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A saída do Brasil do Tribunal Penal Internacional

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Um golpe contra a Constituição e a Democracia?

Em 17 de março deste ano, o Tribunal Penal Internacional (TPI) expediu mandado de prisão contra Vladimir Putin por crimes de guerra — incluindo a deportação ilegal de crianças da Ucrânia para a Rússia. O Brasil é membro fundador do Estatuto de Roma, o tratado internacional que criou o TPI.

O país, entretanto, está atualmente envolvido em um debate sobre a possibilidade de se retirar do TIP, protagonizado pelo atual governo do presidente Lula (PT), o que levanta questões críticas relacionadas à democracia e ao Estado de Direito.

O Tribunal foi criado para julgar os piores crimes internacionais – genocídio, crimes de guerra, crime de agressão, crimes contra a humanidade – cometidos por chefes de Estado e outras altas autoridades que sempre usavam da sua posição de poder para não ter de responder à Justiça. A discussão sobre a saída do TPI enfraquece o compromisso do Brasil com a justiça internacional, uma vez que a entrada no grupo representou um compromisso claro nesse sentido, especialmente no que diz respeito à responsabilização de líderes políticos e militares por crimes internacionais.

Uma possível saída levanta também preocupações sobre o comprometimento do governo brasileiro com os direitos humanos. A relação pessoal que o presidente Lula possui com líderes políticos internacionais pouco preocupados com a questão dos direitos humanos e democracia, como o caso do nicaraguense Daniel Ortega, do venezuelano Nicolás Maduro, do russo Vladimir Putin e de vários líderes africanos, pode ser um indício de que o presidente estaria misturando seu papel institucional com suas vontades e interesses pessoais. O compromisso com os direitos humanos não deve ser uma questão partidária, mas sim uma prioridade nacional. Todos os partidos políticos, incluindo o PT, têm a responsabilidade de defender e promover os valores democráticos e os direitos humanos em todas as instâncias, independentemente de suas alianças políticas.

A fim de mostrar o comprometimento do Brasil tanto com a justiça internacional como com a promoção dos direitos humanos, a Constituição Federal, no seu art. 5º, §4º, estabelece que “O Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.” Este dispositivo tornou-se cláusula pétrea de acordo com o artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição, que dispõe expressamente não ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais, cujo cerne é exatamente o artigo 5º. Isso reflete o compromisso do país com a cooperação internacional em prol da Justiça para coibir graves violações de direitos humanos. Assim, uma possível “revisão do papel brasileiro em relação ao TPI” (como salientou o ministro da Justiça Flávio Dino) não só violaria uma norma internacional, como uma norma brasileira constitucional da maior importância. Qualquer emenda tendente a suprimir essa obrigação seria simplesmente um golpe.

Em resumo, a possível saída do Brasil do Tribunal Penal Internacional é não apenas questionável do ponto de vista político, mas também inconstitucional. A adesão ao TPI não é apenas um compromisso internacional, mas também uma garantia individual de defesa dos direitos humanos e da liberdade, refletida no artigo 5º da Constituição, que é uma cláusula pétrea e não admite supressão. Essa medida suscita questões críticas sobre a coerência política e a responsabilidade das lideranças políticas nacionais em cumprir os princípios democráticos e os valores universais. Ao mesmo tempo, ela desafia a própria base constitucional do país, além de ser uma grande ironia vindo de um setor político nacional que criou, nos últimos anos, a narrativa de que governos anteriores eram descompromissados com os direitos humanos e a democracia.

Mas deve estar tudo bem, se é o presidente Lula quem diz.

(*) Bernardo Santoro é cientista político e advogado, mestre e doutorando em Direito. É Conselheiro do Instituto Liberal e sócio do escritório SMBM Advogados (smbmlaw.com.br).

Paulo Emílio Borges de Macedo é advogado, Doutor em Direito Internacional e professor de Direito Internacional da UERJ. É Conselheiro do Instituto Liberal e sócio do escritório SMBM Advogados (smbmlaw.com.br).

 

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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