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Retomando o caminho da miséria

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Teremos novamente, depois de décadas de repetição, a ideia de que o Estado é que deve conduzir a economia, com tudo de errado que isso significa.

Desta vez, para alegria dos juízes da luta, Golias venceu Davi. O resultado da eleição para presidente representou uma derrota da liberdade em todos os sentidos. Foi, sem meias palavras, a vitória da iniquidade sobre a retidão, da licenciosidade sobre os valores da família, do socialismo internacional sobre a soberania e o amor à pátria, da perpetuação da pobreza e da servidão sobre a prosperidade e a autonomia individual. Do ponto de vista estritamente econômico, os eleitores — em sua maioria, devidamente doutrinados e sem ideia das consequências de sua escolha — simplesmente expulsaram a economia de mercado e o espírito empreendedor, que são os únicos e verdadeiros caminhos para a geração de riqueza, e trouxeram para a sala de visitas de suas casas a subserviência ao Estado e a produção de pobreza e miséria.

Não culpemos os eleitores, uma vez que a maioria deles não tem a mais pálida noção dos problemas que vêm pela frente e só vão perceber a gravidade do erro que cometeram quando sentirem na pele que aquele socialismo maravilhoso que os seus professores pintavam para eles durante toda a vida escolar e universitária era uma ilusão, que aquela preocupação com as “desigualdades” era meramente eleitoreira e que o bombardeio diário de críticas ao governo nos veículos da baixa imprensa era pura militância. Pobres eleitores que foram usados mais uma vez como objetos geradores de votos.

Sabendo ou não o que estavam fazendo, a realidade espantosa é que a maioria dos eleitores que compareceram às urnas optou pelo socialismo. Sinto-me na obrigação de explicar o que isso significa e em que implicará para todos — inclusive, infelizmente, para os que, sabedores das consequências, rejeitaram essa opção.

O socialismo é um desastre completo. E o intervencionismo — definido como uma forma mais branda de socialismo, ou como social-democracia — também leva a resultados trágicos no longo prazo.

Para começar, o socialismo é um erro intelectual. Em um sistema socialista puro existe um órgão central, de planejamento, do qual emanam os comandos ou ordens impostos à vida social, em que se incluem as ações no campo da economia. A atuação desse órgão é essencialmente coercitiva e se sobrepõe, em nome do coletivismo, aos planos individuais de ação e às aspirações de cada cidadão. Não importam os desejos individuais, mas as necessidades coletivas, um ente absolutamente abstrato, mas extremamente atraente para fins populistas e totalitários. É um enorme erro intelectual, pelo simples fato de que é impossível que o órgão central possa dispor de um conjunto de informações ou conhecimento suficiente para que os seus comandos tenham efeitos coordenadores sobre o sistema social.

Todo e qualquer sistema intervencionista padece de defeitos intrínsecos irreparáveis. Que tal visitá-los, embora brevemente?

O primeiro deles é a impossibilidade desses sistemas de promoverem a coordenação das ações humanas individuais, com a consequente desorganização da sociedade, levando a que muitos dos agentes sejam induzidos a atuar de maneira contraditória, o que se traduz em uma indisciplina comportamental generalizada, com a ocorrência de erros que não são vistos como tal, exatamente pela inexistência da coordenação. O resultado é uma frustração também generalizada dos planos individuais. Essa situação costuma servir como pretexto aos planejadores para intensificarem as intervenções na vida social e econômica, o que só faz com que o problema se agrave.

Em resumo, pelo que ele disse repetidas vezes, o seu governo ameaça desfazer quase tudo que o governo atual realizou.

O segundo é a inibição no processo de criação de conhecimento, provocada pelo desincentivo à geração de informações e à descoberta sobre os desejos efetivos dos consumidores, que se reflete na baixa qualidade dos bens e serviços produzidos pelo sistema econômico e na escassez. Muitas vezes esse estado de escassez nem pode ser percebido, porque sua percepção precisaria ser sentida pela ação empresarial, mas esta ou é impedida de existir ou é fortemente influenciada pelo excesso de regras com o caráter de comandos.

Terceiro, os sistemas intervencionistas são um convite para maus investimentos e desemprego de fatores de produção, porque introduzem artificialmente no horizonte uma nuvem imensa de falta de informações e de distorções, que prejudica irremediavelmente a visão dentro dos mercados. O desemprego é um dos efeitos mais típicos da coerção institucional que impede o livre desempenho da ação humana e, portanto, da função empresarial. O “remédio” adotado historicamente pelos governos socialistas é o de mascarar ou, simplesmente, esconder as estatísticas sobre o emprego.

Um quarto efeito perverso do intervencionismo é que ele tende a produzir mais corrupção do que os sistemas em que as liberdades individuais prevalecem, e esse vício se manifesta tanto por parte dos que ocupam o poder quanto pelo lado dos demais agentes, por uma razão muito simples: sistemas centralizados tendem a concentrar o poder e a criar uma série de dificuldades para as ações empresariais, o que, em razão das fraquezas humanas, estimula a venda de facilidades.

Em quinto lugar, o intervencionismo tende a estimular reações por parte dos agentes no sentido de desobedecerem aos comandos e às ordens exarados pelo órgão central, que se manifestam em ações à margem da legalidade — ou da pretensa legalidade — imposta pelos comandos. Ele estimula o surgimento da economia informal, especialmente naqueles setores da economia em que a coerção, sob a forma de regulamentações, é mais forte.

Sexto, por indução simples, percebe-se que o intervencionismo impõe diversos obstáculos à criatividade dos indivíduos e, como esta é um fator importantíssimo para o desenvolvimento da economia e da sociedade, provoca atraso econômico, político, cultural e tecnológico. Ao bloquear a criatividade humana, emperra o avanço em todos os setores da vida social.

Por fim, há um sétimo efeito corrosivo do socialismo e do intervencionismo: trata-se de um sistema que é uma verdadeira aberração moral. Perverte os conceitos de lei e de justiça, ao instituir hábitos e concepções viciosos e agride os mais elementares direitos inerentes à pessoa humana, a começar pelas liberdades individuais. Além disso, por ser fundamentado no conceito de “luta de classes”, o socialismo é extremamente desagregador: é característico de seu ethos lançar patrões contra empregados, pobres contra ricos, negros contra brancos, mulheres contra homens e homossexuais contra heterossexuais, para que possa encontrar eco entre as massas e mergulhar todos em uma falsa realidade. A promoção da desagregação, o fomento ao ódio, o lançamento de irmãos contra irmãos, a indução à inveja, todos esses comportamentos são essenciais para o socialismo, tanto o raivoso como o disfarçado, porque, sem esses vícios morais, ele simplesmente não pode vicejar.

Mas sua imoralidade vai além! Ao estabelecer a igualdade de resultados, o socialismo desestimula a ética do trabalho, por razões óbvias: se João, trabalhador, dedicado, bem preparado e com espírito de iniciativa, sabe de antemão que vai ganhar o mesmo que Inácio, preguiçoso, desleixado, vagabundo, cachaceiro, mentiroso, corrupto, farsante, sem estudo e que prefere viver à custa dos outros, é evidente que João não se sentirá estimulado a colocar em prática as suas habilidades, limitando-se a fazer o essencial, que lhe garantirá a renda estipulada pelo Estado.

Tudo o que escrevemos nas linhas anteriores á válido tanto para as sociedades socialistas como para aquelas que optam por um sistema mais brando de intervencionismo, a social-democracia, com o aviso de que nesta última a corrupção e a economia informal tendem a se desenvolver mais depressa exatamente nos setores em que o intervencionismo estatal é mais forte.

O retrocesso

O candidato vencedor apontou diversas vezes para medidas que tomaria caso voltasse à Presidência: o mote “mais Estado, menos mercado” resume bem as suas intenções. Isso significa que em seu governo tentará reverter a maioria — senão todos — dos avanços obtidos a duras penas pelo governo atual. Teremos novamente, depois de décadas de repetição, a ideia de que o Estado é que deve conduzir a economia, com tudo de errado que isso significa.

Assim, podemos esperar a volta dos bancos públicos como fomentadores de projetos escolhidos politicamente para beneficiar setores de empresários amigos; a diminuição do papel do crédito privado; tentativas de reverter privatizações, bem como a de interromper a da Eletrobras; fortalecimento dos sindicatos, com a marcha à ré da reforma trabalhista feita no governo Temer; tentativa de ingerência na autonomia do Banco Central; explosão de gastos públicos; aumento de impostos, inclusive com a tributação de quem tira o sustento atuando na economia informal; retorno à política externa desastrosa do passado, mascarada de “respeitadora da autodeterminação dos povos”; BNDES colocado para financiar projetos em países amigos; recuos nos marcos regulatórios de diversos setores; ideologia de gênero; ambientalismo de esquerda; tentativa de criar novas terras indígenas; regulação da mídia; manutenção da doutrinação na educação e muito mais.

Não sou eu quem está dizendo tudo isso, apenas estou listando declarações do futuro presidente em diversas ocasiões durante sua campanha. Em resumo, pelo que ele disse repetidas vezes, o seu governo ameaça desfazer quase tudo que o governo atual realizou.

O próprio passado do PT no governo foi pródigo em mostrar claramente que não se pode brincar com a boa teoria econômica, depois de algum tempo. Os economistas do PT poderão enganar durante alguns meses, uma vez que vão receber de mão beijada uma economia com as contas públicas ajustadas, inflação controlada, em processo de crescimento sustentado, maior produtividade e eficiência nas empresas, baixo desemprego e menos burocracia e entraves ao empreendedorismo.

Porém, não tenho receio de afirmar categoricamente que, em poucos meses, mudarão todo esse quadro, e não é porque careçam de inteligência ou porque sejam mal-intencionados, mas, simplesmente, porque a concepção econômica em que acreditam é completamente equivocada, e a história — assim como a atualidade em países vizinhos — mostra sobejamente isso. Não se trata de criticar pessoas, mas as suas ideias: assim como gatos miam e leões rugem, as teorias que movem os economistas progressistas produzem inflação, desemprego e pobreza generalizada.

O Brasil, a partir de 2023, será a Argentina de ontem e a Venezuela de anteontem. Não se trata de torcida contra, porque é com tristeza que escrevo isso, mas acontece que respeito o meu compromisso intelectual e moral com a boa teoria econômica.

*Artigo publicado originalmente no site da Revista Oeste. 


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Twitter: @biraiorio

 

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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