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O Cravo e a Rosa (Direito e Economia)

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José Afonso da Silva, tido como um dos maiores constitucionalistas brasileiros, em entrevista para o site da Conjur, atacou os ditos “conservadores”, defendendo uma visão antiquada do processo político mundial, típico daqueles que pararam suas análises e estudos antes do fim da Guerra Fria.

Em determinado momento, o jurista critica as reformas que seguiram à inauguração de nossa atual Constituição, as quais teriam transformado o Brasil em uma país “capitalista”, deixando os direitos sociais de lado. Ainda que não tenha sido especificado, o doutrinador provavelmente estava se referindo, entre outros, à antiga previsão de limitação constitucional de juros a 12% ao ano, dispositivo que, se vigente em 1994, teria impedido o sucesso do Plano Real.

Mas as declarações de José Afonso da Silva vão além de suas posições sociais. Elas representam toda uma formação complexa de pensamento, de profissionais de direito no Brasil, os quais parecem ainda não ter se dado conta que o Muro de Berlim caiu.[1]

Outro ponto que chama a atenção refere-se à ignorância jurídica de que o direito à propriedade seria “algo de elite”, restrito a determinados seguimentos de nossa população. John Locke advoga através de sua filosofia que, sem o direito à propriedade, não há liberdade, e nem sequer garantia de vida em um Estado de Direito[2]. Além da teoria empirista, tal fato parece ser notável quando vemos a deterioração da liberdade em países que tem extinguido a proteção à propriedade privada, tendo como main example a Venezuela, em que recentemente o presidente Nícolas Maduro determinou a proibição de divulgação pela imprensa de “determinadas informações”, relacionadas à inflação e à falta de produtos básicos.[3]

Isso pode ser sinalizado, ainda, em relação ao direito de manifestação,[4] e como a socialização desses atos acaba por extinguir tais direitos.[5] Finalmente, importante notar que, até os países escandinavos, louvados pela esquerda internacional e brasileira, e que em realidade são sociais democratas, ou seja, abraçam a economia de mercado mas acreditam em políticas sociais (no Brasil a melhor representação de tal ideologia seria o PSDB)[6], possuem altos padrões de proteção à propriedade.[7]

Nesse sentido, deve ser analisado o ranking mundial de proteção à propriedade privada, elaborado anualmente pela Heritage Foundation, o think tank americano ligado ao Partido Republicano. Consoante se depreende do mesmo, os dez países que mais protegem o direito à propriedade são, nesta ordem, Nova Zelândia, Austrália, Áustria, Canadá, Chile, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Hong Kong e Islândia. Os dez piores seriam Venezuela, Turcomenistão, Coréia do Norte, Zimbábue, Serra Leoa, República do Congo, Líbia, Irã, Haiti e Eritréia. Em qual deles você preferiria morar?

Esses dados nos levam a questionar a premissa de que o direito à propriedade seria algo elitista, apresentada pelo Sr. José Afonso da Silva, e indagar: o que é ‘elite’ afinal de contas?

Bem, o Brasil não possui sua família Rockfeller, então quem seriam esses poderosos que de fato ganhariam com o direito à propriedade? Seriam aqueles que deixariam de serem retirados de suas casas em razão da Copa do Mundo, caso tivessem direito à propriedade? Ou seriam os pequenos agricultores, do norte do nosso Estado (Rio Grande do Sul), que estão à mercê das demarcações discricionárias da Funai? Em quais países você acredita que as camadas mais humildes da população possuem maior qualidade de vida e, acima de tudo, maior chance de mobilidade social?

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Mas talvez, de longe, a posição mais bizarra trazida pelo doutrinador em sua entrevista, e que é reflexo da posição majoritária da comunidade jurídica brasileira, foi quando o mesmo deixou implícito ser contra uma constituição mais enxuta, relegando tal preposição aos conservadores. O que nos leva a outro questionamento: o que seria ‘mais enxuta’?

Primeiramente, a preposição de uma noção básica constitucional não nasce do conservadorismo que existia à época do surgimento das primeiras constituições. Naquele tempo, uma constituição que se limitava as proteções de direitos básicos era bandeira dos liberais, que hoje são chamados, na América Latina, de conservadores.[8]

No que se refere a um ponto mais pragmático, a própria Constituição Federal, e nós como seus súditos, pagamos o preço de seu expansivo, e não enxuto, texto. A Constituição define nosso Estado como uma República, uma Federação, e uma Democracia, condensado com um ingrediente social na expressão ‘Estado Democrático de Direito’. Tivesse parado por aí, estaria melhor.

Mas ela vai em frente, e por não ser enxuta, vai desgraçando suas próprias bases, deixando – inclusive – aberto para que outras emendas constitucionais disfarçadamente a deteriorem, ainda que persistam as cláusulas pétreas.

A Constituição diz que o Brasil é uma República, mas não tem problema com a perpetuação de poder de elites políticas, e com o modo de alocação de recursos (ditos) públicos. Nossa presidente Dilma Rousseff declara em discursos oficiais do Planalto que ela irá bancar determinadas políticas, como se o dinheiro fosse sua propriedade. Ou seja, a coisa (res) não é do povo (pública), mas sim de nossos governantes.

A Constituição diz que o Brasil é uma Federação, mas logo em seguida concentra de forma gritante o poder e o dinheiro na União, sugando das comunidades locais seus mais básicos direitos. O Brasil é uma federação de brincadeira.[9]

A Constituição diz que o Brasil é uma Democracia, mas impede o exercício de livre expressão democrática, como se a política fosse algo somente relacionada ao processo eleitoral.

Sem dúvida, o jurista José Afonso da Silva estaria mais feliz se vivêssemos em um país como a Venezuela, Cuba ou Coréia do Norte, onde a economia de mercado teria sido extinta em favor dos questionáveis “direitos sociais”.[10] Ele estaria mais feliz assim, mas não tenho certeza se essa seria a opinião dos mais pobres.

Sumariamente, nosso sistema jurídico deficiente e inseguro é o preço que pagamos por termos uma constituição que nasceu durante a Guerra Fria. Tivesse nascido dois anos após 1988, nosso país sem dúvidas encontrar-se-ia hoje com menos pobreza e mais desenvolvimento.

Entre nossos atuais operadores do direito, esse é o preço que pagamos por rejeitarmos no Brasil a análise econômica do Direito (law and economics), e pela alergia de alguns professores à Escola de Chicago e suas conclusões empíricas. É uma lástima que nossos constitucionalistas ainda não saibam que o Muro de Berlim caiu, e o marxismo perdeu.

Interessante notar que alunos de Direito de universidade influentes, passam cinco ou seis anos, tentando encontrar a solução dos problemas para o mundo através da força compulsória do Direito. Depois de formados, reclamam da discricionariedade judicial de quando, seus mesmos colegas socialistas, tornam-se juízes, e tentam “corrigir” a sociedade por meio da ponta de uma caneta.

Every man has a property in his own person. This nobody has a right to, but himself. (John Locke)

[1] Sumariamente, tal afirmação possui notáveis evidências na rejeição da prática brasileira do sistema adversarial no processo penal, ligado às formações ocidentais democráticas, em detrimento do sistema inquisitorial, conexo sobretudo aos regimes autoritários e estatistas (com “recente” destaque ao adotado por Mussolini na Itália). Para mais informações neste sentido, indica-se PAPOULOS e GARAPON, Julgar nos EUA e França, Editora Lumen Juris, 2008.

[2] Ver mais em Second Treatise of Civil Government, John Locke (1690)

[3] Essa relação entre o direito à propriedade e a liberdade de expressão, como um todo, não se restringe à Venezuela. Podemos ver tais sólidas evidências na Argentina e Equador, sem contar os exemplos históricos de Cuba, Córeia do Norte e China.

[4] Chama-se a atenção para a imagem icônica de manifestantes de esquerda na Espanha, protegendo-se do abuso da polícia dentro de restaurantes (propriedade privada), onde o Estado não teria a permissão para violar seu direito de manifestação.

[5] A extinção do direito à liberdade de expressão em Cuba se deu com vínculo intrínseco ao cerceamento do direito à propriedade.

[6] Ainda que não se trate de um país escandinavo, é interessante notar a reforma feita pelo Labour Party (principal partido marxista britânico) em 1994, que alterou a Clausula IV de sua Constituição para modificar o objetivo “to secure for the workers by hand or by brain the full fruits of their industry and the most equitable distribution thereof that may be possible upon the basis of the common ownership of the means of production, distribution and exchange, and the best obtainable system of popular administration and control of each industry or service”, e no lugar decidir “The Labour Party is a democratic socialist party. It believes that by the strength of our common endeavour we achieve more than we achieve alone, so as to create for each of us the means to realise our true potential and for all of us a community in which power, wealth and opportunity are in the hands of the many, not the few, where the rights we enjoy reflect the duties we owe, and where we live together, freely, in a spirit of solidarity, tolerance and respect.”. Ou seja,  o partido rejeitou finalmente a ideia de estatização dos meios de produção, e abraçou a economia de mercado, ainda que através da social-democracia.

[7] Index of Economic Freedom by the Heritage Foundation, access by  http://www.heritage.org/index/explore

[8] A deficiência do estudo de filosofia e ciência política na América Latina, muitas vezes associada com religião (nomeadamente o marxismo), produz esse “fenômeno” de deficiência de termos.

[9] Poucos livros possuem tanto impacto nas motivações políticas de um indivíduo quanto a leitura de ‘Da Democracia na América’, de Alexis de Tocqueville; leitura que se recomenda.

[10] Milton Friedman advoga que uma análise empírica das intenções das políticas sociais demonstram que os efeitos negativos dessas intervenções são sempre maiores que os positivos, daí a questionabilidade da eficácia do que se chama, sob nossa atual constituição, de direitos sociais. Nesse sentido, indica-se FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom, University of Chicago Press (1962).

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Geanluca Lorenzon

Geanluca Lorenzon

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e competidor premiado em Direito Internacional. CEO & Founder do Clube Farroupilha. Coordenador Nacional da Rede Estudantes Pela Liberdade (EPL). Honourable Speaker do Clube de Direito Internacional da Universidade de Santa Maria.

Um comentário em “O Cravo e a Rosa (Direito e Economia)

  • Avatar
    25/07/2014 em 9:33 pm
    Permalink

    Reitero a necessidade urgente de submeter os textos publicados a uma revisão gramatical antes da publicação.

    “seguimentos” não, SEGMENTOS!

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