O desafio para as candidaturas liberais

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Embora o candidato petista à presidência tenha finalizado o primeiro turno com notória vantagem sobre o “incumbente”, no legislativo federal, bem como em governos estaduais, a vantagem ficou para o PL de Bolsonaro. Muitos celebram o feito como um avanço da direita em outra esfera de poder, e é fato que isso tem o condão de tirar a tranquilidade de Lula em um futuro governo, caso sua vitória seja confirmada no segundo turno. O fato é que o PL (antigo PR) de Valdemar Costa Neto é historicamente uma legenda fisiológica, sendo o desempenho nas urnas devido puramente ao capital político de Bolsonaro, fenômeno que também ocorreu com o então nanico PSL (hoje União Brasil, após a fusão com o DEM) em 2018. O que se observa, para além de um contrapeso a um potencial terceiro governo de Lula, é um trunfo do fisiologismo e do personalismo, dois dos males da política brasileira dos quais teimamos em não conseguir escapar. Nesse cenário, candidaturas liberais não reféns desse personalismo e assentadas em princípios se veem, agora e no futuro, em um cenário desafiador. Os números não mentem, já que a bancada do Partido Novo encolheu de 8 para 3 deputados, deixando a legenda liberal fora dos debates de 2026. Esse encolhimento não se explica pelo fortalecimento da esquerda, já que aconteceu em paralelo a um avanço da direita populista. É inescapável que aqueles interessados no êxito de candidaturas liberais e da direita democrática de forma geral busquem entender onde estão falhando.

O fato de os dois fenômenos terem ocorrido de forma simultânea (encolhimento da bancada liberal e crescimento da direita bolsonarista) pode sugerir a muitos que o caminho deva ser a “bolsonarização”. Esse é um diagnóstico errôneo, que teria o duplo defeito de violar princípios liberais, atacados rotineiramente pelas correntes bolsonaristas, e colocar de vez toda a direita sob o guarda-chuva do personalismo, como se o que precisássemos fosse um Lula de direita, que sempre pode monopolizar o campo e ofuscar o surgimento de lideranças alternativas. Tampouco a raiz do problema deve ser a moderação do discurso; se, para ter vez e excitar as massas nas urnas, a direita precisa depender de palavras de ordem como “bandido bom é bandido morto” e quejandos reacionários, melhor seria que não tivesse vez. Evidentemente, esse não é o caso, e não só é possível, mas imperativo que se busquem caminhos fora do populismo; mas se o personalismo não é a resposta e a falta de radicalismo não é o diagnóstico, onde então a direita liberal e partidária estaria falhando? Penso que a resposta está na comunicação.

Eu meu artigo Não precisamos aguar o liberalismo, faço uma crítica aos que, na ânsia de aumentar os quadros da militância liberal, tentam transformar o liberalismo no que ele não é. Não penso, portanto, que os liberais devam retroceder em sua identidade ideológica, mesmo porque as candidaturas podem englobar desde libertários, passando por liberais clássicos, liberais sociais e até conservadores. Ocorre que não dá para falar apenas com os liberais.

O Novo conseguiu se fazer notar como uma legenda fortemente liberal, o que funciona como sinalização aos eleitores outrora carentes disso, mas não é o suficiente para romper a bolha liberal e angariar números significativos nas urnas. O risco de uma legenda ter uma coloração completamente ideológica em sua comunicação é se tornar algo de nicho, que até entusiasmará os setores da sociedade que já nutrem simpatias pela coisa, mas nada além disso.

Dentro da população brasileira, há certamente nichos ideológicos, mas também há uma massa politicamente amorfa, a qual penso corresponder à parcela mais significativa da população, que quer apenas saber como os problemas públicos mais prementes — segurança, saúde, educação — serão resolvidos. Essa massa, que hoje pode votar na direita e amanhã na esquerda, não tem predileção partidária, só quer soluções. Ocorre que na política não basta ter as melhores soluções, é preciso convencer as pessoas de que as suas soluções são realmente as melhores.

O ex-candidato a presidente do partido, Luiz Felipe D’Avila, chegou a apresentar um plano de governo com metas sociais e ambientais ambiciosas, tais como tornar o Brasil um país carbono zero, erradicar a pobreza extrema em 4 anos e colocar a educação brasileira entre as 20 melhores do mundo em 7 anos, mas teve dificuldade em comunicar essas e outras propostas. No primeiro debate entre presidenciáveis realizado no final de agosto, D’Avila investiu a cada resposta sua em uma afirmação ideológica que soou repetitiva. Nos debates, há sempre o momento de um candidato dizer a que veio e ressaltar eventuais slogans mais enérgicos, mas fazer isso a todo tempo soa caricato. Mais que isso: bater constantemente na tecla da redução do Estado e em acenos aos “empreendedores” é incorrer no pecado do discurso de nicho.

A mesma mensagem, tão cara aos liberais, de redução do peso do Estado, poderia ser transmitida de n formas diferentes, encontrando a acolhida de quem sente esse peso na pele; mas esse não deve ser o fim do discurso, e sim o meio. Para o cidadão médio, qualquer afirmação sobre o tamanho do Estado só é passível de ganhar relevância se servir ao propósito de trazer as soluções que ele deseja para as áreas prioritárias.

Em suma, na vida pública e em especial nas campanhas, não serve o mesmo tipo de retórica própria a institutos, fundações ou ambientes partidários internos. Sem prejuízo à pureza dos princípios, é preciso adaptar a forma de comunicar esses princípios e focar nas soluções. Disseminar o liberalismo é uma tarefa pela qual um partido liberal certamente responde solidariamente, mas que não é sua raison d’être. É preciso ser econômico com os slogans. Quem não se lembra da Luciana Genro, ex-presidenciável pelo PSOL, nos cansando com “o capital financeiro” para cá, “o capital financeiro” para lá, nos debates de 2014? Seu partido é um partido de nicho dentro da esquerda.

Os liberais partidários muitas vezes acabam perdendo de vista a malícia de seus detratores. É comum que setores da esquerda caricaturem o liberalismo como uma ideologia de empresários e os liberais como pessoas gananciosas e com zero preocupação com o bem-estar dos mais pobres. Muitos dão munição a isso tendo um foco exacerbado no “empreendedorismo”. Ora, é salutar que tenhamos hoje candidatos dispostos a defender os méritos da iniciativa privada, sempre tão injustamente atacada por mentes burocráticas e por uma cultura fisiológica. Contudo, é necessário comedimento ao tratar do “empreendedor”. Esse é um termo que tem adquirido certa ambiguidade recentemente. O empreendedor passou a ser visto, por muitos, não apenas como o detentor de certo capital que decide abrir um negócio novo, isto é, tornando-se um empresário, mas como todo e qualquer trabalhador inserido em uma lógica de maior flexibilidade e sem o convencional vínculo empregatício. Ocorre que nem todo mundo que decide “empreender” nessas circunstâncias se torna necessariamente um empresário, no sentido usual do termo. Há aqueles, em especial em tempos de elevado desemprego, que o fazem por pura necessidade. Essa constatação é frequentemente usada por aqueles que desafiam o rótulo de empreendedores e acusam o trabalho por meio de aplicativos, por exemplo, de precarização.

Acredito que o termo “trabalhadores”, identificando dentre estes também os empresários, ou a força produtiva de forma geral, soa mais abrangente e com menos risco de ser alvo de caricaturas maliciosas. É preciso lembrar que os principais oponentes do liberalismo econômico costumam ser afeitos a uma retórica que contrapõe “capital e trabalho”. Insistir em um discurso “para” os empreendedores só reproduz essa lógica de nicho, com a diferença de que se detém num nicho muito menor, em clara desvantagem numérica. Falar em “trabalhadores”, por outro lado, não é esposar nenhuma lógica de “luta de classes”, mas conferir o devido mérito de quem trabalha empreendendo, ao mesmo tempo que oferecendo uma opção liberal aos trabalhadores de forma geral, incluindo os assalariados.

A maior dificuldade que noto para muitos candidatos do campo liberal é superar a fronteira da liberdade negativa em face da chamada liberdade positiva, ou seja, comunicar o que se quer que o Estado “faça” ao invés do que ele deve se abster de fazer. Para muitos pode parecer estranho falar isso, já que muitas vezes a melhor coisa que o Estado pode fazer é realmente não fazer nada, “não se meter”. Ocorre que, salvo para libertários ou minarquistas radicais, ainda há um leque de coisas que o Estado pode ou deve fazer. O grande desafio para os liberais partidários, em especial os de tendências mais libertárias, é comunicar isso para eleitores que vão perguntar coisas como: “o que você pode fazer em relação à educação?”

A verdade é que mesmo a defesa de uma liberdade majoritariamente negativa pode ainda assim implicar ações positivas do Estado, as quais podem muito bem ser anunciadas como propostas para os eleitores. Quando os liberais defendem políticas de vouchers, por exemplo, não se trata de defender uma abstenção do Estado, mas de uma política pública que carecerá de planejamento, recursos etc. Em suma, é preciso ir além dos slogans e dialogar com aqueles que não são “devotos de Mises” (muitos liberais também não são), trazendo soluções críveis para seus problemas – e esse diálogo não pode depender apenas das redes sociais e de panfletagens no semáforo.

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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