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O casamento civil como contrato

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Uma das notícias mais engraçadas dos últimos tempos vem de uma situação ocorrida no Quênia, suposta terra do nosso “querido” Barack Obama. De acordo com a BBC, dois homens assinaram um acordo de convivência conjugal com a mesma mulher, que mantinha um caso com os dois há mais de quatro anos. Esse contrato seria ilegal no Brasil, pois casamentos não são contratos.

O casamento, no Brasil, é um instituto próprio de direito civil, e não um contrato, tendo regras próprias e efeitos particulares, sendo contaminado por diretrizes de ordem pública em todas as suas práticas, ao passo que, no contrato, a lógica é a de que diretrizes de ordem pública só são aplicados marginalmente.

O grande problema de se ter o casamento como um instituto dirigido pelo estado e gerido democraticamente é justamente a imposição de uma moralidade social específica dentro da relação privada da constituição da vida em comum. Como a moralidade dominante na maior parte dos países do mundo era religiosa e monogâmica entre homem e mulher, pessoas que não se adequavam a esse modelo tinham seus direitos civis e patrimoniais vilipendiados pelo ordenamento jurídico.

E isso gera um grave problema social, pois famílias fora do modelo tradicional acabavam sendo sensivelmente prejudicadas do ponto de vista econômico. Um exemplo aconteceu com uma cliente minha, que vivia há anos com outra mulher, e por conta dessa relação homossexual, as duas famílias as rejeitaram por quase 20 anos. Com a morte da mulher, imediatamente os preconceituosos pais da falecida entraram no inventário requerendo toda a gorda herança, e até hoje essa situação ainda não se resolveu.

Por outro lado, a gestão estatal e democrática do casamento pode trazer um revés para o movimento conservador. Como a moralidade social está mudando na maior parte dos países ocidentais, cada vez mais se dá ênfase a políticas públicas ligadas aos novos tipos de relacionamentos, e agora os movimentos anti-conservadores buscam forçar instituições religiosas a aceitarem e celebrarem tipos de casamento não-ortodoxos.

Como o casamento civil (instituto jurídico) e o casamento religioso (sacramento) usam o mesmo nome, movimentos gays acabam por fazer do casamento religioso gay uma bandeira. E a tendência brasileira, no momento, é de crescimento do lobby homossexual, sendo possível que, em breve, tenhamos uma lei obrigando igrejas a realizar esse tipo de casamento.

Mas, mesmo sem essa lei, pode ser que o ativismo judicial gay já seja suficiente para tal fim. No Brasil, o STF já aplicou em vários casos a chamada “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”. Explicando, os direitos fundamentais normalmente têm efeito na relação entre o estado e o cidadão, que é uma relação vertical, já que o estado tem mais poder que o indivíduo. Essa nova teoria diz que os direitos fundamentais também devem ser aplicados nas relações entre dois indivíduos, que por terem o mesmo nível de poder, possuem uma relação horizontal.

Um exemplo: em uma discussão entre um clube e seu associado (relação horizontal entre dois particulares), o clube deve dar ao associado o direito de contraditório e ampla defesa (direito fundamental), sob pena da decisão administrativa do clube ser ilegal. Isso é eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

O movimento homossexual argumenta que o princípio da isonomia (direito fundamental) deve ser aplicado na relação entre um casal gay e a igreja (relação horizontal entre particulares), para que as igrejas sejam obrigadas a realizar casamentos gays.

Como a tese da eficácia horizontal dos direitos fundamentais está cada vez mais presente, me arrisco dizer que essa é uma tendência. E isso é bastante anti-liberal, pois são pilares do liberalismo a liberdade de associação e a autonomia das entidades privadas.

Nessa guerra entre homossexuais e religiosos, a sociedade como um todo sai perdendo.

A melhor solução liberal para esse imbróglio é a desestatização do casamento. Como funcionaria:

O casamento, com esse nome, seria um sacramento a ser realizado por instituições religiosas e sem nenhum efeito civil.

O que hoje se chama casamento passaria a ser um contrato e ter outro nome, por exemplo, Contrato de União Familiar, onde as partes livremente estipulariam direitos, obrigações e efeitos patrimoniais, e como qualquer contrato, poderiam se desfazer dele de maneira simples e não-burocrática, sem a necessidade de supervisão do MP ou burocracia cartorial e jurídica.

Como é um contrato, pode ser firmado por pessoas de diferentes orientações sexuais sem nenhum problema, respeitado o limite da capacidade civil de 18 anos (16 com supervisão dos responsáveis), e uma mesma pessoa poderia até mesmo assinar mais de um contrato ao mesmo tempo, se os contratos não forem de exclusividade.

Com isso, religiosos manteriam a sacralidade de seu rito, sem efeito civil e com suas próprias regras. Por outro lado, homossexuais e polígamos teriam exatamente os mesmos direitos civis dos heterossexuais, garantindo-se a laicidade e a isonomia do estado perante os cidadãos, tudo isso sem a atual burocracia.

Destaco, para terminar, que eu, particularmente, sempre serei um defensor da família tradicional, que é cultural e moralmente o modelo mais correto para o ser humano, e não recomendo outras formas de relacionamento humano para ninguém, mas meu posicionamento particular sobre o tema não pode contaminar o direito civil de pessoas que pensam diferentemente de mim.

Dentro dessa posição, com todas as objeções morais que tenho, considero legítimo o contrato feito pelos quenianos em questão, pois eles resolveram, pacificamente, uma situação que já tinha gerado violência, e a busca pela paz social é um dos principais objetivos do direito liberal, independentemente de preconceitos.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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