçado ou, pelo menos, um porto seguro, enquanto fazemos os ajustes de rota necessários.
Sim, você pode se agarrar ao colete salva-vidas do absolutismo ideológico e pular fora. Vai ficar olhando o navio seguir seu curso, e você não poderá fazer nada. Quem sabe possa subir a bordo novamente dali a alguns anos. Muita gente diz que não irá votar em nenhum candidato, porque nenhum deles é o candidato ideal. Mas quem disse que o candidato ideal existe? Talvez até exista se você concorrer para poder votar em si mesmo. Mas o resto dos eleitores votarão contigo?
Trump ou Kamala, Kamala ou Trump, nenhum dos dois seria o meu candidato ideal, muito antes pelo contrário, mas é o que temos na prateleira. Eleição democrática não é um processo de escolha parametrizável onde cada eleitor monta o seu candidato ideal para votar nele. É um pacote fechado com tudo de bom e tudo de ruim que quem está oferecendo-o pode produzir.
Um é contra o aborto, o outro é a favor. Um é contra imigração, o outro é a favor. Um é contra o livre-comércio, o outro é a favor. E por aí vai. Haverá até pautas comuns entre eles com as quais podemos concordar ou não.
Ser absolutista em eleições democráticas, negando-se a reconhecer que, mesmo sendo ambos ruins, péssimos até, haverá um melhor e outro pior, é tentar fazer o que condenamos nos outros, a prática da sinalização de virtude, essa que prega que seres perfeitos não votam naqueles cheios de problemas porque, afinal somos ideólogos absolutistas.
Eu costumo dizer, contrariando o ditado popular, que o bom é que é o inimigo do ótimo, não o contrário. Sim, porque, quando nos contentamos com o bom, desprezamos o ótimo. É a primazia da mediocridade. No entanto, não podemos deixar de lado o contexto. Numa eleição democrática, o que está em jogo é o melhor e o pior, não o ideal – e, quando o ideal está fora, o melhor assume o papel do perfeito.
Trump não é o político ideal, muito menos o homem perfeito. Eu não queria que ele estivesse ocupando a cadeira presidencial na Casa Branca. Ele está equivocado em assuntos cruciais já pacificados desde que Thomas Jefferson, John Adams e Benjamin Franklin redigiram a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. A ética que faz o seu caráter é no mínimo duvidosa. Há muita coisa que o afasta deste ser abstrato imaginário cujas ideias são as que eu defendo como verdadeiras e certas.
Mas olhando a alternativa, não tem como não ir de Trump. Foi isso que fez com que ele ganhasse. Ainda bem.
Kamala Harris, esquece. É alguém cuja candidatura ofende a minha inteligência e a de dezenas de milhões de americanos. Ela é uma fraude e nem merece ser considerada. Seria legal ver uma mulher na presidência dos Estados Unidos da América, mas Margaret Thatcher já morreu e era britânica. Melania Trump, que é eslovena como meu sogro, no máximo, pode ser primeira-dama.
A democracia está para a nossa privacidade como a água mole está para a pedra dura, tanto bate até que fura. Os governantes, seres como nós, invadiram as nossas vidas sem serem convidados. Na minha vida, eu só me relaciono com quem compartilha dos meus princípios, valores e ideais – mas, em se tratando da política, com eleições democráticas, a única coisa que podemos fazer é escolher dos males o menor.