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O jornalismo no Brasil (parte II): um breve histórico do jornalismo brasileiro e os conflitos entre receptor e imprensa

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Para ler a primeira parte da série, clique aqui. 

Poucas vezes se criticou tanto a imprensa tradicional como nos dias atuais. Encabeçam como alvos do público crítico alguns veículos, como a Folha de SP e jornais da Rede Globo. O motivo: para bolsonaristas, o maior jornal impresso do país e os veículos da gigante empresa de comunicação brasileira  – especialmente o Jornal Nacional – são esquerdistas. Querem, portanto, derrubar o governo. Já aqueles mais afeiçoados ao socialismo acusam os mesmos veículos de servirem à classe burguesa – leia-se: grandes empresas. Este estudo, porém, não objetiva tecer juízo sobre qualquer jornal ou jornalista.

Ao que parece, essa briga quase diária de facão e foice (talvez com martelo junto) entre o presidente Jair Bolsonaro – chancelado por seus seguidores – e alguns veículos de imprensa e determinados jornalistas está longe de acabar.

Se, observando por um lado, deparamo-nos com o histórico da mídia brasileira tendendo ao esquerdismo (o que causa revolta nos bolsonaristas), vendo por outro ângulo, fica evidente que o presidente da República usa o fator “imprensa-socialista” como muleta – leia-se ‘desculpa’ – para justificar alguns de seus erros. Exemplo: ele indica um filho à embaixada. Naturalmente, a imprensa o critica. Sua resposta não difere da retórica tradicional: “jornalistas me criticam porque perderam verba do governo e ‘querem o PT de volta ao Planalto”. Em alguns casos, sejamos justos, ele tem certa razão, especialmente se considerarmos o histórico recente do jornalismo brasileiro tendendo ao esquerdismo; mas nem tudo é ideologia. Há bom jornalismo sendo praticado.

Para entender um pouco sobre como a imprensa brasileira foi formada, vamos regredir no tempo

A imprensa se estabeleceu de forma tardia em território brasileiro, se esse processo for comparado ao seu surgimento e desenvolvimento histórico no mundo – considerando o período da invenção de Gutemberg (século XV), quando se multiplicaram as empresas de impressão. Isso sem contar que a imprensa tem seus primórdios ainda no século XIII, no Ocidente – na Itália e na Alemanha -, com o surgimento das primeiras “notícias”, que circulavam em folhas manuscritas, contendo informações (TERROU,1964).

Segundo Nilson Lage (1993), em Bremem circulou o primeiro periódico no mundo, em 1609, com outros se estabelecendo durante a década seguinte também na Alemanha.

Ciro Marcondes Filho, em seu livro Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos (2000), divide cronologicamente a evolução da imprensa no mundo em cinco fases:

Pré-história do jornalismo: de 1631 a 1789. Caracterizada por uma economia elementar, produção artesanal e forma semelhante ao livro. Primeiro jornalismo: 1789 a 1830. Caracterizado pelo conteúdo literário e político, com texto crítico, economia deficitária e comandado por escritores, políticos e intelectuais. Segundo jornalismo: 1830 a 1900. Imprensa de massa, marca o início da profissionalização dos jornalistas, a criação de reportagens e manchetes, a utilização da publicidade e a consolidação da economia da empresa. Terceiro jornalismo: 1900 a 1960. Imprensa monopolista, marcada por grandes tiragens, influência das relações públicas, grandes rubricas políticas e fortes grupos editoriais que monopolizam o mercado. Quarto jornalismo: de 1960 em diante. Caracterizado pela informação eletrônica e informativa, com ampla utilização da tecnologia, mudança das funções do jornalista, muita velocidade na transmissão de informações, valorização do visual e crise da imprensa escrita (MARCONDES, 2000 apud PENA, 2005, p. 33)

Já o desenvolvimento da imprensa no Brasil avançou após a chegada da Corte de D. João VI, em 1808.  Até então, a censura real controlava as publicações, que eram destinadas à reprodução de informações e documentos do governo. A imprensa passou por seu “melhor período de liberdade”, até aquele momento, com o reinado de Pedro II (MELO, 2003, p. 21).

O primeiro jornal independente lançado no Brasil, de acordo com José Marques de Melo (2003), foi o Correio Braziliense, de Hipólito José da Costa, testificado por Lage:

Costuma-se apontar como primeiro periódico brasileiro o Correio Brasiliense, que circulou em 1º de junho de 1808, editado na Inglaterra por Hipólito José da Costa. Três meses depois, foi lançada no Rio a Gazeta, órgão oficial do Governo, dirigido por Frei Tibúrcio José da Rocha e censurado pelo Conde de Linhares (LAGE, 2001, p.42).

Na primeira fase da imprensa no Brasil, o panfletarismo teve predomínio, definido por Lage (2001) como “surpreendentemente virulento”. Na segunda fase, surgiram o Jornal do Comércio, em 1827, a Gazeta de Notícias, em 1874, no Rio de Janeiro, O Estado de São Paulo, em 1875, e o Jornal do Brasil, fundado em 1891, já no início da República. No período de 1899 a 1920, da República Velha ao Estado Novo, a publicidade teve início nos jornais. (LAGE, 2001, p. 43).

Segundo Lage (2001), os jornalistas passaram a deixar de ser os literatos para constituir uma categoria própria: Alcindo Guanabara, Irineu Marinho, fundador do O Globo, e Gustavo de Lacerda, repórter que idealizou a Associação Brasileira de Imprensa, foram exemplos desse período. Nesse sentido:

A polêmica marcou a vida de Monteiro Lobato, a perseguição sublinhou a grandeza de Graciliano Ramos, revisor de textos do Correio da Manhã, jornal que se ligaria ao nome de Edmundo Bitencourt, como o Diário de Notícias ao de Orlando Dantas e o conglomerado dos Diários Associados a Assis Chateubriand. Empresas da família: Os Mesquitas, que perderam durante cinco anos, no Estado Novo, o comando do Estadão (O Estado de São Paulo) e o receberam de volta; os Pessoa de Queirós no Norte, Caldas Júnior no Sul. Repórteres jovens, como Samuel  Wainer, David Nasser, Joel Silveira, Rubem Braga e Carlos Lacerda. Sedes próprias monumentais no centro: no Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil, na Avenida Rio Branco, fez seguidores – O Diário de Notícias,  na Rua Riachuelo; O Globo, perto da Rua de Santana; O Cruzeiro, na Rua do Livramento (LAGE, 2001, pág. 44).

Durante os oito anos da ditadura de Vargas, o jornalismo político teve seu processo interrompido. Esse período foi marcado pela chegada da corrupção aos jornais e jornalistas, com a imprensa sendo controlada pelo DIP  – Departamento da Imprensa e Propaganda. (LAGE, 2001, p. 44). Apesar disso, somente a censura imposta durante os governos do período militar (1964 a 1985) consta no léxico da esquerda brasileira.

Nilson Lage descreve que, “após 1945, iniciou-se uma transformação marcada pela crescente influência norte-americana sobre a sociedade em geral e a imprensa em particular. Com maior ou menor disfarce, capitais do exterior passaram a influir na vida dos jornais”. Nesse período, o jornalismo brasileiro passou a implementar o lead (lide). (LAGE,2001, p.44). Sobre isso:

A técnica estreou em 1861 no jornal The New York Times como forma de dar objetividade ao relato de um acontecimento. Consiste em pôr as informações mais importantes no primeiro parágrafo, respondendo “O quê? Quem? Quando? Onde? Como? E Por quê? (SALVADOR; SQUARISI, 2005, p.16).

lead jornalístico tem formato de pirâmide invertida e consta no primeiro parágrafo da notícia no jornal impresso e digital, embora possa haver outros leads no corpo da notícia. Assim, define-se a técnica como o relato do aspecto mais importante de um acontecimento. (LAGE, 1993, p.26).

Em meio a isso, voltando à cronologia, surge a televisão brasileira, com Assis Chateaubriand sendo protagonista. Logo surgem os telejornais – tendo como pioneiro o Imagens do Dia. O rádio, que passava por seu momento “de  ouro” com o Repórter Esso, se viu ameaçado pela televisão. Apesar disso, o rádio segue até hoje como um dos principais meios de comunicação. O tempo deu prova, portanto, de que a televisão veio para concorrer, não para terminar com o rádio.

Outra mudança no período ocorreu com a reforma do Jornal do Brasil, importante no processo de modernização do segmento no país. O periódico “[…] adotou e aperfeiçoou o processo de produção de notícias; somou a ele apresentação gráfica de extrema padronização, segundo o design do escultor construtivista Amílcar de Castro” (LAGE, 2001, p. 45).

Tecnicamente, esse fenômeno pode ser melhor entendido com Bahia (1990), que define o jornal moderno como “parte da cultura de massa, resultado de grandes transformações na imprensa, na sociedade e na história”. Independente do formato ou plataforma utilizada (atualmente), seu objetivo é proporcionar informações e notícias de forma periódica às comunidades (BAHIA, 1990, p. 19).

Por todo o país, as inovações foram sendo imitadas, como signo do desejável, do hegemônico; longe de serem postas de lado, as reformas gráficas e editoriais se amiudaram a partir de 1964, quando a repressão do conteúdo estimulou a busca de apresentação atraente, moderna; e o ‘regime autoritário’ ergueu a bandeira da eficiência, da tecnocracia, do cosmopolitismo (LAGE, 2001, p.45).

A partir dos anos 1970, os telejornais ganham destaque, com o Jornal Nacional nascendo em 1969 e se consolidando como o mais importante nacionalmente, especialmente pelo grande número de emissoras afiliadas da Rede Globo. O jornal impresso segue firme; o rádio também.

Entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000, o jornalismo inicia uma nova era, impactado pela “revolução tecnológica”, de acordo com Caldas. O autor já afirmava que o futuro do jornalismo, principalmente os jornais, seria ainda mais impactado pela internet. Em 2002, o autor apontava o possível caminho dos jornais:

Leitores de jornal e usuários da internet têm interesses e curiosidades diferentes. Para assegurar seu espaço, caberá ao jornal do presente investir naquilo que o leitor espera encontrar nele: originalidade, texto interpretativo e analítico, com suas implicações e possíveis repercussões na vida de cada um. O fato situado dentro de um contexto mais amplo, ao lado de pesquisa e opinião. Já na internet o que se busca são informações rápidas e específicas, em poucas linhas (CALDAS, 2002, p.17)

Segundo o artigo Jornalismo e mídias móveis no contexto da convergência: Sociedade: máquinas e indivíduos, dos pesquisadores Graziela Bianchi e Diocsianne Moura (2012), o desenvolvimento tecnológico está crescendo cada vez de forma mais acelerada, ao longo do percurso da comunicação e sua história. Nesse sentido, pode-se afirmar que:

Desse modo, se coloca como vital revisitar conceitos e refletir sobre o papel do indivíduo na sociedade a partir da introdução das tecnologias móveis. A maneira como os usos de tais tecnologias participam nas relações com os outros, consigo, com as máquinas e também entre elas, não tomando-as simplesmente como mais um recurso disponível para a execução de tarefas do cotidiano (PELLANTA; BARBOSA, 2014, p.12).

Com a propagação da internet e suas facilidades móveis cada vez mais difundidas no dia a dia das comunidades, como lemos no primeiro estudo, os  veículos de comunicação passam a atuar multiplataforma. Nesse processo, as redes sociais desempenham um papel importante para a divulgação e a propagação dos conteúdos. Por esse motivo, jornais atuam nessas diferentes frentes, com publicações em seus sites e até mesmo de forma direta nas redes sociais. O fenômeno da internet também possibilita um avanço: o receptor deixa de ser passivo no processo da comunicação – e é aqui que se estabelece a batalha entre o receptor e a imprensa.

Dentro desse processo, os jornais impressos perdem fôlego: ao oferecer notícias do dia anterior com custo para o leitor, num momento em que a internet fornece muito conteúdo de graça e interatividade instantânea, assim como o rádio, tem-se um desafio. Entretanto, o jornalista não deve se preocupar com isso, pois ele não vende conteúdo independente da plataforma. A preocupação fica com o fornecedor de papel e tinta para as rotativas dos parques gráficos.

O bom jornalista se adapta a qualquer plataforma, seja impresso, rádio, televisão ou internet.

O fim do conflito receptor versus imprensa

É impossível apontar um caminho para o fim desse conflito, mas é possível tirar conclusões. Senão vejamos: 1) o jornalismo não pode mais dar espaço à militância de esquerda nas redações – e negar que 85% dos jornalistas são de esquerda fica ainda mais feio e agrava o problema; 2) o comportamento de uma bolha de receptores fanáticos escancara que ainda somos terceiro-mundistas em termos de relações humanas; 3) há pessoas inteligentes e aptas para separar o joio do trigo e fazer distinção entre bom jornalismo e panfletagem ideológica e mídia vendida a interesses. Em suma, receptor e imprensa precisam evoluir.

Imprensa e interesses

Faça um teste local:  observe se o jornal de sua cidade publica críticas à administração de seu munícipio – a prefeitura. Se não critica – e todo prefeito tem seus erros –, certamente o veículo está com medo de perder anúncios de campanhas e publicações de editais.

Nesse ponto, estabelece-se outro problema: o interesse financeiro dos veículos. Jornais precisam sobreviver como qualquer outra empresa com CNPJ, portanto é natural buscar saúde financeira e crescimento. Contudo, estabelece-se o erro ao atenuar críticas àquele que envia verba. Aliando-se isso a preferências ideológicas de algumas redações, gera-se um ciclo intermitente de interesses que estão longe do que se aprende em ética jornalística nas universidades.  Por conseguinte, na guerra entre receptor e imprensa há uma nebulosidade que impossibilita ter clareza para definir quem é o mocinho e quem é o bandido.

(Continua…)

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Ianker Zimmer

Ianker Zimmer

Ianker Zimmer é jornalista formado pela Universidade Feevale (RS) e pós-graduado em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela PUCRS. É autor de três livros, o último deles "A mente revolucionária: provocações a reacionários e revolucionários" (Almedina, 2023).

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