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O problema não é a ganância, mas o inchaço do Estado

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Dia desses, discutíamos numa mesa de bar a corrupção endêmica na Petrobras quando alguém resolveu levantar o velho sofisma da ganância como causa principal do problema.  Por mais despropositado que nos possa parecer, este não é um argumento raro, nem está presente apenas na boca de energúmenos.  Gente do quilate de um Joaquim Barbosa, por exemplo, já andou dizendo platitudes do gênero.

De pronto, rebati aquela bobagem citando o economista Lawrance H. White, para quem “culpar a ganância dos agentes pelo problema é o mesmo que culpar a força da gravidade pela queda de um avião”. Tal qual a gravidade nos eventos de natureza física, a ganância estará quase sempre presente nas interações dos indivíduos no mercado.  Perguntei então quem ali, de forma legítima, não optaria pelo preço que proporcionasse o maior lucro possível na venda de um carro usado?

Aqueles de nós que defendem o verdadeiro capitalismo, não raro costumam enfrentar esse tipo de argumento, onde a ganância de uns poucos privilegiados é responsável não apenas pelos mais diversos crimes, mas também pela pobreza atroz da humanidade e pelo aumento constante das desigualdades. Vejam a seguinte passagem, da lavra do papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium:

Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, a maioria está cada vez mais longe do bem-estar da minoria feliz. Esse desequilíbrio resulta de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Daí, negam o direito de controle dos Estados e sua aplicação para bem comum. Uma nova tirania invisível, por vezes virtual, que impõe, implacável e unilateralmente, suas leis e suas regras se instaurou… Tudo isso, adicionado a uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões globais. O desejo de poder e de ter não conhece limites. Neste sistema, que tende a engolir tudo a fim de aumentar os lucros, qualquer coisa que é frágil, tais como o ambiente, é impotente frente aos interesses de um mercado divinizado, convertido em regra absoluta.

Esta é a imagem que muitas pessoas têm do capitalismo ao redor do mundo, um sistema que privilegia a ganância das grandes corporações em detrimento de todo resto. Um sistema que pretende tirar poderes do estado para facilitar a tirania do capital.

Embora o papa não esteja muito errado no seu diagnóstico a respeito do capitalismo praticado atualmente na maioria dos lugares, ele erra na solução: sua receita é dar mais poder e dinheiro aos governos, algo análogo a tentar curar um viciado com doses maciças de droga.

O papa provavelmente nunca parou para pensar nisso, mas existem basicamente duas maneiras de um empresário tornar-se bem sucedido – ambas movidas pela ganância. Na primeira, ele deve produzir bens ou serviços que atendam aos interesses do consumidor, gerando resultados desejáveis para a sociedade. Na outra, utiliza-se de meios políticos para obter do governo vantagens para o seu negócio.

Aqueles que, como Francisco, condenam o sistema de livre mercado normalmente o fazem considerando que exista apenas a segunda alternativa, e que tal modelo seja sinônimo de capitalismo liberal.  Não é!

O que existe hoje na maior parte do mundo nem de longe se assemelha ao capitalismo de livre mercado, mas algo completamente diferente.  Alguns chamam de “capitalismo de compadres”, outros de “capitalismo de Estado”.  Em resumo, trata-se de uma parceria predatória, que junta governo e grandes conglomerados, com o fito de extrair riqueza da sociedade para seus próprios benefícios.

O fato de que muitos sofram sob esse sistema perverso, como menciona o papa, entretanto, não deveria ser nenhuma surpresa. O cronismo predatório tem imperado ao longo da maior parte da história humana, tendo sido o principal obstáculo ao progresso econômico de muitos países, desde priscas eras, como tão bem relatam, com riqueza de detalhes, Daron Acemoglu e David Robinson no excelente “Por que as Nações fracassam”.

Na verdade, pode-se argumentar que o cronismo é tão antigo quanto a história da humanidade, tendo sido o sistema dominante através dos tempos, com raríssimas exceções por curtos períodos (principalmente no Ocidente, nos Séculos XVIII e XIV). Como bem demonstram Acemoglu e Robinson, foi precisamente por causa do cronismo (que eles chamam de modelo extrativista) que a humanidade foi incapaz de alcançar progressos maiores na superação da pobreza.

O problema não está na ganância, que é algo inerente ao ser humano, mas na existência de modelos que a direcionem para a pilhagem da propriedade alheia.  Sempre que os governos detiverem poder tanto para levar empresários à fortuna quanto à ruína, o compadrio político será inescapável. Tocar um negócio num sistema competitivo, obtendo lucros exclusivamente através da troca voluntária de mercadorias e serviços, não é algo fácil e envolve imensos riscos. Obter benesses e contratos altamente lucrativos junto a políticos e burocratas é muito mais fácil.

Portanto, quanto maior e mais poderoso é o governo, especialmente quando o Estado se confunde com o próprio sistema econômico, mais os empresários sentir-se-ão incentivados a buscar rendas através do desvio de dinheiro público e dos favores especiais, e não pela eficiência, pela inovação e pela satisfação do consumidor.

 

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

3 comentários em “O problema não é a ganância, mas o inchaço do Estado

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    15/12/2014 em 5:52 pm
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    Mais um pouquinho do pensador genial:

    ““o indivíduo é nesse caso posto de lado como um inseto desagradável: está baixo demais para poder despertar por mais tempo sentimentos torturantes em um dominador do mundo. (…) Assim também se passa com o juiz injusto, com o jornalista que com pequenas deslealdades induz em erro a opinião pública.”” (Nietzsche)

    Isto sim era um pensador com o dom da profecia!!!

    Muito do que este brilhantíssimo pensador se deu ao trabalho de pensar e expor é fundamental para se entender tanto as massas quanto seus manipuladores, entender tanto os membros dos rebanhos quanto seus pastores.

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    15/12/2014 em 5:38 pm
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    Como certa palavra anda na moda atualmente e em vista da divulgação crescente dos casos de estupro, vou fazer um paralelo entre a ganância e o tesão.

    Ora, dizer que a ganância é culpada pelas canalhices daqueles que ambicionam riquezas ao ponto de não mais deseja-las como meio para o próprio conforto (ambição material), mas sobretudo como meio de exibirem-se mais potentes, adquirir fama e influência no Poder estabelecido, é o mesmo que dizer que a culpa dos estupros é do tesão.
    A comparação é absolutamente perfeita. Já que a vontade de ter riquezas (ganância) sequivale a vontade de praticar sexo (tesão).

    Imagine-se o tal sujeito alardeando um discurso contra o tesão, o qual tem levado a crimes brutais. Certamente que todos iriam chama-lo de um completo imbecil, e com absoluta razão.

    Ocorre que a celebridade ideológica que enseja o culto à personalidade, de um personagem que mais parece destaque de escola de samba, tal a forma com que se faz apresentar diferenciado dos comuns mortais. A fim de afirmar sua ideológicamente alegada superioridade já tida mesmo como infalibilidade.
    Ocorre que tal patusco personagem vive em meio a riqueza com seus cálices e penicos de ouro. Não habita uma choupana, mas palácios. A organização que preside nem mesmo escapa de escandalos de corrupção envolvendo vultuosas quantias; as propriedades desta organização que vende “bondade” e “humanismo” fazem dela a empresa mais rica do planeta. Assim, sob a conversa fiada de salvarem os espiritos ou as almas, tais funcionários de tal organização se imiscuem em assuntos terrenos materiais com o seu populismo milenar com o mesmo interesse que políticos o praticam: A AMBIÇÃO PELO PODER.

    Como George Orwell bem comentou com precisão, se não me engano, o PODER é MEDIDO através da IMPOSIÇÃO de CONTRARIEDADES aos submissos. QUANTO MAIS CONTRARIEDADES OS SUBMISSOS SUPORTAM, MAIOR é a medida do PODER daqueles que IMPÕEM tais contrariedades para aferirem o GRAU de DOMINIO que possuem sobre seus SUBMISSOS.

    Não é por acaso que líderes ideológicos desenvolvem MANIA de PROIBIÇÃO. Menos acaso há no fato destas proibições serem sempre para negar o prazer aos indivíduos ou causar-lhes sofrimentos.

    Os líderes islâmicos com sua ideologia absurda, icluso a existência de dezenas de virgens renováveis a premiar fanátizados que desprezem a própria vida em nome da ideologia, matando inocentes ao se explodirem, também se tornaram mestres em proibições tanto quanto em recomendações estupidas.
    O cristianianismo, seis seculos mais antigo, já foi uma aberração ideológica tão nociva quanto é atualmente o islamismo. Certamente a quantidade de sofrimentos que impigiu durante seculos, bem como as dissidências que produziu levando ao temor de se dissolver ante o combate intelectual o fez moderar-se. Perdeu Poder sobre os submissos já nem tão submissos.

    O patusco personagem segue as razões da origem de sua organização. Afinal, o Império Romano, que sucedeu a república, estava em decadência, sustentar tal Poder exigia recursos exagerados e uma habilidade impossível para solucionar disputas entre interesses materiais e intelectuais. Até mesmo a inflação de moeda (mistuira de metais) produzia elevação de preços, comprar apoio não era barato. Nada melhor então do que fazer alianças espúrias com toda sorte de “guerreiros” e melhor ainda se tornasse o povo pagador de tributos em uma massa sem brio, sem vontade de prosperar e agarrada ao absurdo valor moral da SERVIDÃO.

    Assim, uma ideologia que tornasse a justa ambição um depreciativo moral e a SUBMISSÃO um valor moral era tudo que o Poder organizado podia querer para MANIPULAR POPULAÇÕES ansiosas por valores morais fáceis a lhes compensar a penúria material. Logo, tudo que seria baixo foi propagandeado como valor moral: a pobreza, a servidão, a covardia, o caráter amolecido, a resignação ante o sofrimento, a aceitação bovina triunfante de se submeter aos “pastores” ou “vaqueiros estatais”, concedendo-lhes como se UNGIDOS ou ESCOLHIDOS de deus para governar o direito divino de arbitrar sobre a vida de todos e extorquir-lhes tanto quanto desejassem. Deu certo! Nas epistolas de Paulo, ou Romanos, este afirma com todas as letras que aqueles que governam são os escolhidos do deus e que o referido deus atribui ao povo o DEVER de PAGAR-LHES IMPOSTOS. Afinal os “escolhidos” devem viver na riqueza porque deus assim quer. Já o rebanho deve se vangloriar da própria submissão e mesmo da riqueza de seus “escolhidos governantes”. …é dureza, mas é vero.

    Não é por acaso que quando as idéias liberais tomavam corpo contra os arranjos estatais, daqueles que se ostentavam alinhados com o cristianismo, resolveu-se “COLOCAR UM BODE NA SALA”. Assim, uma outra ideologia aparentada, em FRANCO SINCRETISMO, apresentou-se como oriunda de um novo profeta, como ha muito não se via, que profetizava como um ateu. Sua ideologia, semelhantemente, fundava-se em promessas de um “Paraíso comunista” num futuro sem data, incerto, bem como de um milênio socialista, com direito a apocalipse triunfante e tudo mais. Ocorre que tal ideologia propunha uma tirania já um tanto desgastada e desprezada pelo povo. Porém esta ideologia em seu resultado, dialéticamente se percebia como a síntese idêntica à tese a qual afirmava se opor. Tão estapafurdia que sua catinga fez com que a crítica ao status quo fosse calada a fim de combate-la e a velha ideologia ganhou um “upgrade”. Porém, como o sincretismo era flagrante, com lei da usura, critica ao acumulo de tesouros na terra, critica ao egoísmo/ganância e demais baboseiras com o mesmo odor, a população acabou acostumando-se com o fedor do bode. Assim, não foi dificil o enrabichamento entre líderes e pregadores das ideologias que foram elaboradas para GARANTIR o PODER como um DIREITO, fundamentado em ideologia sentimentaloide com promessas paradisíacas para um futuro incerto.

    Contudo, F. Nietzsche (um ateu) foi o primeiro a fazer a critica ao socialismo escancarando a sua essência. Fez isso antes mesmo da experiência que CONFIRMOU exatamente aquilo que o grande pensador não escondeu de ninguém.

    “Nietzsche, escreveu o seguinte em seu livro “Humano demasiado humano” que, com “Aurora”, “genealogia da moral”, “Para além de bem e mal” e outros, é genial:

    “O Socialismo é o fantasioso irmão mais jovem do quase decrépito despotismo, o qual quer herdar. Suas aspirações são, portanto, no pleno sentido mais profundo, reacionárias. Pois ele deseja uma plenitude de Poder estatal como só a teve alguma vez o despotismo, e até supera todo o passado por aspirar ao aniquilamento formal do indivíduo: o qual lhe parece como um injustificado luxo da natureza e deve ser melhorado e transformado por ele em um ‘órgão da comunidade’ adequado a seus fins.
    Devido a sua afinidade, o Socialismo sempre aparece na vizinhança de toda excessiva manifestação de poder, como o antigo socialista típico, Platão, na corte do tirano siciliano: ele deseja (e em algumas circunstâncias promove) o estado ditatorial Cesário deste século, porque, como foi dito, quer ser seu herdeiro. Mas mesmo essa herança não bastaria para seus objetivos; ele precisa da mais servil submissão de todos os cidadãos ao Estado absoluto, como nunca existiu nada igual; e como nem sequer pode contar mais com a antiga piedade religiosa ante o Estado, tendo, queira ou não, que trabalhar incessantemente por sua eliminação – pois trabalha para a eliminação de todos os Estados existentes -, não pode ter esperança de existir a não ser por curtos períodos, aqui e ali, mediante o terrorismo extremo. Por isso ele se prepara secretamente para governos de terror e empurra a palavra ‘justiça’ como um prego na cabeça das massas semicultas, para despojá-las totalmente de sua compreensão (depois que este entendimento já sofreu muito com a semi-educação) e criar nelas uma boa consciência para o jogo perverso que deverão jogar.“”

    O objetivo ideológico é o Poder e sua manutenção, fazendo com que jumentos corram atras da cenoura na ponta da vara amarrada em seus pescoços.
    .

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    15/12/2014 em 4:02 pm
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    João Luiz, penso que a expressão conceitual “Capitalismo de Estado” adequa-se com perfeição ao manequim da política econômica desenvolvida pelo Estado Chinês, que é politicamente uma ditadura comunista, portanto, sem liberdades, sustentada por uma suculenta, vigorosa e gananciosa economia capitalista. A China, ao meu ver, encontrou a solução para o socialismo marxista ou ditadura do proletariado. Afinal, é muito melhor que muitos façam o bolo para poucos do que dividí-lo entre todos!
    O que diria Marx, vivo estivesse analisando esse “capitalismo chinês”? Acredito que diria algo assim: “Meu Deus, o capitalismo se adapta a qualquer regime político já concebido pela humanidade.” Por isso mesmo podemos dizer, como você tem razão, que o liberalismo é outra coisa, bem diferente e casa de forma perfeira com a Democracia, de preferência comandada por gente decente.

    Sua análise está ótima, como sempre.

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