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Os tipos de conservadorismo no Brasil monárquico, segundo Christian Lynch

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Christian Edward Cyril Lynch (1973), que também escreve na Gazeta do Povo, é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ e da Universidade Veiga de Almeida, além de pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa. Especialista na obra do intrépido tribuno liberal baiano, Lynch vem se notabilizando pela produção profícua de artigos e trabalhos acadêmicos que se debruçam sobre a seara temática que mais nos atrai: o pensamento político brasileiro.

Um de seus artigos mais recentes, Conservadorismo Caleidoscópico: Edmund Burke e o pensamento político do Brasil oitocentista, é contribuição particularmente instigante para as inquietações, disputas identitárias e discussões de ideias que configuram o panorama da recente emergência de liberais e conservadores no Brasil. Adotando a obra do parlamentar irlandês Edmund Burke (1729-1797) como paradigma para avaliar as pluralidades do conceito de conservadorismo sócio-político e sua entronização no Brasil dos oitocentos, Lynch consegue reunir diversos nomes relevantes do quadro político e intelectual da época em diferentes categorias que elaboram em sentidos distintos essa matriz, recepcionando em percursos teóricos díspares o trabalho do grande crítico da Revolução Francesa.

Remetemos o leitor ao artigo completo, que deve ser prestigiado e aproveitado ao máximo, mas parece interessante compartilhar as principais classificações elencadas por Lynch como forma inclusive de instigar a consulta ao original, que muito pode nos aproveitar, embora se destine ao universo acadêmico – afinal, ninguém terá nada a perder em qualificar a substância dos argumentos e a contextualização das afirmações, fazendo-as se debruçarem sobre a realidade e os valores circulantes em nossas terras.

Em termos gerais, Lynch define “conservadorismo”, com base no livro Ideologies and political theory: a conceptual approach de M. Freeden, como “a preocupação com o controle da mudança, que não deveria ocorrer a partir exclusivamente da intervenção deliberada da razão ou ação humana, sob pena de gerar caos ou entropia”, “a crença nas origens extra-humanas da ordem social, entendida como independente da vontade humana” e “a organização defensiva de seu sistema teórico ou substantivo, adaptando-se ao adversário de modo a espelhar de modo simétrico, mas negativo, as suas respectivas posições”.

Em linhas gerais, são, com efeito, características que um leitor de Burke reconhecerá. Tal como fizemos algumas vezes, porém, Lynch também registra que ele era, a seu tempo, um “whig” (isto é, do partido britânico que José Guilherme Merquior vai apontar como o prenunciador do liberalismo) e não um “torie”, o que contesta a categorização de um conservadorismo burkeano completamente distinto do liberalismo. Seu trabalho prossegue delineando de maneira bastante detalhada as elaborações e adversidades do pensamento burkeano em territórios diferentes do Reino Unido, como os Estados Unidos e a França, finalmente chegando ao Brasil, onde passa a conceituar os cinco tipos de conservadorismo que queremos sintetizar.

Na chegada da obra de Burke ao país, através do Visconde de Cairu (1756-1835), manifesta-se o primeiro deles, que Lynch chama de Reformismo ilustrado. Alojando-se em um país que não era nem convulsionado pela revolução, nem marcado pelo liberalismo democrático fundante dos Estados Unidos ou nas tradições institucionais liberais oligárquicas dos britânicos, mas sim um Antigo Regime colonial e escravista sob a monarquia lusitana de D. João VI, o conservadorismo burkeano se adequou nesta etapa assumindo a forma de “um reformismo lento e gradual”, que prevenisse e se substituísse antecipadamente a revoluções e convulsões radicais.

Tratava-se então de uma ênfase no aspecto ativo das afirmativas burkeanas, dando conta de que, para preservar um Estado – no caso brasileiro, a conexão com o imaginário monárquico, a centralização em torno de uma Coroa, que, após a independência, se tornou a de D. Pedro I -, é preciso saber mudá-lo. Na vida e obra de José Bonifácio (1763-1838) encontramos preocupações similares, porque, assumindo protagonismo no projeto vencedor de emancipação nacional, ele foi um dos maiores propositores de transformações, como a própria abolição gradual da escravidão, mas estava sempre inquieto por evitar que o pensamento demasiadamente “metafísico” de certos liberais e, particularmente, os ecos revolucionários franceses se impusessem aos clamores da independência.

Em Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850), Lynch vai representar a segunda categoria, que ele batiza de Conservadorismo estatista. Vasconcelos, antes “liberal moderado”, avesso a D. Pedro I na crise da sua abdicação, era então ícone do movimento regressista que interpretou e podou os excessos descentralizadores do Ato Adicional de 1834 – que, na visão dos maiores próceres do Partido Conservador, os chamados “saquaremas”, como o Visconde de Uruguai, facultou regalias perigosas ao despotismo dos mandatários regionais.

Ele acreditava que era importante a edificação de um Estado centralizado com poder suficiente para erguer instituições que espelhassem os melhores princípios gerais, mas que fossem compatíveis com os imperativos hostis das realidades excepcionais da invertebrada sociedade brasileira. Aqui, mais ainda que Burke, entraria diretamente a influência dos “liberais doutrinários”, como François Guizot, a quem tanto enaltece nosso estimado amigo e professor Ricardo Vélez Rodríguez, autor de vasta produção sobre esses “conservadores liberais” franceses. O “estatismo” da nomenclatura de Lynch, na verdade, não deve implicar obrigatoriamente o significado com que liberais empregam o termo hoje, uma vez que Vasconcelos não era um entusiasta do protecionismo econômico.

Na década de 1860, Lynch afirma que esse conservadorismo saquarema de raiz foi perdendo seu peso, em uma onda de atração por ideias mais liberalizantes, para as quais se acreditava já ter chegado o tempo. Entre os próprios integrantes do partido de figuras como Vasconcelos, Uruguai e do Marquês do Paraná, começou a surgir um projeto diferente de conservadorismo, que Lynch alcunha Conservadorismo culturalista, tendo por representante escolhido o escritor José de Alencar (1829-1877).

“Crítico da francofilia das gerações anteriores, seu modelo de governo representativo era a Inglaterra”, pontua Lynch. Alencar defendia a deferência para com os costumes e tradições e a maior descentralização administrativa, deixando questões importantes aos cuidados das localidades, desde que com a organização de partidos enraizados na sociedade civil, vinculados a seus estratos sociais – isto é, ele queria um partido conservador totalmente alinhado com a pauta dos senhores de escravos do latifúndio monocultor, grande formador do país, tal como o afirma Gilberto Freyre.

Daí ele deduz até uma consequência escravagista, alegando que os conservadores deveriam deixar “que o problema da escravidão se resolvesse por si, por uma transformação lenta e pela revolução social dos costumes”, respeitando-se o que seria uma sua elaboração natural. A ação do Estado central para aprovar leis abolicionistas, na opinião de Alencar, era artificial e nociva a esse desenvolvimento natural e espontâneo, em razão de que ele não poupou sequer o imperador D. Pedro II de seus ataques. O Estado deveria cessar de reformar a sociedade e respeitar sua estrutura agrária; certamente, se Bonifácio estivesse vivo, discordaria de Alencar, por entender já nos idos de 1820 que o tecido social escravista era um miasma, um câncer, e para efetivamente dar substância e prosperidade às instituições, seria essencial garantir que todos os brasileiros fossem cidadãos.

Evocando o liberalismo britânico de William Gladstone, que lia Burke, influente sobre a geração de Joaquim Nabuco (1849-1910) e Rui Barbosa (1849-1923), então, Lynch traz o último grupo, o do Liberalismo conservador, que absorveu do contrarrevolucionário irlandês a sua expressão mais completa de um “Old Whig”. O primeiro, Nabuco, mobilizando argumentos burkeanos contra a República; o segundo, Rui, que chegou a ser crítico do imperador, já o usando contra o autoritarismo militarista e o jacobinismo de Florianos Peixotos e afins.

Nabuco, em especial, embora integrante, na monarquia, do Partido Liberal (“luzia”), falava em uma “atitude conservadora”, que seria a crença em uma evolução gradual da sociedade, que deveria passar pelo respeito a uma certa coesão simbólica e institucional – em outras palavras, a seu tempo, pelo monarquismo e a aversão ao golpismo republicano, bem como a crença na importância de uma elite de lideranças, isto é, de uma aristocracia, mesmo em um sistema representativo. Seu ideal era o de um “idealista prático”, que, disse ele, é “o guia mais seguro dos espíritos positivos, que aliam, como Burke, o liberalismo utilitário e o conservantismo histórico”.

“Em todos eles”, conclui Lynch, um “traço comum: o desejo de mudança sem subversão”. Como autor de um artigo acadêmico, Lynch não está fazendo qualquer proposta ativista ou levantando bandeiras; nós, neste espaço, faremos diferente: do conteúdo desse esquema de classificação, deduzimos que, nas relações entre ideias liberais e conservadoras no Brasil, ontem como hoje, é constante o drama de equilibrar a compreensão da própria identidade, da própria especificidade cultural e histórica, com a necessidade imperativa de mudanças, até para que continuemos existindo, em rumos mais prósperos e alinhados aos reclames da contemporaneidade. Esse desafio é o mesmo hoje e acreditamos ter base nessa consciência a possibilidade de superar as crises agudas que vivemos.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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