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O identitarismo é inimigo da liberdade (Final)

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Não tenho dúvidas de que o conjunto de devaneios identitários apresentados nessa série de artigos encontra proporcionalmente muito mais rejeição do que aceitação no seio da sociedade. Não falo aqui da sociedade como uma massa homogênea, mesmo porque não é necessária homogeneidade de pensamento para se rejeitar o identitarismo – para tal basta o bom-senso. Se isso é verdade, por que então temos a impressão de que cada vez mais o identitarismo ganha força e, como demonstrado, encontra penetração institucional? Justamente por seu caráter antidemocrático e por ter aprendido a galgar a rota do poder por cima dos escombros da covardia. Aliás, temos aqui um paradoxo da ótica de combate à sub-representação, preconizada por estes justiceiros sociais, ótica essa que tudo quer alocar com base na identidade, mas nada com base na recorrência de ideias e princípios. Trata-se de uma visão, antes de tudo, elitista da sociedade.

O identitarismo, como substituto pós-moderno da luta de classes, significa a luta de identidades, se preocupando mais com abstrações do que com os problemas do mundo real. O preto que mora na favela e não tem acesso a saneamento básico, muito provavelmente não está preocupado se a loja de móveis vai colocar criado mudo ou mesa de cabeceira no catálogo. Não, quem toma as dores e sequestra a representatividade é o militante bem alimentado de classe média.

Além do caráter antidemocrático e da covardia de alguns, também concorre para a ascensão do identitarismo o fato de que ele é lucrativo. O que mais explicaria a passividade com que muitos militantes, por vezes integrantes de certas minorias, aceitam o que em outros tempos poderiam ser consideradas migalhas de condescendência? Vimos recentemente o caso da professora americana que mentiu durante anos ser negra. Ora, o assombroso da história não é ela ter mentido, mas alguém ter acreditado. O incentivo dela para mentir foi o lucro, que pode vir de forma monetária, ou na forma de prestígio. O incentivo para a comunidade acadêmica fingir credulidade foi um misto de covardia e crença cega na validade da autoafirmação de identidade. Como alguém pode achar normal vislumbrar um futuro em que afirmar identidades pode ser mais ou menos lucrativo? Não é justamente para o oposto disso que deveríamos caminhar mais e mais?

O liberalismo não é só a defesa da liberdade, mas também da igualdade. Igualdade aqui, obviamente, nada tem a ver com igualdade material, no sentido marxista. Em uma democracia liberal as leis e normas são erigidas de forma cega, no sentido da impessoalidade. O bom legislador não enxerga cor, sexo, raça, orientação sexual, credo, não cria exceções ou distinções para grupos. O liberal, do mesmo modo, não enxerga identidades; enxerga, antes de tudo, indivíduos. Isso não quer dizer que não reconheça as identidades, apenas que não aceita a hierarquização da sociedade com base nelas. O liberalismo é, por princípio, incompatível com a visão segmentada da sociedade que defendem os identitaristas. Tudo aquilo de virtuoso, como a igualdade de sexos e a igualdade racial, para o que os identitaristas nada contribuíram e de que apenas foram tributários, toda a herança de igualdade, de impessoalidade, que não compreendem e tentam destruir, todo o arcabouço daquilo que chamamos de democracia liberal, que sempre foi um processo e não uma imposição, significam  tudo de meritório que já conquistamos na seara da igualdade e dos direitos, ao mesmo tempo em que apontam para o caminho no qual devemos nos manter e aperfeiçoar.

A melhor forma de combatermos o radicalismo identitário é nos mantermos firmes na defesa da liberdade, da igualdade e da individualidade. Por individualidade, não me refiro a características tomadas coletivamente como definidoras de seus integrantes. É puro oportunismo a tentativa de tornar a supremacia de identidades como algo aceito no liberalismo. Você pode, obviamente, afirmar a identidade que bem entender, mas jamais usar tal identidade para delimitar o comportamento alheio, tampouco para tentar arrancar fatias mais polpudas de recursos escassos.

Rejeitar o identitarismo não significa oprimir quem quer que seja, como tentam nos convencer aqueles que justificam seu radicalismo como o meio necessário para romper fantasmagóricos grilhões. Se grilhões não há, é justamente por termos, em uma perspectiva histórica, rejeitado a ideia de supremacia de grupos de qualquer natureza. Incapazes de demonstrar objetivamente as opressões de que tanto falam, apelam para as opressões estruturais, que existiriam nos detalhes, escancaradas no enraizamento, mas visíveis apenas aos olhos dos oprimidos. A verdade é que, a despeito de toda essa retórica de desconstrução, que transforma brancos em racistas necessários, homens em machistas necessários, héteros em homofóbicos necessários, e por aí vai, episódios como o apartheid, a eugenia nazista ou a opressão que muitas mulheres ainda sofrem sob a batuta da sharia em países islâmicos, causam a mais profunda repulsa na maioria esmagadora da sociedade. Nossos valores não comportam o tipo de opressão que nossos caros identitários dizem ser a regra e, se isso não acontece, não é por mérito deles, mas por mérito daqueles e daquelas que agora tentam apagar da história.

Não devemos permitir que a liberdade, assim como a igualdade, se torne uma palavra prostituída nas mãos daqueles que por ela não têm nenhuma consideração. Expor o autoritarismo do identitarismo não é difícil, mas o esforço passa por denunciar e combater a covardia dos que permitem o sequestro da virtude por pessoas medíocres que conseguem as coisas na base do grito e das lágrimas de crocodilo. Embora não exclusivo, porque não podemos nós também querer sequestrar a virtude, este é um esforço particularmente relevante e imprescindível para os liberais, que, pelo conjunto do que defendem, devem se manter eternamente vigilantes diante dos assaltantes da liberdade, e  não pode haver dúvidas aqui de que o identitarismo é inimigo da liberdade.

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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