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As consequências do “Estado-babá”

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Em seu livro Sobre a Liberdade, John Stuart Mill escreveu que “o único propósito pelo qual o poder pode ser legitimamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua própria vontade, é evitar danos a outros. O seu próprio bem, físico ou moral, não é uma razão suficiente para fazê-lo”. Em apenas duas frases, Mill descreve a Regra de Ouro de uma sociedade liberal: não é correto usar a força para impedir um indivíduo de viver sua vida como ele bem entender, desde que tal indivíduo não esteja cometendo danos a terceiros.

As pessoas têm diferentes gostos e preferências, e, se eu impedi-las de fazer o que elas realmente querem, suas vidas ficarão pior — e deixar a vida das pessoas pior é imoral. Eu já escrevi no passado o que eu penso da qualidade musical do Detonautas. Porém, é condenável que eu obrigue todas as rádios do país a não tocarem “Outro Lugar”. A “ideologia” de “viva e deixe viver” já está bem aceita no mundo ocidental (ou pelo menos na maior parte dele) quando se trata de ter sua sexualidade, ou escolher sua religião ou liberdade de expressão. Porém, quando se trata de algumas questões da vida, surge o “estado-babá”.

O termo foi utilizado pela primeira vez por Iain Macleod, um político conservador britânico, em 1965. Seu significado varia entre os países da língua inglesa, mas, de uma maneira bem resumida, podemos dizer que ele se refere às políticas públicas que burocratas colocam em vigor para impedir que os cidadãos façam mal a si mesmos. Um bom exemplo é o Brasil, que proibiu os jogos de azar em 1946.

Entre as justificativas estava “que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à prática e à exploração de jogos de azar e que, das exceções abertas à lei geral, decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes”. Na época, existiam 71 cassinos no Brasil que empregavam mais de 53.000 pessoas.

Um dos grandes problemas do “estado-babá” é que não há garantias de que ele possa ser eficiente e, como sempre, no Brasil, há um exemplo: apesar da proibição da jogatina, o jogo do bicho domina várias regiões do Rio de Janeiro. Nos EUA, por ser um país onde estados e municípios têm liberdade para criar suas próprias leis, há uma série de coisas que já foram proibidas. Lareiras, sacolas de plástico, poker, alimentar os pombos, ter um pitbull, estão entre elas. Assim como por aqui, nem sempre o “estado-babá” funciona como os burocratas gostariam em outros lugares, sendo a cidade de Seattle uma excelente ilustração disso.

Em 2018, o município estabeleceu um imposto sobre refrigerantes e outras bebidas açucaradas cujo objetivo era “melhorar a saúde dos moradores”. No entanto, uma nova pesquisa mostra que o tributo saiu pela culatra de uma maneira espetacular (e hilária). O estudo descobriu que os consumidores realmente foram desincentivados a comprar refrigerantes pelo imposto, porém, eles acabaram comprando mais cerveja. Dois anos após sua implementação, as vendas de cerveja aumentaram 7% em Seattle em relação à vizinha Portland, que não tinha o tributo. Vale aqui lembrar que o consumo de álcool traz uma ampla gama de consequências negativas para a saúde e a cerveja, rica em calorias, pode contribuir para a obesidade – justamente o problema que tal tributo deveria resolver.

De acordo com o economista Antony Davies e o cientista político James Harrigan, “toda ação humana tem consequências intencionais e não intencionais”, e as políticas públicas são constantemente atormentadas pelas últimas. Os seres humanos reagem a todas as regras, regulamentos e ordens que os governos impõem, e suas reações trazem resultados que podem ser bem diferentes dos resultados pretendidos pelos legisladores. Seguramente os congressistas americanos não imaginavam que abriram o caminho para mafiosos como Al Capone ao proibir bebidas alcoólicas entre 1920 e 1933. O fenômeno é conhecido como o “Efeito Cobra”, cujo nome vem de política pública que, assim como no caso de Seattle, saiu pela culatra de maneira espetacular.

Durante a época colonial, oficiais britânicos em Nova Delhi estavam preocupados com a quantidade de cobras na cidade e, por isso, começaram a oferecer uma recompensa para cada animal capturado. No início deu certo e a população reduziu-se. Porém, para continuar tendo acesso à premiação, os indianos começaram a criar os bichos. Ao tomar conhecimento da prática, os ingleses cancelaram a premiação e os locais soltaram os répteis na cidade, causando um problema ainda maior.

Toda vez que um burocrata governamental tenta micro gerenciar nossas vidas, a tendência é que falhe miseravelmente; seja para reduzir o consumo de drogas, seja para impedir a jogatina, seja para combater os refrigerantes. Termino o texto assim como comecei – com uma frase de um grande liberal: “Um dos maiores erros que existe é julgar os programas e as políticas públicas pelas intenções e não pelos resultados” (Friedman, Milton 1975).

*Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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