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O perigo de uma protoditadura petista sob o beneplácito dos togados

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Não é exagero ou mero recurso retórico dizer que já estamos sob uma tirania judicial. A suprema corte brasileira não apenas abusa dos poderes que constitucionalmente possui, mas cria a seu bel-prazer poderes que o constituinte nunca pensou em lhe dar. Sob o argumento de que é preciso “defender a democracia”, há quem aceite que o STF e seus membros abram de ofício inquéritos com abrangência hipertrófica, que julguem dezenas de centenas de cidadãos sem prerrogativa de foro, que sejam simultaneamente a vítima e o julgador, que afastem governadores legitimamente eleitos numa canetada, que legislem sem despudor e sem respaldo eleitoral, que façam chegar ao Congresso ameaças com o intuito de tentar determinar o que as duas casa legislativas (as oficiais) devem aprovar, etc.

Mas, em política, sobretudo, nada pode ser tão ruim que não possa piorar. Se o poder Judiciário tem de longa data se engrandecido e ofuscado os demais (principalmente o Legislativo), podemos estar certos de que, se bem sucedida a tentativa do governo atual de “regulamentar” a internet, estará inaugurada no país uma protoditadura. Em um primeiro momento, pode parecer contraditório imaginar um engrandecimento do poder Executivo, já que o Judiciário de fato não dá sinais de que pretende retroceder da posição de mando que exerce no país. Ocorre que governo e STF convergem naquilo que hoje lhes é prioritário: colocar rédeas na liberdade de expressão. Desde que o governo mantenha ciência da posição sobranceira da corte, gozará de ampla liberdade para usar do controle do discurso para satisfazer a interesses próprios. As figuras mais antirrepublicanas da República articulam para permitir justamente isso. Alguns podem me chamar de exagerado, ou mesmo lunático, mas, embora por vezes eu use da provocação como recurso retórico, não faço aqui provocação, digo apenas aquilo que me parece claro como a água.

Não é que a “regulamentação” vá gerar uma deterioração da liberdade de expressão no país; essa deterioração já começou há muito tempo, operada pelo Judiciário e ao arrepio da lei. O que poderemos ter é, enfim, uma “formalização” do arbítrio, uma tentativa de dar ares de legalidade e legitimidade ao que já têm sido feito de forma abusiva e criminosa. Se a formalização de arroubos autoritários e ostensivos contra a liberdade de expressão, conferindo perpetuidade ao que muitos diziam ser temporário e “necessário”, não pode ser chamado de protoditadura, certamente só pode ser de coisa ainda pior, pois a democracia, que já está capenga, no mínimo estará em risco e, no extremo, em suspenso.

Os que veem exagero no que digo e insistem em ver o PL das Fake News, ou coisa que o valha como salutar se encaixam em duas opções: ou são entusiastas não só de ocasião, mas “morais” do governo de ocasião e do que ele representa e defende em termos de aliados históricos (algumas das ditaduras mais espúrias) e têm uma visão francamente antiliberal da liberdade de expressão, hipótese em que não há argumentos capazes de mudar sua índole; ou têm a ingenuidade de acreditar que, uma vez criado o monstro, ele pode ser domado caso se mostre por demais rebelde e com gosto pelo mando. Esperar que o Executivo exerça um contrapeso contra si mesmo, em especial quando os demais freios e contrapesos estão combalidos, é coisa de quem ainda não saiu da maternidade política.

Não é questão de supor que o poder de fiscalizar o que é dito online será abusado, pois os abusos já estão aí, mas de que o controle do discurso ganhará o reforço daqueles que diversas provas já deram de que não são muito afeitos à democracia liberal.

O desejo de “regulamentar” as mídias digitais surge, como disse em um artigo recente, primeiramente como a confissão de um arrependimento por não terem regulado a imprensa quando tiveram a oportunidade, e esse arrependimento passou a ser francamente manifesto como uma ameaça de que fariam isso se tivessem ocasião de voltar ao poder — e voltaram. O revanchismo, que primeiro mirava a imprensa, por ocasião da ampla cobertura dada à Lava Jato e ao papel a ela atribuído pelo petismo no impeachment da Dilma, voltou-se para as redes sociais, consideradas culpadas pela derrota do partido em 2018.

Passaram a engendrar uma retórica “anti-ódio”, onde uma suposta “pacificação” das redes sociais — tudo em nome do “amor” — adquiriu papel preponderante. Aqui as hostes bolsonaristas atuaram como verdadeiros peões, ainda que inconscientemente, a serviço do petismo (não foi por falta de aviso), culminando naquele fatídico 08 de janeiro, que veio para convencer incautos de que certos traços de um regime de exceção eram justificáveis para combater os “terroristas”. Por fim, vieram os ataques nas escolas. Flávio Dino, a principal face do governo no assunto “fiscalização” das redes, não hesitou em fazer politicagem em cima de cadáveres de crianças e, produzindo as ilações mais grosseiras, ainda que típicas do pós-modernismo, apostou todas as suas fichas contra as plataformas digitais. “Só teremos escolas seguras com a regulação da internet”, diz ele, para vencer pelo terror.

Flávio Dino, com sua fala mansa, seus apelos pseudopacifistas, uma habilidade retórica que chega a pintar como idílica a ideologia assassina que esposa, que já foi visto por muitos como um exemplo de moderação e uma das promessas da esquerda, é uma das figuras mais truculentas deste governo. Diz ele, de forma muito clara, que, se o Congresso não se comportar da forma como espera o governo e aprovar o PL da Censura, o Judiciário ou o próprio governo o farão por contra própria. Não são palavras vazias, e ele não só já está em parte fazendo essa regulamentação por conta própria, como não teve pudor em usar a Senacom para ameaçar o Google após a big tech ter ousado criticar o projeto — o PL afeta diretamente as plataformas digitais, mas estas devem aceitar o destino caladas, opinião também compartilhada por Moraes, vulgo o “dono” do Brasil, que além do Google, acabou de censurar o Telegram por a plataforma ousar criticar o projeto, ameaçando, inclusive, com uma multa de R$100 mil por hora cidadãos que usarem VPN para acessar o aplicativo em caso de suspensão. Nenhum dos veículos de mídia que estão vergonhosamente e escancaradamente defendendo o PL da Censura sofreu ameaças de multa por isso. É que “influenciar o debate” só é problema se for contra o que defendem o governo e o STF. Se não pela lei, pela força. Causa-me espécie tamanho espírito democrático. Se Tocqueville tivesse tido a oportunidade de conversar com nosso ilustre ministro da Justiça, ou com o magnânimo Moraes, talvez pudesse ter poupado uma viagem à América.

“Ora, mas sem essa regulamentação nossas crianças estarão desprotegidas. Ademais, você está viajando na maionese em acreditar que o governo fará mau uso do poder censor”. Quem não está familiarizado com o gene autoritário do PT pode até pensar assim, mas como justificar que continuem ignorando os sinais claros do que são e do que pretendem? Há poucos dias, uma dessas figuras ilustres, que além de integrar equipe formada pelo ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, agora também aconselhará o presidente em assuntos de Desenvolvimento Econômico, reclamou no Twitter de que o algoritmo do Google estava corrigindo a busca por Lula Coroação para Lula Corrupção. Para que não restem dúvidas, ele escreve: “Google dará explicações? Corrigirá? Sem o PL, não são obrigados a nada”. Creio que posso seguramente poupar o leitor de uma explicação sobre o algoritmo. Que culpa tem o Google se Lula e seu partido estiveram às voltas com escândalos de corrupção e se o imaginário popular, muito apropriadamente, associa o presidente, que inclusive esteve recentemente na cadeia, à corrupção? Mas o que quer Felipe Neto, um dos maiores entusiastas e propagandistas do PL da Censura, está evidente: falsear a história e colocar rédeas no imaginário popular. Já o partido do presidente, talvez seguindo a “dica” do grande pensador, nem quis esperar o PL e já notificou o Google.

Não acho que o governo usaria o poder do controle do discurso online para censurar aquilo que lhe é hostil, eu afirmo que o fará, sob o pretexto de que se trata de fake news. A suprema corte eleitoral do país fez exatamente isso em mais de uma ocasião. Ainda não deu tempo de esquecermos que a fala de um ministro do STF, Marco Aurélio, dizendo o óbvio ululante de que Lula não foi inocentado de nenhum processo pelo STF (haja vista que não houve julgamento de mérito), foi retirada de uma propaganda do então candidato Jair Bolsonaro por ordens do TSE. O leitor também deve lembrar que a Gazeta do Povo sofreu censura por escrever aquilo que é de conhecimento público: que Lula tem uma longa relação com o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. Curiosamente, quando, em nova publicação, o jornal provou por a mais b que não havia mentido em sua associação, esta segunda publicação não foi censurada, apesar de pedido nesse sentido da campanha de Lula. O caso estampou a incoerência dos censores de plantão. Em um dia censuram o que é verdade, no outro mantém publicadas as provas de que sua censura foi inadmissível.

O PT é um partido que não admite erros e responde a críticas com ataques. É simplesmente lógico concluir, à luz dos fatos, que usará o poder de definir o que é ou não verdade — um poder que nenhum governo sob a face da Terra deve jamais possuir — para perseguir aqueles que criticam o partido e ousam falar mesmo aquilo que é de conhecimento público. Talvez não façam isso de forma escancarada, mas munidos do argumento de que combatem uma inverdade e seguidos pela tropa de progressistas de quinta, bajuladores chapa-branca e magistrados inclassificáveis em sua justificativa. Em um dia o seu José da Silva publica que Lula não foi absolvido coisíssima nenhuma e que acredita em sua culpa (coisa normal quando falamos de políticos nas redes sociais), no outro tem sua publicação censurada e corre o risco, assim como a plataforma, de sofrer alguma consequência legal.

Iríamos da deterioração da liberdade da expressão pelo arbítrio, pela formalização da censura e aí ladeira abaixo. O controle do discurso é uma das primeiras coisas tentadas por protoditadores ou quem almeje ser tal. Não por acaso. Dentre os diversos veículos de imprensa que saíram em defesa do PL, está o Estadão. Leio em um editorial do jornal que a aprovação da coisa é urgente e que eventuais imperfeições poderiam ser corrigidas no seu devido tempo por meio do debate democrático. Ora, eu até diria que é ingenuidade esperar que imperfeições em uma lei que visa a controlar o discurso virtual sejam sanadas por meio do debate democrático, o qual depende justamente da liberdade de expressão — virtual, inclusa — para ocorrer, não fosse o claro interesse dos veículos de imprensa no PL da Censura. Será mais um daqueles casos em que, após apoiar, por exemplo, o inquérito das fake news, o jornal passará a escrever editoriais criticando os seus “exageros”? Só esperando para ver.

A liberdade de expressão é provavelmente a mais fundamental de todas. Sem liberdade para dizer o que se pensa, como ter um sistema que mereça a alcunha de democrático? “Mas a liberdade de expressão não pode ser absoluta”. E não é. Tampouco as redes são, como sugere Flávio Dino, um “faroeste”. Ocorre que elas não estão imunes ao estado de Direito e a preceitos constitucionais. A retirada de um conteúdo nocivo por decisão judicial pode ocorrer desde sempre. A censura prévia, pela letra clara da carta magna, não pode ocorrer nunca (mais um princípio rasgado pelo STF e pelo TSE). A desculpa de se proteger as crianças, para além de ser um embuste e de dar ao Estado a função que é da família, é uma cortina de fumaça para se controlar mais, muito mais.

Quiçá podemos nos inspirar na experiência internacional. A Rússia de Putin é pioneira na criminalização das fake news (o que o Kremlin define como fake news, é claro). “Ora, meu caro, é desonesto fazer uma comparação com a Rússia. Os russos, do czar, passando pelos comunistas até chegarmos a Putin praticamente não conhecem democracia e tem espírito propício a autocracias”, dirão, em réplica. Claro, porque o Brasil é uma democracia exemplar, onde o autoritarismo nunca germinou e que nunca conheceu ditaduras (ênfase no plural). Podemos dormir tranquilos, pois, nesta terra da liberdade tropical, não há risco de germinar nada que remeta a ditaduras. Que enterremos os memoriais, evidentes devaneios, queimemos os livros de história, obras de fabulistas, e rasguemos os documentos, produtos de uma evidente ilusão de ótica e de um delírio coletivo. Depositemos nossa confiança naqueles que nunca flertaram com o arbítrio e nunca mantiveram relações umbilicais com ditadores.

Fontes:

https://www.poder360.com.br/governo/so-teremos-escolas-seguras-com-regulacao-da-internet-diz-dino/

https://revistaoeste.com/politica/sem-votos-dino-diz-que-stf-e-governo-vao-regular-internet-na-marra/

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/ministerio-da-justica-notifica-google-para-ajustar-pagina-inicial/

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2023/05/02/ministerio-da-justica-ameaca-google-com-multa-de-r-1-mi-por-hora-e-exige-mudancas-nos-anuncios.htm

https://www.metropoles.com/brasil/felipe-neto-luiza-trajano-e-julio-lancellotti-veja-nomes-do-conselhao

https://revistaoeste.com/brasil/felipe-neto-critica-google-por-sugerir-pesquisa-que-relaciona-lula-a-corrupcao/

https://www.poder360.com.br/partidos-politicos/pt-notifica-google-por-associar-lula-a-corrupcao/

https://www.poder360.com.br/justica/que-a-verdade-prevaleca-diz-marco-aurelio-sobre-fala-cortada-em-propaganda/

https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/tse-mantem-censura-a-post-da-gazeta-do-povo-que-cita-apoio-de-lula-a-ortega/

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/bom-dia/tse-censura-reportagem-gazeta-do-povo-lula-nicaragua/

https://www.estadao.com.br/opiniao/redes-sociais-nao-podem-ser-terra-sem-lei/?utm_source=instagram:linkinbio&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:042023:e&utm_content=:::&utm_term=

https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/russia-aprova-lei-que-pune-com-15-anos-de-prisao-fake-news-sobre-mercenarios/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/03/04/russia-aprova-lei-que-pune-com-prisao-quem-espalhar-informacoes-falsas.ghtml

https://www.poder360.com.br/justica/moraes-proibe-uso-de-vpn-para-acessar-telegram-em-caso-de-suspensao/

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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