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Nós não humanizamos o capitalismo; foi ele que nos humanizou

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É impressionante como a retórica sindical ainda consegue engabelar boa parte dos trabalhadores tungados mensalmente pela pelegada.

Como síndico do meu prédio, resolvi conversar com o porteiro, que trabalha para nós há anos, a respeito da contribuição assistencial que ele faz para o sindicato da categoria todos os meses – não me refiro aqui à contribuição sindical obrigatória (constitucionalmente), recolhida uma vez por ano pelo empregador, correspondente a um dia de trabalho de todos os trabalhadores, mas a uma penca de contribuições mensais, “negociadas” nas respectivas convenções coletivas.  Disse a ele que aquelas contribuições eram opcionais, mas que ele precisaria ir até o sindicato e declarar a não opção, caso não desejasse continuar pagando.  Sua resposta deixou-me estupefato. Ele disse que preferia continuar pagando, pois o sindicato “luta pelos meus direitos”. Cabe esclarecer que esta contribuição pode chegar a 3% do salário, dependendo do sindicato (na construção civil do RJ, por exemplo, é de 2,7%).

Lembrei desse episódio ao ler um excelente artigo do Steven Horowitz no site da FEE.  Nele, o autor demonstra como os sindicatos e os políticos em geral, mundo afora, tiram proveito de uma fama imerecida. Assim como meu porteiro, muitos trabalhadores, nos quatro cantos da terra, ainda acreditam que suas conquistas, através dos tempos, foram resultado da intervenção sindical e estatal, quando, na verdade, essas “conquistas” são, na maior parte das vezes, um presente do “malvado capitalismo”.

Segundo Horowitz, “Foi a riqueza produzida pelo capitalismo que nos permitiu exercer o nosso humanitarismo de maneiras que não aram possíveis quando a imensa maioria vivia no limite da sobrevivência.”

De acordo com Horowitz, nós não teríamos estabelecido jornadas máximas de trabalho de 8 horas, semanas de 40 horas e erradicado o trabalho infantil se, previamente, não existissem as condições econômicas e materiais para isso. Os chamados proletários não trabalhavam durante longas jornadas ou colocavam suas crianças para trabalhar porque os empregadores capitalistas os obrigavam a isso, apontando armas para a suas cabeças. Eles tampouco faziam isso porque gostavam de trabalhar duro e não amavam seus próprios filhos, como nós os amamos hoje. Assim como nós, eles teriam preferido melhores condições de trabalho desde sempre, além de lazer e conforto. No entanto, enquanto o capital era escasso, os salários eram baixos e a subsistência da família exigia mais horas de labuta e mais mãos no batente.  Simplesmente, não havia alternativa.

Como destaca Jarred Diamond, em “The world before yesterday” o trabalho infantil era intrínseco às economias pré-industriais. Nelas, não havia um conceito de infância no sentido moderno. As crianças muitas vezes começavam a participar ativamente de atividades como caça e agricultura assim que se tornavam minimamente aptos. Em muitas sociedades, crianças a partir dos 13 eram vistas como adultos e se envolviam nas mesmas atividades dos adultos.

Só para se ter uma ideia de como a vida era dura antes do capitalismo, Liza Picard, no memorável Dr. Johnson’s London: Everyday Life in London in the Mid 18th Century”, mostra como a vida profissional começava cedo, em meados do século XVIII, na maior cidade europeia.  Segundo aquela autora, as crianças, por causa do tamanho, eram frequentemente escaladas, desde a mais tenra idade, até mesmo para limpar as chaminés das casas, um trabalho tão duro quanto insalubre.  Infelizmente, esse era o padrão desde muito antes da implantação da primeira fábrica de tecidos.  No campo a situação não era muito diferente, com as crianças escaladas para trabalhar de sol a sol no plantio e na colheita.  Não por acaso, a longevidade dos seres humanos não ia muito além dos 40 anos.

Foi somente com o aumento da produtividade do trabalho que os trabalhadores e suas crianças começaram a desvencilhar-se  dos grilhões da semi-escravidão.  A disponibilidade de mais e melhores capitais (máquinas e ferramentas) possibilitou um aumento exponencial da produtividade do trabalho, permitindo o aumento dos salários e, consequentemente, a sobrevivência das famílias sem a necessidade do trabalho infantil, além de possibilitar que as empresas reduzissem a duração da jornada, sem prejuízo da produção.  E este ciclo virtuoso já estava em andamento bem antes de qualquer forma importante de sindicalização ou das primeiras regulamentações governamentais sobre o trabalho (inclusive infantil).

Segundo Horowitz, a evidência disso vem do extenso trabalho de pesquisa de Clark Nardinelli (Child Labor and the Industrial Revolution), que mostra a redução paulatina e constante das taxas de trabalho infantil nas fábricas de algodão e linho britânicas durante as duas décadas anteriores à primeira Lei Fabril (Factory Act), de 1833, que proibiu o emprego de crianças menores de 9 anos e estabeleceu um limite de horas para o trabalho entre 9 e 13 anos.

Tais evidências confirmam o papel crucial do aumento dos salários reais, impulsionados pelo incremento da produtividade capitalista, como a causa da redução do trabalho infantil ao longo do século XIX. Segundo aquele autor, também a mão-de-obra infantil das fazendas foi reduzida com a introdução de melhoria nas técnicas agrícolas e os retornos crescentes de escala na agricultura.  Segundo Nardinelli, “a reconhecida preocupação vitoriana com as crianças foi, em grande medida, um reflexo do aumento da renda.”  Certamente, as leis editadas depois tiveram algum efeito ao longo do processo, mas a “força mais importante”, sem dúvida, foi o aumento da renda real que o capitalismo e a industrialização produziram.

Em resumo, ao contrário do que costumam apregoar os seus críticos, o capitalismo não criou o trabalho infantil ou as jornadas de trabalho extenuantes, os quais sempre existiram, desde priscas eras, tanto nas cidades quanto no campo.  Em vez disso, o capitalismo foi o grande responsável, como demonstram os dados históricos, por melhorias das condições de trabalho e renda das massas menos favorecidas, melhorias estas nunca vistas antes na história da humanidade.  A propósito, é fácil “lutar” e legislar contra práticas econômicas cuja necessidade ou conveniência, para a maioria das pessoas, já fazem parte do passado.

Nota: texto publicado originalmente em setembro de 2016.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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