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Política Industrial, Corrupção e os Campeões Nacionais

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Um dos resultados mais importantes em matéria de política industrial vem dos modelos e estudos de autores buscando entender a questão da corrupção desde o prisma do intervencionismo. DiTela e Ades fornecem contribuição relevante ao buscar esmiuçar os efeitos das políticas de Campeões Nacionais e do industrialismo em termos de corrupção. Em um artigo publicado em 2013, quando esclarecíamos questões a respeito dos custos da regulamentação, chegamos a mencionar os resultados daquele trabalho importante que foi publicado noThe Economic Journal, hoje iremos expor um pouco mais detalhadamente esses resultados e fazer um breve paralelo com as investigações conhecidas como Lava-Jato no Brasil.

Introdução

Ignorando de alguma forma o debate acadêmico sobre os efeitos positivos e negativos da política industrial em termos de potencial de crescimento e desenvolvimento econômico, Ades e DiTela se interessam mais precisamente aos empecilhos que eventualmente impediriam ou dificultariam a que as políticas intervencionistas atingissem plenamente seus objetivos. Em National Champions and Corruption o objetivo dos autores foi examinar quando os possíveis e eventuais benefícios do industrialismo (política industrial ativa, intervencionismo) poderiam sofrer impactos negativos e ligados à corrupção que frequentemente envolve as campanhas industriais e busca de privilégios regulamentários junto às instâncias governamentais. Ou seja, qual a relação entre a política industrial, seus resultados e a corrupção?

De fato, o argumento teórico é que uma política industrial ativa transfere renda em favor de determinados setores ou firmas favorecidas, algo que descrevemos popularmente como política dos « Campeões Nacionais ». O mais recorrente nesse ambiente de relações estreitas entre os membros do governo e os grêmios de industriais engajados politicamente é que todo o processo de fabricação, ajustamento, aplicação, revisão e correção das políticas setoriais seja pautado pelos « pots de vin » ou pelo « quem quer rir há de fazer rir »: uma lógica que coloca as máfias ordinárias e os negócios envolvendo o governo em patamar de equivalência. Rigorosamente, os burocratas institucionalizaram formalmente ou informalmente mecanismos de extração de parte da renda que o privilégio legal conferiria plenamente aos industriais. Dito de outra forma, os agentes do governo requerem sua parte do grande bolo que consiste o pacote de privilégios concedidos junto aos grupos de industriais.

Admitindo que a corrupção é reconhecidamente algo que impacta negativamente sobre os investimentos e sobre o crescimento econômico, o efeito total da política industrial seria então ambíguo — sobretudo do ponto de vista dos níveis de investimentos em geral e em pesquisa e desenvolvimento. Teríamos um efeito positivo associado à extração de recursos via impostos e transferência direcionada às políticas de investimentos industriais (sim, não se espante, esse é o argumento dos apologistas da política industrial ativa), e um efeito negativo e mais indireto associado ao impacto e crescimento da corrupção (além dos outros efeitos indiretos e diretos).

Ao dissociar os efeitos da política industrial, e por minha parte ignorando momentaneamente a completa falta de embasamento teórico consistente para qualquer política industrial ativa (tarefa bastante difícil), Ades e DiTela puderam fazer então emergir de seus modelos os efeitos líquidos das políticas industriais. Isto quer dizer, se os efeitos líquidos forem negativos, a política industrial na verdade é um empecilho ao investimento e à pesquisa e ao desenvolvimento econômico. Dito de outra forma, raramente a política industrial consegue atingir os objetivos efetivamente almejados dada a assimilação das questões envolvendo a corrupção: e a corrupção deve forçosamente entrar em conta quando se avalia os custos e benefícios da política industrial.

Resultados Empíricos

Os resultados de Ades e DiTela evidenciam o quanto devemos ser cautelosos ao pregar o pleito por uma política industrial ativa, sobretudo em países cujos índices de corrupção estão entre os mais elevados. Na verdade a própria lógica industrialista é um estímulo para a formação de cartéis políticos e econômicos envolvendo agentes do governo e empresas nacionais. As medidas mais populares em matéria de política industrial (barreiras protecionistas, facilidades em matéria de política fiscal, facilidades aos grupos de campeões nacionais em processos licitatórios e política de subsídios) estão diretamente associadas e positivamente correlacionadas com maiores (custos) índices de corrupção.

Na tabela mais acima percebemos o conjunto de variáveis dependentes do modelo e elas correspondem aos diferentes índices de corrupção conforme os controles aplicados aos mesmos. Vemos que a variável PROCUR (abertura do setor público às firmas estrangeiras ou concessão de privilégios aos grupos nacionais) está positivamente associada aos índices de corrupção: ou seja, quanto maiores forem os privilégios normativos concedidos aos grupos nacionais maiores os índices de corrupção. Dando sequência vemos que a variável FISCAL (concessões de privilégios fiscais aos grupos nacionais) está também positivamente associada à corrupção: maiores os privilégios fiscais maior a corrupção (11,96%). Esses resultados são robustos e corroboram também variáveis dizendo respeito aos mecanismos de subsidio (SUBSID89) e de ajuda específica aos setores manufatureiros (SUPPM87), como podemos ver mais abaixo.

E no entanto, essas (políticas supracitadas) são as recomendações mais populares nos discursos dos especialistas do industrialismo brasileiro: aquela turma geralmente entoando todos os já conhecidos argumentos em favor de uma política industrial ativa, notadamente em um período de tão dura recessão. O caminho de retomada para o crescimento passaria, nos dizem, pela retomada dos investimentos industriais e vantagens que uma política industrial ativa engendraria para toda a cadeia de setores, inclusive por incrementar os ganhos em atividades ditas mais complexas (essa palavra é a nova moda em termos de argumentos sem qualquer relevância). Há certamente algo de perverso nessa lógica industrialista, como comprova o caso brasileiro.

A Lava Jato e o Industrialismo Brasileiro

Os escândalos da Lava Jato não fazem mais do que expor o que esses importantes resultados da teoria e da literatura econômica apresentaram de maneira tão clara. A Lava Jato consiste em nada mais do que a investigação dessa ligação e associação entre as grandes empreiteiras e grupos nacionais e a corja de parasitas integrando a esfera regulamentária federal: o que envolve desde burocratas de secretarias até membros do governo executivo, passando pelos integrantes do parlamento, legisladores, integrantes da magistratura, partidos políticos e órgãos de fiscalização e polícia.

A Lava Jato consiste justamente na parte feia do industrialismo que é colocado em prática, trata-se do jogo de bastidores, das propinas, dos desvios de verba, do financiamento ilícito, da lavagem de dinheiro, da superfatura, das empresas fantasmas, dos esquemas de favorecimento de políticos, da privatização dos recursos públicos e dos favores buscando, ao mesmo tempo, perpetuar grupos de campeões nacionais e pelegos políticos e funcionários públicos corruptos. O industrialismo jamais poderia operar sobre uma lógica de racionalidade econômica (Ver trabalhos de Ludwig Von Mises sobre aBurocracia e o Intervencionismo). Suas diretivas de alocação de recursos, suas decisões de ordem orçamentária, o conjunto de suas medidas políticas, sua maneira de arbitrar entre os mais diversos e extensivos dispositivos econômicos visando estimular indústrias, ou a própria política de seleção dos participantes se pautam em critérios de ordem puramente arbitrária e não respondendo a qualquer lógica efetivamente econômica ou de uma ordem comparável à vigente nos mercados quotidianos. A política industrial consiste exatamente nisso que é quase sempre jogado debaixo do tapete e que processos como a Lava Jato insistem em expor de forma crua à sociedade clamando pelo fim da corrupção. A hipocrisia não poderia ser maior, visto que boa parte dos especialistas e intelectuais incomodados com os efeitos nefastos de uma ordem social pautada na corrupção é composta pela casta de economistas intervencionistas, socialistas engajados e políticos populistas.

É necessário dizer que Ades e DiTela são especialistas no estudo das causas e efeitos da corrupção de um ponto de vista estritamente econômico, e devemos lembrar que a corrupção não exclui e não se restringe aos problemas econômicos, e nem se restringe aos dispositivos procurando favorecer grupos regionais. Ela está presente em diversos campos da conduta social e é parte integrante de qualquer atividade envolvendo a esfera estatal: não devemos negligenciar que a mesma lógica que vale para projetos e ações pautando a política industrial nacional e ativa, vale para os grupos internacionais aos quais o governo concede privilégios de qualquer sorte.

Existem, portanto, mecanismos e variáveis que em qualquer escala se relacionam negativamente com a corrupção, que reduziriam sua probabilidade ou que atenuariam seus efeitos: uma das mais importantes, nos ensinaram os especialistas, é a concorrência. Resultados de Ader e DiTela (1997) corroboram efetivamente as teorias associando menor corrupção conforme crescem os índices de competição: países onde as firmas conseguem rendas políticas mais elevadas estão associados a maiores índices de corrupção, ambos negativamente correlacionados com índices de competição. Regiões oferecendo abrigos protecionistas e seleção de campeões nacionais reduzem a concorrência e facilitam uma ordem social pautada no industrialismo e na corrupção.

Conclusivamente, é fato que atualmente no Brasil existe um clamor popular para uma modificação do sistema estatista instaurando uma ordem social pautada na corrupção. Uma defesa coerente dessa lógica passa pela “privataria”, pela aceitação de abstenção do governo de todas as atividades que não lhe dizem respeito, pelo abandono do industrialismo, pela incorporação dos valores da propriedade privada, da concorrência generalizada e da ordem social pautada na responsabilidade individual.

Referências

Ades, A.; DiTela, R. National Champions and Corruption: Unpleasant Interventionist Arithmetic. The Economic Journal, v. 107, p. 1023:1042, 1997.

Ades, A.; DiTela, R. Rents, Competition and Corruption. The American Economic Review, v. 89 (2), p. 982:993, 1999.

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Matheus Bernardino

Matheus Bernardino

Economista (Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne)

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