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O assistencialismo destrói um país

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Em um país em que pouco mais de 20% de seu povo vive na faixa de pobreza – menos de US$ 5,50 por dia – e com uma elevada taxa de desemprego, parece óbvia a premência de uma assistência social que amenize as dificuldades dessa importante parte da população, de forma a lhe restaurar a dignidade. Ocorre que, na maioria das situações, o processo de assistir necessitados é complexo e singular. Em alguns casos, por exemplo, o amparo psicológico é muito mais eficaz que uma ajuda financeira; em outros, a orientação e a reeducação são suficientes para restituir a autonomia do assistido.

Há contextos tão específicos que, muitas vezes, aquela dificuldade temporária se torna o impulso necessário para a revelação de um grande talento, que apenas carecia de oportunidade para irromper. Em outros, a contribuição monetária pode motivar uma dependência permanente, com consequências econômicas e sociais bastante negativas. O historiador David Beito, ao estudar as sociedades fraternais e os serviços sociais, conclui que, ao longo da história, praticamente todos os grupos étnicos criaram redes de auxílios individuais e coletivos para aliviar a pobreza. Essas redes eram espontâneas, descentralizadas e flexíveis, de modo a contemplar virtualmente qualquer especificidade. Além disso, não raras vezes, eram capazes de transformar o beneficiado da ocasião em filantropo do futuro. Por que então foi criado o sistema de assistência social estatal? Por que, mesmo com tanto desperdício e ineficiência, as pessoas clamam pela ação estatal contra a pobreza? A resposta está na crença de que o Estado onipotente tudo resolve. A obsessão do homem por controlar o mundo à sua volta é imemorial e, de certa forma, remete à rebeldia por sua expulsão do paraíso. Não por acaso, os intervencionistas mais convictos são também os mais inconformados com a tribulação e a fugacidade da vida, como se fosse possível ao homem anular todas as imperfeições da realidade ao seu entorno.

Mises adverte que, em função de uma escala própria e exclusiva de valores, a ação humana sempre parte de uma avaliação subjetiva e pontual para alcançar um estado mais elevado de realização pessoal. Dado que essa ação transcorre no tempo, o comportamento humano é a todo momento dinâmico e sujeito ao aprendizado e às incertezas da vida. Dessa forma, ao selecionar os meios para alcançar determinados fins, é perfeitamente natural a urgência da colaboração. Afinal, o ser humano é imperfeito e seu tempo de vida escasso; por conseguinte, ainda que desejasse, não teria tempo bastante para alcançar o saber absoluto, imprescindível para sua suposta autossuficiência. O mercado, portanto, é o atalho definitivo para contornar a imprevisibilidade e a brevidade de sua existência. Ademais, a divisão do trabalho e a especialização decorrentes de suas trocas voluntárias aumentam a produtividade e multiplicam a criação de riqueza. Acontece que a seita intervencionista não admite nenhum tipo de concorrência ao seu deus Estado. Para o filósofo alemão Friedrich Hegel, precursor do marxismo, o Estado é Deus na Terra. Logo, é compreensível que nunca se tivesse admitido, por exemplo, que a crise de 1929 seja fruto de decisões estatais. Pelo contrário, ela sempre foi erroneamente e propositalmente atribuída às falhas de mercado.

Isso posto, não é sem razão que o economista francês Frédéric Bastiat alerta em seu livro O que se vê e o que não se vê sobre as consequências de curto e de longo prazo das decisões humanas. De forma geral, a preferência temporal leva a decisões que supervalorizam o tempo presente, sem qualquer preocupação com os desfechos futuros das mesmas. Isso explica as iteradas decisões políticas que visam a manter a economia artificialmente superaquecida. A euforia que elas produzem no curto prazo é regiamente capitalizada para autopromoção dos governantes, mas as consequências posteriores são solenemente ignoradas. Claro que, no final, alguém paga a conta dessa insensatez.

Ante o exposto, a criação do Banco Central americano, em 1913, e sua crescente política intervencionista, em momento nenhum são apontadas como a verdadeira causa do crash da Bolsa de Nova Iorque. Para Rothbard, o Federal Reserve (FED) surge com o objetivo de manter a capacidade estatal de expansão do crédito, com bancos inundando a economia de moeda fiduciária – sem lastro. Os juros baixos e os empréstimos fartos e ilimitados para a compra de ações permitiram a especulação mobiliária e a valorização ininterrupta dos papéis por vários anos. O excesso de liquidez também sustentou o aumento da demanda e as compras a prazo, além de estimular investimentos empresariais na capacidade produtiva. Contudo, o êxtase da abundância artificial bloqueia a percepção do perigo. O efeito inflacionário da expansão monetária subverte a capacidade de avaliação e de comparação de valor. Os investimentos ruins (malinvestiments) se multiplicam e bolhas são formadas em diversos setores econômicos. Então, basta que um único evento precipite a reversão das expectativas e o mercado perceba a incongruência da situação para que a bolha estoure. Imediatamente se procede à readequação da capacidade produtiva, com venda de ativos, suspensão de novos investimentos, demissão de pessoas e a economia mergulha na recessão, com o preço das ações despencando, como ocorreu naquela terça-feira, em outubro de 1929.

A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, portanto, mostra que a contração e a depressão econômica são consequências inevitáveis da expansão monetária e que, apesar de receber toda a afronta pelas perdas resultantes das crises, o mercado apenas se reajusta para eliminar os excessos e as distorções causados pelo estímulo artificial da economia. Rothbard sustenta que a expansão de crédito, causa principal das crises econômicas, ocorre apenas pelo monopólio dos bancos centrais em emitir moeda e fazê-la vigorar como curso forçado. Por isso, a partir da criação dos bancos centrais e principalmente após as duas grandes guerras, os ciclos de expansão e contração econômica se tornaram frequentes à medida que a abrangência estatal se generalizava sob as bençãos de Keynes e seus seguidores. Assim, sem limites de atuação muito bem definidos e sem a vigilância permanente da sociedade, o Estado sacrossanto não hesita em ampliar ainda mais seu acervo de medidas intervencionistas, com a suposta intenção de solucionar problemas que ele mesmo causa. Tais medidas têm sempre como alvo o setor produtivo da economia, a que cabe financiar os programas oficiais de assistência social e de fomento contínuo e artificial da atividade econômica.

Por toda parte é visível a defesa geral e entusiasta do assistencialismo estatal, porém muito pouco se fala das políticas governamentais que de fato deslocam as pessoas para a pobreza. Muitos aplaudem a assunção de barreiras protecionistas contra a concorrência estrangeira ou a pesada tributação sobre bens de capital e de consumo, mas ignoram os obstáculos criados à inovação e à geração de novos empregos. A justificativa é sempre a de que somente o Estado é capaz de fazer justiça e aliviar o sofrimento dos necessitados, com suas ações sociais. Todavia, o fato é que não há como reduzir a pobreza de forma significativa se a gastança estatal se mantém fora de controle. Afinal, o déficit fiscal é a principal causa da corrosão do poder aquisitivo da moeda, que comprime o consumo e lança a economia no ciclo vicioso da pobreza. Como então eleger o poder estatal como protetor dos pobres se é ele quem cria os entraves para a geração de riqueza? O economista Leandro Roque afirma que após criar inúmeras disfunções com as persistentes intervenções na economia, o Estado tenta remediar os contratempos causados com novas intervenções. O problema sempre foi explicar a intrincada rede de relações causa-efeito para as vítimas das decisões oficiais. Muitas vezes elas ainda preferem acreditar que estão sendo protegidas pelo Leviatã impostor.

Para Juan Rallo, professor da Universidade Rei Juan Carlos de Madri, o Estado nada mais é que uma máquina de confisco e transferência de renda. Não existe mágica. Para prestar assistência social, antes o Estado precisa tributar. Assim, para prover saúde, educação, segurança, previdência social, lazer e até subsídios para empresas, a burocracia estatal se utiliza de sua prerrogativa de coerção para extrair da sociedade os recursos que financiam o assistencialismo e sua máquina de redistribuição. Hoppe afirma que a partir da ascensão do modelo de governança da república democrática, nos países ocidentais, em meados do século passado, inicia-se um processo global de transferência de renda de agentes econômicos mais produtivos para os menos produtivos. Então, a produtividade e a poupança são preteridas em favor da burocracia estatal e do consumo. Compreensível, portanto, que à medida que o aparato estatal cresça para atender a atribuições que ao longo do tempo se tornaram constitucionais, os gastos governamentais como percentual do PIB se multipliquem. Mitchell mostra que, na média, os gastos de alguns países desenvolvidos saltaram de 18,5% do PIB em 1920 para 46,9% em 2009. No Brasil, para sustentar um Estado cada vez mais voraz, a carga tributária avançou de 29,4% do PIB em 1995 para 33,2% em 2018 e o endividamento público saltou de 34% do PIB para 76,5% no mesmo período. Tudo isso para uma evolução pouco relevante dos diversos indicadores sociais, especialmente quando comparados a países da OCDE.

Se para tamanho aumento dos gastos públicos não há correspondente redução nos índices de pobreza, os programas de assistência social certamente são ineficazes e disfuncionais. Afinal, se estes não contêm instrumentos que permitam ao assistido se emancipar da tutela estatal, eles apenas perpetuam a dependência crônica da subvenção pública, a despeito da dignidade do beneficiário. Trata-se de assistencialismo puro e simples, no qual os maiores beneficiados são sempre os políticos e os burocratas, que não se constrangem em viver às expensas da sociedade. Se confrontados, ainda têm coragem de invocar o famoso “direito” adquirido. Quanta impostura confundir direito com privilégio!

Assim, apesar de todas as justificativas utilizadas pelos simpatizantes da intervenção estatal, o processo de transferência de renda é injusto e imoral; afinal, se a renda é confiscada do setor produtivo e transferida a terceiros sem nenhuma contrapartida, que motivação pode haver para se tornar mais produtivo? Evidente que nenhum arranjo social subsiste por muito tempo quando a inventividade, o esforço próprio e a ousadia para assumir riscos são punidos dessa forma. Além do mais, que atrativo seria capaz de tirar da inércia aqueles que recebem seu sustento sem precisar se esforçar? Em uma sociedade livre das amarras estatais, óbvio que o grau de responsabilidade individual tende a se elevar, afinal de contas as pessoas precisam assumir as consequências de suas decisões. Não há espaço para dissolver as obrigações próprias no lombo da coletividade. Por outro lado, nas sociedades coletivistas, o excesso de proteção descaracteriza a imputabilidade e, certamente, suscita a infantilização dos indivíduos. Para Hoppe, é essa orientação de curto prazo das nações menos livres que promove o consumo do capital. Acontece que é justamente o acúmulo de capital que permite a multiplicação da riqueza e a dispersão da prosperidade para um número cada vez maior de indivíduos. Não é sem razão, portanto, que as nações prósperas são aquelas de maior grau de liberdade econômica. Por certo, a livre iniciativa e a competição são condições sine qua non para o desenvolvimento de um país.

Nesse enquadramento, é compreensível, portanto, a estagnação da produtividade da economia brasileira. O fluxo interminável de regulamentação e tributos, inaugurado na Constituição de 88, castiga incessantemente o setor produtivo dessa pátria para favorecer as entranhas do Leviatã e uma multidão de resignados, que assentiu em trocar sua autonomia pela dependência do amparo oficial. Sucede que há um bom tempo esse arranjo dá sinais de esgotamento. Não é seguro e sustentável manter por tanto tempo a gastança do estado de bem-estar social nos ombros da porção proficiente da sociedade. Sem reformas estruturais robustas e inadiáveis, os alicerces da obra brasilis vão ficando por um triz. Um dia a casa cai, literalmente.

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Vinícius Montgomery de Miranda

Vinícius Montgomery de Miranda

Graduado e Mestre pela Universidade Federal de Itajubá, MBA em Gestão Financeira pela UNITAU. Consultor de Empresas e Professor de Economia e Finanças.

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