fbpx

Abaixo o menosprezo ao 13 de maio: comemoremos sim!

Print Friendly, PDF & Email

O domingo (13) marcou a celebração dos 130 anos da sanção da Lei Áurea, o golpe final na escravatura. A sanção da Princesa Isabel, celebrada por todos os abolicionistas, aprovada sob o gabinete ministerial do saquarema João Alfredo, como resultado do esforço de uma geração “suprapartidária” de saquaremas e luzias, conservadores e liberais, é um dos instantes mais sublimes de nossa jovem História.

Por saber disso, experimentamos grande revolta ao ver as manifestações de sempre, todo 13 de maio, dando conta de que a princesa era uma reacionária oportunista, de que os negros libertos em geral permaneceram na pobreza, de que não há nada a comemorar e, principalmente, de que o pauperismo, a miséria e a violência de hoje, de algum modo, permitem pensar que a escravidão “não acabou” e que a Lei Áurea foi inútil. Essa cogitação já foi até tema de mais de um enredo de escola de samba, perguntando-se justamente “se a escravidão realmente acabou”.

Nem sequer entraremos desta vez no mérito (melhor seria dizer demérito) dos que alegam ser a Reforma Trabalhista (aliás, por vezes, toda e qualquer, mesmo a mais temperada por intervencionismo) uma volta da escravidão. Fiquemos no terreno dos que apontam as torpezas crônicas do quadro nacional para menosprezar a celebração de 13 de maio e dos que depreciam os protagonistas históricos da data.

Aqueles que menosprezam os esforços da princesa pelo abolicionismo, ela que era declarada defensora da causa, em geral não fazem mais que manifestar um preconceito com a monarquia brasileira infligido nas consciências pelos meios de expressão e ensino desde a implantação da República. Desnecessário dizer, como já fizemos tantas vezes, o quanto essa atitude é injusta. Tal menosprezo deriva, porém, muitas outras vezes, dos preciosismos e particularismos do movimento negro, a corrente de pensamento e panfletagem política mais racista que existe no Brasil. Não vale o 13 de maio, eles dizem, porque “aristocratas” o realizaram. Não vale, porque figuras como Isabel e Joaquim Nabuco eram a “elite branca”.

Não valerá também a celebração popular diante do acontecimento, que não distinguia a posição social dos brasileiros, como registra a História? Não valerá o esforço de negros e mulatos libertos ou filhos de escravos, como Luís Gama e José do Patrocínio, pela sua realização? O movimento negro faz que não vê, porque ambos eram jornalistas e polemistas e não lideranças de quilombos. Não interessam aí, portanto, como símbolos estereotipados e representantes de uma cultura que deveria ser, em tese, em suas mentes confusas, africana e puramente africana, sem os menores traços da tradição ocidental.

Em tempos de “aculturação” e outras loucuras inteiramente deslocadas, sobretudo, em um país como o Brasil, miscigenado por excelência, essa indiferença para com os mais ardorosos militantes da causa em prol da ode a líderes, na verdade, mais duvidosos e bem menos representativos para a vitória final, não é tanto de se estranhar. José do Patrocínio, filho de uma jovem escrava, não tinha nenhuma dessas patologias conceituais em mente quando se ajoelhou e beijou as mãos de Isabel. Aquele momento, aquele gesto simbólico, não significou para ele, como não significa para nós, negar o esforço e as lutas de todos os outros, negros ou não, para que ele se efetivasse.

Quanto aos que dizem que a escravidão não acabou – excetuando-se casos excepcionais de explorações praticadas totalmente à margem da lei -, perguntamo-nos se são capazes de ter senso de proporções. É lamentável a extrema pobreza, a miséria. É um horror a tirania do crime, que nos torna presos em nossas próprias residências, ao menos reféns das gangues e dos tiroteios. Priva-nos do exercício tranquilo da liberdade, a todo momento, a agonia nas grandes cidades.

Horroriza-nos a expressão escorchante do Estado, a surrupiar nossas riquezas e patrocinar a opressão. Nabuco disse em O Abolicionismo que a abolição completaria a obra da Independência. Dizemos nós hoje, sem dúvidas, que o enraizamento de costumes e de um imaginário liberal, o combate a uma aposta encarniçada na máquina burocrática e na política como a realização de benesses fáceis e a criação de atalhos mágicos, seria a cereja do bolo. Batalhamos para isso.

Porém, senhores, devagar com o andor. Vivemos, desde 1888, em uma sociedade onde, sob a égide da própria lei, nenhum ser humano é propriedade de outro. Nenhum ser humano pode ser ordenado a executar tarefas sem seu desejo, sem um acordo prévio, nenhum está sujeito às vontades e caprichos do outro, nenhum é “coisa” – ao menos não o pode ser sem que isso seja motivo de repúdio social amplo e, ao fim e ao cabo, caso de polícia.

Durante quase quatro séculos, o Brasil abrigou sociedades que não tinham por repugnante ou intolerável esse costume odioso. A escravidão era, com todos os méritos de nossos melhores homens de artes e Estado, a base econômica, o efeito da normalidade dos interesses. A realidade brasileira, e já como nação independente, durante quase todo o século XIX, não se explica sem a chave da escravidão. Pois então, ora bolas, impossível reconhecer menor dignidade ao momento em que esse estado de coisas terminou! O momento em que, como também disse Nabuco, a princesa regente sacramentou uma causa que poderia fortalecer o risco que já corria o seu trono. “Se a monarquia pudesse sobreviver à abolição, esta seria o apanágio. Se sucumbisse, seria o seu testamento”, resumiu.

Antes de tudo, o fim da escravidão é prova de que características antigas e profundas na sociedade brasileira não são necessariamente imutáveis. É prova de que não temos justificativa para o absoluto conformismo e a inação pessimista e desconsolada. Também, entretanto, é o momento em que a sociedade brasileira passa a estatuir como objetivo definido que todos os seres pensantes e racionais que caminham sobre esta terra são, sem distinção, seus cidadãos, sob a égide de suas leis e partilhando da fruição de seus direitos.

Celebrar, sim, nos cabe. Celebrar e nos deixar imbuir da disposição para que nossas leis, nossa vida pública, nossos costumes, sejam dignos da sublimidade daquele momento. Lutar, por fim, para que nos libertemos da pequenez e dos riscos despóticos contemporâneos, encarnando o espírito dos que puseram fim aos despotismos de ontem.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

Pular para o conteúdo