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PEC do Orçamento: uma revolução gloriosa? (primeira parte)

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O Senado aprovou ontem a PEC 358/13, sobre o Orçamento Impositivo, que agora volta à Câmara dos Deputados. Criticada pela esquerda, que adora dar discricionariedade ao poder executivo, e por parte da direita, que tem medo de ver Bolsonaro refém do Congresso, a proposta significa, pelo menos do ponto de vista teórico, a consolidação de um processo de avanço significativo na política fiscal brasileira e no desenvolvimento econômico do país, que deve ser compreendido em complemento à Emenda Constitucional 86/2015(1), também sobre o Orçamento Impositivo, e à Emenda Constitucional 95/2016(2), conhecida como Novo Regime Fiscal.

Enquanto o Teto passou a estabelecer uma métrica para os gastos públicos, a imposição do orçamento dita que as regras não podem ser alteradas durante o jogo, além de haver uma positiva tendência de desconcentração de poder, na medida em que as emendas deixarão de ser liberadas conforme a conveniência do poder Executivo, dando maior autonomia ao parlamento.

A Perspectiva Institucionalista

A corrente inaugurada pelo economista Douglass North (Prêmio Nobel em 1993) deu origem a uma série de pesquisas a respeito da relação entre instituições e desenvolvimento econômico. Para o caso da Grã-Bretanha, alguns historiadores econômicos localizaram as origens do desenvolvimento financeiro moderno nas mudanças políticas produzidas pela Revolução Gloriosa de 1688: o início da preeminência parlamentar que estabeleceu o compromisso em honrar a dívida pública também teria favorecido a proteção dos direitos de propriedade, impulsionando o financiamento privado e a capacidade de mobilização de capitais. A coalização dos Whigs com orientações pró-comércio e a favor da limitação da interferência governamental deu início a um processo em que “as instituições responsáveis pela estabilidade da dívida pública proporcionariam uma grande e positiva externalidade para o desenvolvimento paralelo de um mercado financeiro privado. Pouco depois de sua formação para intermediar a dívida pública, o Banco da Inglaterra e outros bancos iniciaram operações privadas, proporcionando uma estrutura institucional para reunir as poupanças de muitos indivíduos e para a intermediação entre devedores e credores. Um vasto leque de títulos e instrumentos negociáveis surgiu no início do século XVIII e estes foram usados para financiar um grande leque de atividades”(3), que desembocariam na Revolução Industrial.

Apesar das especificidades do caso britânico, a transferência da autoridade fiscal para o poder legislativo e suas consequências positivas não se limitou àquele país. Outros pesquisadores(4) iriam encontrar um processo semelhante de adoção de controles legislativos sobre as finanças públicas nas cidades-Estado italianas durante a Renascença, na República Holandesa e nos Estados Unidos, casos mais emblemáticos de inovações financeiras na história do mundo moderno. Segundo estes autores, em todos eles as mudanças institucionais que deram competência fiscal ao parlamento e criaram o compromisso creditício do Estado (credible commitment) também ajudaram a promover o desenvolvimento financeiro de longo prazo.

Além da análise de como a autoridade fiscal legislativa possibilita que credores monitorem o Tesouro, gerando melhores acessos e condições de financiamento ao Estado, acadêmicos que trabalham com o tema apontam que a garantia em honrar a dívida pública também possibilita que o mercado de capitais se desenvolva sem os obstáculos de violações estatais ao direito de propriedade. Segundo esses teóricos, finanças públicas sólidas são um pré-requisito para o desenvolvimento financeiro, que, por sua vez, é necessário para o crescimento econômico, tendo em vista que geram consequências profundamente benéficas para o setor real da economia: as empresas conseguem levantar capital de forma mais acessível, diminuindo o custo de se fazer negócios.

Embora a historiografia econômica de caráter institucionalista tenha se expandido ao redor do mundo, essa linha de pesquisa ainda encontra bastante resistência no Brasil, onde a academia é marcada pela predominância do estruturalismo, sobretudo aquele de caráter marxista.

Um dos poucos trabalhos que investigam o caso brasileiro é o do brasilianista William Summerhill, que analisa o relativo sucesso do Brasil Imperial na gestão da dívida pública, apontando considerações importantes a respeito do desenvolvimento nacional e que podem contribuir para a compreensão das recentes mudanças na política fiscal do nosso país. Sua tese central é a de que, embora o Estado brasileiro tenha implantado um sistema de finanças públicas sem precedentes na América Latina e com bastante credibilidade no mercado internacional, o setor financeiro privado não se desenvolveu conforme a tese proposta por seus pares. Segundo o historiador, o subdesenvolvimento financeiro do Brasil seria resultado de um cenário de pouca competição bancária, falta de segurança jurídica e altas barreiras institucionais ao mercado de capitais, que, por sua vez, decorreriam da intensa ingerência estatal no setor através de uma política monetária centralizadora.

O período de disputas políticas sobre o tema durante as décadas de 1850 e 1860 foi marcado, especialmente, pelo monopólio de emissão de notas bancárias pelo Banco do Brasil, pela restrição às atividades de outros bancos (sobretudo os provinciais) e pela chamada Lei dos Entraves(5) (Lei nº 1083/1860), que dificultava a criação de companhias e sociedades no Império (destaca-se, por exemplo, a exigência de aprovação do parlamento, do Gabinete de Ministros e do Conselho de Estado para a incorporação de bancos e sociedades anônimas no país). Dessa forma, a tese central de Inglorious revolution: political institutions, sovereign debt, and financial underdevelopment in imperial Brazil aponta que, apesar da preeminência do poder legislativo na política fiscal ser um elemento necessário para o desenvolvimento econômico, ele não é suficiente.

Este artigo foi dividido em duas partes. Para ler a segunda parte clique aqui.

Referências

1 – Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc86.htm.

2 – Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm.

3 – NORTH, Douglass C.; WEINGAST, Barry R. Constitutions and commitment: the evolution of institutions governing public choice in seventeenth-century England. The journal of economic history, v. 49, n. 4, p. 803-832, 1989.

4 –  Além do trabalho de North, podemos destacar as obras de Barry Weingast (The Political Foundations of Limited Government); Avinash Dixit e John Londregan (Political Power and the Credibility of Government Debt); Kenneth Schultz (The Democratic Advantage: The Institutional Sources of State Power in International Competition); Emanuel Kohlscheen (Sovereign Risk: Constitutions Rule); David Stavasage (Public Debt and the Birth of the Democratic State); e Gary Cox (Sovereign debt, political stability and bargaining efficiency).

5 – Lei nº 1083, de 22 de agosto de 1860. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM1083.htm.

Sobre o autor: Lucas Cabral Zanoni é graduando em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

 

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