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O jornalismo no Brasil (parte IV): entrevista com o Pulitzer e professor em Harvard Greg Marinovich

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Para ler a primeira parte da série, clique aqui. 

Para ler a segunda parte da série, clique aqui.

Para ler a terceira parte da série, clique aqui.

A era da revolução digital, que surgiu graças ao capitalismo de modelo ianque explorador, nos proporcionou ferramentas de alta tecnologia. Entre elas estão os smartphones dotados de suas supercâmeras. A partir disso, qualquer indivíduo que tenha um bom aparelho em mãos pode produzir boas fotos, ainda mais com os aplicativos de edição de imagem disponíveis.

Contudo, apesar de tanta tecnologia disponível, quem nunca enfrentou dificuldades em captar ‘aquela selfie’, enquadrar uma fotografia contra a luz – ou na ausência dela?

Se, com toda a tecnologia atual disponível, às vezes não é fácil registrar uma boa imagem, imaginemos, pois, como devia ser fotografar no início dos anos 1990, especialmente estando sob risco iminente de morte numa zona de guerra civil como a África do Sul, com violência extrema e barbárie estabelecidas…

Nesse caso, além da preocupação com a qualidade da imagem – e com a preservação da própria vida -, aliam-se esses dois fatores à relevância jornalística da imagem. O fotojornalista – via de regra – precisa ter o feeling para mostrar com uma imagem o que, algumas vezes, palavras não podem explicar. Ele precisa discernir a noticiabilidade da cena e registrar com sua câmera. Tarefa dura.

O objeto de estudo desta série é o jornalismo brasileiro. No entanto, vamos dar espaço a um dos maiores fotojornalistas de guerra em todos os tempos, Greg Marinovich, vencedor do Prêmio Pulitzer em 1991 pela fotografia tirada em um conflito na África do Sul, durante o fim do Apartheid.

Veja a foto:


Como lemos no segundo artigo da série, o jornalismo brasileiro teve forte influência dos Estados Unidos. Apesar de ter nascido na África do Sul, Greg está há duas décadas em solo americano e atualmente é professor em Harvard. Em determinado momento da entrevista, o fotojornalista cita o Brasil, como vamos ver mais à frente, num caso curioso.

Você já assistiu ao filme Repórteres de Guerra (2010)? Seu título original é “The Bang Bang Club”. A película é baseada no livro de Greg e em parte da sua vida. Junto de um grupo de jovens repórteres, o fotojornalista teve coragem para cobrir as primeiras eleições na África do Sul após o Apartheid, com uma série de conflitos estabelecida.

Não obstante, o grupo ficou conhecido após o suicídio de um de seus integrantes, Kevin Carter, que também venceu o Prêmio Pulitzer, mas em 1994, com a polêmica fotografia tirada de um menino em uma zona de conflito no Sudão do Sul. O caso é discutido academicamente até hoje em aulas de ética jornalística.

Veja a foto:


Que esta entrevista, apesar de breve, seja inspiradora aos futuros fotojornalistas, em especial àqueles que pretendem trabalhar em zonas de conflito.

Leia, agora, na íntegra, a entrevista de Greg Marinovich concedida a este jornalista, que também fez a tradução:

IZ – Qual seu local de nascimento, idade atual?
GM – Nasci em Springs, província de Transvaal (agora Gauteng), na África do Sul, em 8 de dezembro de 1962.

IZ – Como sua família lida ou reage em relação à sua profissão?
GM – Casei-me com Leonie em dezembro de 2000 e tenho dois filhos – Luc e Madeline. Parei de cobrir guerra e conflitos meses antes de conhecer Leonie. Quaisquer outros motivos foram coincidências ou questões civis que ficaram fora de controle e impossíveis de evitar – como Marikana. As crianças estão meio interessadas, é legal demais mostrar a elas meu trabalho.

IZ – Em qual projeto trabalha atualmente?
GM – Varrendo o arquivo… hehe. O primeiro trabalho será um livro (com Leonie) sobre The Conquered Land – Lesotho e as áreas adjacentes de fala do Sotho (grupo linguístico e cultural dos povos Bantu) na África do Sul.

IZ – Como foi presenciar a violência na África do Sul durante seu trabalho no fim do Apartheid?
GM – Foi muito emocionante, traumatizante e empolgante estar na linha de frente da história, juntamente com a sensação de que a mudança estava finalmente chegando.

IZ – Quantos anos você tinha quando começou a trabalhar nos conflitos?
GM – Dos 28 anos em diante.

IZ – Como era sua relação profissional com os jornais locais?
GM – Tive amigos no The Star (incluindo Robin Comley, João Silva eKen Oosterbroek) e Mail & Guardian (Kevin Carter), entre outros. Pude usar a máquina de processamento de slides em cores da Star, o que era conveniente.

IZ – O filme Repórteres de Guerra (do Bang-Bang Club) retrata fielmente o ambiente que vocês presenciaram durante os conflitos?
GM – Não. Existem elementos da verdade misturados com coisas completamente inventadas, sem que o público saiba a diferença. Além disso, seu tom estava muito diferente.

IZ – Como você se sentiu ao registrar a fotografia que lhe rendeu o Prêmio Pulitzer em 1991? Correu algum risco de vida?
GM – Eu não tinha ideia de como isso iria acontecer depois disso – fiquei apenas em choque porque era muito íntimo, traumático e violento e todos os meus esforços para impedir que o homem (Lindsaye Tshabalala) fosse morto foram em vão.

IZ – Qual foi a sensação de vencer o Pulitzer? O prêmio lhe abriu portas profissionais no fotojornalismo?
GM – Foi bom e um grande impulso para a minha autoestima, mas também me senti culpado por causa do assunto. Sim, sim. Eu também poderia ter feito melhor uso (da visibilidade), mas era ingênuo e muito novo no negócio.

IZ – Você sofreu com a morte de seu amigo Kevin Carter?
GM – Claro, mas eu também estava bravo com ele pelo suicídio e pelo vício em drogas, o que não é uma resposta justa, mas é a verdade.

IZ – Sobre a impactante fotografia do garoto do Sudão do Sul que rendeu a Kevin o Pulitzer 1994, qual sua opinião? O que pode ser dito sobre isso? Kevin se envolvia emocionante ao se deparar com tanto sofrimento e miséria? Foi isso que o levou à morte ou as críticas pela fotografia?
GM – O suicídio de Kevin foi 70% devido à sua luta com drogas e com sua vida. O Pulitzer e as críticas vieram em um momento em que ele estava mal; então, em vez de ajudá-lo, isso o atrapalhou ainda mais. A imagem e sua repercussão o perturbaram, mas principalmente pelo que ele não fez – pois não tentou encontrar ajuda para as crianças após tirar fotos, o que levaria apenas alguns minutos. Por uma questão de interesse, o menino (Kong Nyong) sobreviveu até os 21 anos, mais tarde descobrimos quando Alberto Blanco foi para lá em 2010.

IZ – Quais conselhos você dá a fotojornalistas de zonas de guerra?
GM – Tenha cuidado, seja inteligente, seja humanista e mantenha a ética. Ou volte para casa!

IZ – Após quase 30 anos, como você vê a política e a sociedade da África do Sul? Qual a importância do Bang-Bang Club no estabelecimento da paz naquele país? As fotografias ajudaram fazendo o mundo olhar para lá?
GM – Acho que o Bang Bang Club não ajudou em nada (foi publicado em 2000). Ele ajudou a explicar às pessoas como foi esse período, claro. Eu acho que ajuda dessa maneira e como um documento histórico. A África do Sul agora está um lugar difícil, tivemos um líder terrivelmente corrupto e venal em Jacob Zuma. Saquearam o país com seus amigos. Essa foi uma traição às pessoas que apoiaram o ANC durante todos esses 100 anos. Talvez o novo presidente Ramaphosa possa ajudar a nos levar de volta a ser lugar melhor, mas muitos danos foram causados.

IZ – Você faria tudo de novo?
GM – Humm… sim e não!

IZ – Como você vê o fotojornalismo atual sendo realizado em países em conflito, como na Síria, por exemplo?
GM – Nos últimos anos são muito poucos trabalhos de destaque em fotojornalismo, devido ao perigo; mas algumas coisas muito interessantes estão acontecendo, como Laurent Van der Stockt, e muitos fotojornalistas do Oriente Médio, como Ali Arkady, no Iraque, etc. Parece, porém, que estamos no fim da era do “grande repórter” ocidental – que tem aspectos positivos e negativos.

IZ – Como você observa a América do Sul, especialmente a Venezuela, onde não há liberdade de imprensa, há fome e escassez de alimento?
GM – Uma bagunça! Mas nunca foi tão difícil de dizer: eu acho que estamos em uma fase mundial de pobres se levantando contra os 1% cada vez mais poderosos e seus facilitadores políticos/militares.

IZ – O fotojornalista de guerra deve ou não se envolver emocionalmente com os personagens que sofrem nos conflitos?
GM – Claro, por que não?

IZ – Como se preparar emocionalmente para trabalhar em zonas com violência? Como você lida com isso? Teve algum trauma? (Pergunto isso devido ao problema de Kevin Carter)
GM – As drogas são ruins, ponto final. Em relação à guerra, tenha pessoas com quem conversar, consulte um conselheiro caso se encontre em situações difíceis; mantenha-se saudável.

IZ – Você conhece algum fotojornalista brasileiro que mereça destaque?
GM – Eduardo Martins é incrível. OK, isso é uma piada sobre o falso (risos). Conheço alguns jovens no Rio de Janeiro que fazem um excelente trabalho. ( Evandro) Teixeira, etc.
Nota do entrevistador: Eduardo Martins foi o pseudônimo de um fake brasileiro que afirmou atuar em zonas de conflito representando a ONU. Enganou, segundo a BBC, jornalistas, mulheres e 120 mil seguidores no Instagram. Confira a matéria da BBC Brasil esclarecendo o caso: https://www.google.com/amp/s/www.bbc.com/portuguese/amp/salasocial-41131215

IZ – Greg, você já esteve no Brasil?
GM – Não. Mas adoraria.

IZ – Qual a importância da liberdade de imprensa?
GM – Muito, muito importante! Por mais que haja jornalistas ruins que mentem e fazem besteira, a maioria são seres humanos decentes tentando contar as histórias daqueles que não têm acesso ao poder, para dar voz aos não ouvidos.

IZ – Tem formação acadêmica como jornalista ou fotógrafo ou é autodidata?
GM – Ianker, sou autodidata. Muito filme desperdiçado!
Nota do entrevistador: Greg está dizendo que aprendeu com muita prática.

IZ – Sobre o livro Bang Bang Club… como surgiu a ideia de publicar? Qual sua importância?
GM – A interminável deturpação de Kevin, bem como a inadequação de nossas fotos para contar a história completa. A violência, especialmente no Sul Global, é frequentemente deturpada e usada como uma maneira de ilustrar a mentalidade colonial do Ocidente/Norte.

IZ – Qual sua relação atual com João Silva?
GM – Excelente. Vivemos longe um do outro, mas ainda muito perto.

IZ – Quais seus próximos projetos? Pensa em viajar para zonas de guerra?
GM – Não, não é justo com a família. E sinto que já fiz o suficiente. Eu tiro coisas locais de interesse para mim – não jornalísticas, mas fotográficas. Também trabalhando em material antigo que, espero, resulte numa série de livros de fotos.

IZ – Cite cinco dicas àqueles que querem ser fotojornalistas de guerra.
GM – Aprenda seu ofício antes de ir; seja muito bem informado; seja ético e honesto sempre; não finja não ter uma opinião ou um ponto de vista – apenas seja honesto e aberto; beba com moderação!

IZ – Qual a importância do fotojornalismo de guerra para a humanidade?
GM – Ser testemunha de uma maneira que ultrapassa a linguagem.

IZ – Qual a importância da ética para o fotojornalismo de guerra? Na sua opinião, Kevin foi injustiçado pelas críticas?
GM – Kevin foi ético no Sudão. Essa não era a preocupação. Algumas pessoas questionaram sua humanidade, o que não estava correto… mas eu entendo o porquê. Ética e honestidade são tudo – se você não tem credibilidade, seu trabalho não tem valor.

IZ – Quando você deixou a África do Sul, foi para outra zona de conflito?
GM – Não, eu vim para a Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, (EUA) em uma bolsa Nieman. E depois continuei ensinando em período integral na Universidade de Boston e em período parcial em Harvard.

IZ – Quais zonas de conflito hoje mais te preocupam?
GM – Cristo… tantas!

IZ – O mundo viu regimes totalitários que massacram seus povos. Tanto o nazismo como os regimes comunistas da URSS e China causaram genocídio, dor e repressão à liberdade. Qual a importância da liberdade do indivíduo para a saúde de uma democracia?
GM – Eu acho que isso é óbvio!

IZ – Como você se mantém informado hoje?
GM – Jornais na Internet, rádio, podcast, twitter… e conversando com pessoas normais!

IZ – Qual é a sua expectativa sobre o jornal impresso, você acredita que ele permanecerá?
GM – Talvez…. Não tenho certeza.

IZ – Greg, como está seu novo livro? Para qual público você escreveu?
GM – O novo livro é uma coleção de pequenas histórias de não ficção sobre minhas experiências ou as experiências de outras pessoas, como eu as testemunhei durante guerras e conflitos. O público-alvo é amplo. O livro pode ser uma fonte de fundo da lógica de certos conflitos, bem como uma maneira de entender a resposta humana para isso.

(Continua…)

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Ianker Zimmer

Ianker Zimmer

Ianker Zimmer é jornalista formado pela Universidade Feevale (RS) e pós-graduado em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela PUCRS. É autor de três livros, o último deles "A mente revolucionária: provocações a reacionários e revolucionários" (Almedina, 2023).

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