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“O capitalismo não é o problema, é a solução”: o peso das evidências

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A editora Almedina lançou em português, em parceria com o Instituto Liberal, a obra O capitalismo não é o problema, é a solução – Uma viagem pela história recente através de cinco continentes, em tradução de Patrícia Corrêa. O livro preenche um espaço muito especial para as reflexões liberais no país.

O autor é o alemão Rainer Zitelmann, uma personalidade bastante versátil. Ele estudou História e Ciências Políticas, graduando-se com o doutorado summa cum laude em 1986. Começou sua carreira lecionando História na Freie Universität Berlin de 1987 a 1992. Foi editor-chefe em uma das mais prestigiadas editoras da Alemanha, a Ullstein-Propyläen, além de editor de seção do principal jornal diário alemão, Die Welt. Como se não bastasse, Zitelmann fundou uma empresa, que dirigiu entre 2000 e 2016, concluiu um segundo doutorado e escreveu um total de 25 livros.

Essa “bagagem” tão diversa situou o autor em uma posição privilegiada para, especificamente nesta obra que chega ao público brasileiro, atender a uma demanda de extrema urgência. A literatura liberal muitas vezes se concentra na discussão mais densa dos princípios e desenvolvimentos históricos de nossa tradição de pensamento, o que é essencial para nos assentarmos de forma mais sólida sobre nossos fundamentos, mas é muito necessário que também tenhamos à disposição obras de consistência mais factual, voltadas a demonstrar, com didatismo e dados concretos, as vantagens da aplicação de nossas teorias.

Provocado pelas declarações de falência do mercado e os apelos por maior intervenção governamental na economia após a crise de 2008, Rainer se encarregou de construir uma viagem bastante objetiva pelas diversas regiões do mundo a fim de demonstrar, não com base em autores liberais ou postulados filosóficos, mas em experiências concretas, como a economia de mercado tem sido o palco da solução de inúmeros problemas. Simultaneamente, ele atesta com comprovações irrespondíveis o quanto as alternativas que lhe são apresentadas não fazem mais do que incrementar os problemas que se propõem a resolver.

Não é que o livro esteja carente de fundamentação teórica e bibliográfica. Ao contrário, Rainer repercute a visão de Friedrich Hayek de que o capitalismo não é um sistema inventado por intelectuais, mas o resultado de uma evolução. Também endossa suas teses críticas ao planejamento central da economia e da vida social. Entretanto, em sua introdução, Rainer conceitua seu trabalho como uma tentativa de, tomando a história econômica como ponto de partida e não a sistematização de teorias, “ver o que funcionou e o que não funcionou”. Em suas palavras: “comparo países em que tais comparações sejam mais possíveis porque têm muita história e cultura em comum: Coreia do Norte e do Sul, RDA e República Federal da Alemanha, Venezuela e Chile. O livro também mostra como o avanço do capitalismo e a retirada do socialismo transformaram a China de um país pobre, onde dezenas de milhões de pessoas morreram de fome há menos de 60 anos, na maior nação exportadora do mundo”.

Ao tomar esse cuidado adicional de não ousar comparações de países profundamente diferentes, o autor afasta possíveis objeções metodológicas e fortalece a sua proposta, que deve ser do interesse de todos os nossos liberais. Ele também se esforça por provar que o capitalismo é mais eficaz no combate à pobreza nos países subdesenvolvidos do que a própria ajuda financeira externa e que, de forma geral, “mais capitalismo significa maior prosperidade”. Rainer se dedica à meta de ratificar que, sob o ponto de vista específico do desempenho econômico, ele é o sistema que possibilita a melhor qualidade de vida neste mundo.

O primeiro capítulo se debruça sobre a China, o gigante do Extremo Oriente. Ele ilustra com riqueza de detalhes os horrores de que padeceu o povo chinês sob o totalitarismo socialista de Mao Tsé-Tung e os impactos positivos das reformas capitalistas de Deng Xiaoping, não obstante reconheça que há muito por fazer naquele país e que a trajetória de suas reformas liberalizantes tem sido bastante acidentada. Conforme sua conclusão, as razões do crescimento chinês se alicerçam na redução da intervenção governamental e no número de empresas estatais: “o segredo do sucesso da China foi a liberalização gradual da economia do controle estatal e a reorientação das aspirações dos cargos no governo para o empreendedorismo”.

O problema da pobreza no continente africano e da ênfase conferida aos aportes financeiros do exterior como solução para esse grave quadro é o tema do segundo capítulo. Sem deixar de reconhecer alguns países africanos em que se observam desenvolvimentos interessantes em um sentido liberal, o autor sustenta que a corrupção e a ordem econômica prevalecentes nessa parte do mundo têm muito mais peso para a perpetuação das misérias e aproveita para discutir o papel dos recursos naturais na busca pela prosperidade. Ele mostra que muitos países se atrelam à abundância de determinados recursos e não diversificam sua atividade econômica.

No terceiro capítulo, Rainer aborda seu próprio país, contrastando diretamente o socialismo da antiga Alemanha Oriental com o capitalismo da Alemanha Ocidental. Destaque-se, em sua abordagem desta última, a oportuna descrição do trabalho de Ludwig Ehrard, que, como Ministro de Assuntos Econômicos, conseguiu o brilhante feito de impulsionar aquele país em direção a uma ordem econômica orientada para o mercado, fator essencial para a recuperação alemã após a derrota na Segunda Guerra Mundial.

A oposição entre o capitalismo da Coreia do Sul e o regime tirânico e longevo do socialismo norte-coreano é o tema do quarto capítulo. Neste caso, Rainer documenta uma comparação trágica que, lamentavelmente, podemos fazer ainda hoje, ao vivo e em cores.

O quinto capítulo estuda mais de perto dois exemplos emblemáticos para os admiradores das correntes políticas mais afeitas ao mercado: os governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que protagonizaram uma onda significativa de reformismo liberal capaz de inspirar lideranças em todo o mundo. O texto ressalta o sucesso duradouro do thatcherismo, que seus sucessores do Partido Trabalhista não puderam reverter por completo, e aponta a restrição fiscal e os cortes drásticos de impostos como fatores de sucesso do governo Reagan, sem deixar de ressalvar o acúmulo de dívidas pelo aumento de gastos militares e algumas críticas formuladas a ele por Milton Friedman, especialmente à sua segunda administração. Para Rainer, “Reagan, Thatcher e Erhard foram os defensores mais significativos e inflexíveis do capitalismo de livre mercado entre os líderes políticos ocidentais do século XX. Todos os três rejeitaram o estado de bem-estar social democrata junto com o socialismo em sua forma marxista pura. E todos os três fizeram contribuições significativas para o crescimento da prosperidade das nações que eles governavam”.

A América do Sul enfim se torna objeto das análises do livro no sexto capítulo, mas o foco está na oposição entre o Chile, egresso das reformas dos economistas da Escola de Chicago durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, e a Venezuela, vitimada pelo “socialismo do século XXI” de Hugo Chávez. O texto não desenha um cenário paradisíaco para o Chile, mas pontua que “a maioria dos chilenos parece valorizar mais o progresso econômico alcançado em seu país do que a ‘igualdade social’ lamentada pelos críticos” – cenário que talvez esteja mudando, a julgar pelos acontecimentos recentes. Rainer extrai da experiência chilena outro dado educativo: o de que a imposição “repentina de um dia para o outro” do capitalismo pode não ter os melhores resultados de imediato. “Em vez disso, o capitalismo cresce naturalmente e espontaneamente. (…) Embora as reformas dos Chicago Boys tenham constituído uma importante mudança de direção que marcou o início do caminho do Chile para o sucesso econômico, o país levou várias décadas para fazer a transição para uma economia de mercado capitalista totalmente desenvolvida”, ele sintetiza. Rainer também formula uma crítica à primeira rodada de privatizações chilenas, baseada em dívidas, caminho corrigido na segunda rodada, em que as estatais foram negociadas na bolsa de valores. A partir de 1986, gerou-se com essas privatizações um valor total de ativos de US$3,6 bilhões.

O sétimo capítulo disseca a mitologia do socialismo nórdico, avaliando o caso representativo da Suécia e demonstrando o quanto as reformas capitalistas foram as verdadeiras responsáveis pelas conquistas daquele país. Os quatro capítulos subsequentes se dedicam a discutir temas que podem ser deduzidos dos dados observados nos capítulos anteriores. São eles: a evidência de que a liberdade econômica aumenta o bem-estar dos seres humanos; as razões políticas e estatais da crise financeira; os fatores que levam boa parte dos intelectuais a se recusarem a admitir os dados concretos e seguirem alimentando um sentimento anticapitalista e, por fim, um apelo urgente pela adoção de reformas pró-capitalistas.

Rainer reconhece ao Estado “um papel muito importante a desempenhar na estruturação da atividade econômica”, servindo-se mais uma vez de Hayek para apoiar seu ponto de vista, mas assevera que “não há nenhum lugar no mundo hoje onde um excesso de liberdade econômica esteja criando problemas”, ao passo que “existem muitos lugares onde o oposto é verdadeiro”. Eis o que justifica, a seu ver, a redação do livro.

A edição brasileira contém um capítulo adicional sobre o Brasil, redigido pelo advogado e mestre em Direito Bernardo Santoro, ex-presidente do Instituto Liberal. O capítulo relaciona com enorme competência as reformas liberalizantes que foram adotadas durante os sucessivos governos da Nova República, ao mesmo tempo explicitando sua gênese e sua orientação de fundo social democrata, bem como os robustos prejuízos que acarreta.

É uma grande satisfação ter colaborado para disponibilizar este livro ao público brasileiro. Tenho convicção de que ele tem um papel muito importante a cumprir para municiar nossos ativistas e divulgadores do liberalismo com argumentos concretos para a defesa do verdadeiro caminho da prosperidade.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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