O justo combate à adultização não pode servir de cavalo de Troia para a censura

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No momento em que escrevo este artigo, o vídeo do youtuber Felca intitulado “Adultização” já conta com mais de 38 milhões de visualizações no YouTube e com mais de 250 mil comentários, sendo, provavelmente, o assunto predominante nas redes sociais nos últimos dias. Não é para menos: o vídeo, que pode muito bem ser visto como um documentário, escancarou a podridão da sexualização das crianças no ambiente virtual.

Tão logo o vídeo viralizou, políticos de esquerda como Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Gleisi Hoffmann (PT-PR) se manifestaram usando-o como uma justificativa para a “regulamentação” das redes, e o próprio governo Lula anunciou que elaborará um projeto com esse espírito. Ardilosos, fazem um movimento estratégico muito lógico, capitalizando em cima da reação unânime ao que foi revelado por Felca. Se a sociedade pede, com razão, a adoção de medidas para combater a adultização, é preciso estar atento para que isso não se converta em um cavalo de Troia para aumentar a censura nas redes. Urge lembrar que, no Brasil, é comum a inclusão de “jabutis” em projetos de lei, e devemos estar atentos, pois a base governista, que, desde o malogro do PL da Censura, tenta emplacar a tal “regulamentação” na pauta do Congresso, não desperdiçará a chance de usar o tema para tentar aprovar novas investidas de caráter político contra a liberdade de expressão nas redes. Esse pessoal não têm pudor em usar tanto a sensibilidade quanto a infância para atingir seus objetivos; basta lembrar quando o então ministro da Justiça, Flávio Dino, usou atentados em escolas para favorecer suas bandeiras políticas e criticar seus rivais, fazendo um verdadeiro proselitismo político sobre os cadáveres de crianças.

Longe de ser a comprovação de que as redes são um ambiente sempre hostil, que carecem do mais severo controle, o caso revela o exato oposto: a necessidade da liberdade de expressão e quão deletéria é a censura. Comecemos pelo último ponto.

A mesma crítica — sexualização de menores — presente no vídeo do Felca contra o influenciador Hytalo Santos já havia sido feita pela apresentadora Antônia Fontenelle em 2024, com a diferença de que, nesse caso, ela foi processada por Hytalo e teve que remover de suas redes sociais o vídeo onde o citava. Defensores da censura, entusiastas do controle estatal sobre o discurso e a verdade, prestem muita atenção: a justiça censurou o vídeo de Fontenelle onde ela denunciava algo, que agora todos sabemos ser a mais absoluta verdade, considerando o conteúdo difamatório. Se a censura não tivesse ocorrido, quem sabe a repercussão que estamos vendo hoje, quase um ano depois, pudesse ter abreviado em muitos meses (tão valiosos no período de formação) a exposição e sexualização daquelas crianças e adolescentes.

Agora, outro ponto que, apesar de evidente, pode estar passando despercebido. Ainda que o vídeo do Felca tenha sido publicado no YouTube (por si só uma plataforma digital), a grande visibilidade só foi possível pela repercussão nas redes sociais. Porque as pessoas comentaram sobre o vídeo e se manifestaram de forma viral sobre o tema é que ele ganhou notoriedade. Foi por haver um ambiente virtual onde as pessoas podem se manifestar e cobrar as autoridades que a própria classe política reagiu, como o presidente da Câmara, Hugo Motta, que prometeu pautar a discussão sobre o assunto. Vale destacar também que o Ministério Público da Paraíba (MPPB) investigava Hytalo desde o ano passado, mas só de forma reativa à repercussão das redes que medidas efetivas foram tomadas — claro que uma das medidas adotadas pela justiça, a proibição de Hytalo ter redes sociais, contraria, como já disse em múltiplas ocasiões, nosso ordenamento jurídico, que não prevê essa restrição: bastaria a retirada dos conteúdos sexualizando e expondo menores, sem prejuízo de outras medidas.

Percebam que não é meu objetivo aqui santificar as redes sociais ou sugerir que elas são imunes a erros. De fato, no ponto culminante do vídeo, Felca cria um perfil no Instagram do zero e, em poucos minutos, “treina” o algoritmo para que ele entregue quase que exclusivamente conteúdos com crianças, além de demonstrar como pedófilos usam as redes como direcionamento para trocas ou vendas de pornografia infantil. Não se trata, é importante ressaltar, de pornografia infantil compartilhada ou postada diretamente na rede, algo que seria rapidamente sinalizado e banido. Como o próprio youtuber argumenta, pedófilos podem até mesmo distorcer em suas mentes doentias vídeos e imagens totalmente inocentes. Já quanto ao direcionamento para o que parecem ser conteúdos de pedofilia, usam-se subterfúgios justamente para evitar a sinalização às redes.

Não aquiesço com os conspiracionistas que argumentam por aí que as redes deliberadamente fazem vista grossa ou até mesmo participam de esquemas de pedofilia. O que, sim, fica claro, é que há melhorias urgentes a serem feitas, especialmente em relação ao algoritmo. Nesse sentido, o debate sobre qualquer medida em relação às redes sociais no âmbito da “adultização” deve se referir exclusivamente à proteção de crianças e adolescentes, sem servir de cavalo de Troia para a censura nas redes, mesmo porque essa discussão só está acontecendo por causa do debate virtual, o qual não seria possível sem as redes, e não será possível no futuro se vivermos sob o manto da censura baseado em abstrações como ofensa, desinformação e discurso de ódio, que podem muito bem se converter em um escudo nas mãos de possíveis abusadores, como a censura ao vídeo de Fontenelle deixa claro.

Por fim, convém dizer que, embora os holofotes estejam voltados para as redes sociais, a maior responsabilidade, bem como o principal papel no combate à adultização, recai sobre os pais. Em seu vídeo, Felca apresenta até mesmo casos de menores que foram diretamente sexualizados por seus pais, como uma mãe que vendia conteúdos adultos da filha de 14 anos na internet. É claro que pais assim são, felizmente, uma exceção, pois não tenho dúvidas de que a maior parte preza sobremaneira pelo bem estar de seus filhos. Por outro lado, é fato que há um uso muitas vezes descontrolado dos dispositivos eletrônicos por crianças e adolescentes. É muito cômodo para muitos pais deixar seus filhos entretidos com as telas enquanto se dedicam a seus afazeres, mas, quando isso atinge níveis de uso preocupantes — várias horas, ou mesmo o dia inteiro —, fica claro que solução não deve vir do Estado ou das plataformas, mas das famílias. Isso é ainda mais verdade quando estamos falando da criação de perfis em redes sociais: em especial quando se trata de crianças, os pais devem manter um controle do que seus filhos estão postando, de quem está interagindo com eles e, sobretudo, do grau de exposição que estão tendo. Certo, pode-se cobrar que as plataformas criem mecanismos para facilitar esse controle, mas mesmo hoje já é possível o monitoramento parental dos perfis — a exemplo de muitos pais que o fazem.

Nada é mais antagônico à autonomia e liberdade familiar, bem como, consequentemente, à liberdade individual, do que esperar que o Estado assuma o papel dos pais. Não pretendo generalizar de forma alguma aqui, mas da mesma forma que há pais que parecem pensar que cabe à escola educar seus filhos e ensinar-lhes os valores, há os que são incapazes de dizer não à sua prole, que gozam da paz que o uso excessivo das telas lhes confere e esperam que o papai Estado molde as redes de forma que elas se tornem perfeitamente seguras e eles não tenham nada com o que se preocupar, terceirizando completamente a responsabilidade sobre seus filhos. Certo, as redes devem combater eventuais usos predatórios que possam colocar menores de idade em risco, mas não podemos esperar do combate estatal à adultização o caminho inverso, que seria a infantilização das redes.

A um só tempo, os pais devem chamar para si maior responsabilidade, e devemos, como adultos, garantir que não sejamos infantilizados pelo Estado. Protejamos as crianças, seres em formação e que ainda estão desenvolvendo as faculdades para o exercício pleno da vida e da liberdade, mas preservemos também a dignidade da vida adulta, daqueles que já têm suas faculdades plenamente desenvolvidas, mesmo porque essa clivagem entre o mundo adulto e o infantil, suscitada pelo termo “adultização”, se justifica pois aquele não deve ser um adulto antes da hora, será de fato um adulto um dia, e, quando esse dia chegar, deverá poder gozar da cidadania em sua plenitude, manifestando suas opiniões sem medo de ser censurado.

Fontes:

https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/apos-denuncia-de-felca-deputados-saem-em-defesa-de-regulamentacao-das-redes-sociais

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/08/12/apos-denuncia-de-felca-lula-enviara-pl-para-regular-atuacao-de-big-techs-no-pais-diz-ministro.htm

https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2024/12/06/justica-pede-remocao-de-video-de-antonia-fontenelle-sobre-paraibano-hytalo-santos.ghtml

https://www.terra.com.br/diversao/gente/antonia-fontenelle-desabafa-e-diz-que-fez-denuncia-contra-hytalo-santos-antes-de-felca-mesma-coisa,bee779f785f760eefdbe366eedc708b2r3fqw32o.html

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/nordeste/pb/hytalo-santos-influenciador-acusado-por-felca-ja-e-investigado-pelo-mp/

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/nordeste/pb/justica-suspende-redes-sociais-do-influenciador-hytalo-santos/

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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