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“Natureza Capital”: da Seleção Natural de Darwin ao Capitalismo moderno

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naturezacapitalFui presenteado pelo nosso estimado colunista João César de Melo – figura prestimosa, de muito bom papo e, como podem constatar os leitores de seus artigos, dotada de um humor implacável e bastante peculiar – com seu recente livro “Natureza Capital – as relações entre natureza, economia e política”. João não se diz um intelectual, e está sempre se esforçando por frisar isso, mas sua coleção de referências e sua retórica fluida e envolvente dispensam tais rótulos. Ele define seu livro como um “exercício de interpretação do mundo”, descrevendo “perfis intelectuais para entendê-los enquanto sociedade”. Não obstante, a leitura de seu trabalho foi um desafio pessoal.

Não porque a escrita fosse desagradável; como acabamos de dizer, muito ao contrário. O texto é leve em seu desenvolvimento; é carregado, isto sim, em seu conteúdo. Propenso a um libertarianismo mais positivo e geral, o autor é nietzscheano demais para o meu estilo, afetado por sensibilidades mais conservadoras e metafísicas. Suas críticas ácidas à ideia religiosa e ao Cristianismo, ainda que temperadas pela concessão ao fato de que este último se teria “civilizado”, tornam delicado para alguém de disposições opostas excursionar por suas páginas. Suas negações de ideias de moral, de uma ordem superior, movidas pelo seu ceticismo, não encontram guarida em meu espírito particular, que está muito mais para o espiritualista Alfred Russel Wallace que para a teoria crua e material de seu parceiro Darwin – paradigma do estudo de João, como veremos a seguir. O mérito está, porém, em que não penso que ele esperasse outra reação. De espírito autônomo e independente, João Cesar se apoia em referências, ao mesmo tempo em que as critica em outros momentos, o que só faz quem está consciente da importância da reflexão aberta, do “nem tanto ao céu, nem tanto à terra”. Entendo de sua postura pluralista e aberta, evidenciada pelo convívio, que não se acorrenta a amarras piegas e reconhece em uma mesma causa figuras muito diferentes, que não espera aplausos integrais ao conteúdo de suas impressões, como aqueles estouvados que creem dever dizer sim a tudo para admirar alguém, ou condenar inteiramente apenas por divergências menores. Espera provocar, suscitar reações. E isso ele consegue.

A tese principal de “Natureza Capital” se baseia em Charles Darwin, o teórico da evolução das espécies, e no conceito da Seleção Natural. Observando a crueza das relações entre os seres vivos, as formações geológicas e de todos os elementos da natureza, submetidos a intempéries e adversidades de toda sorte, João César enxerga nelas uma lógica de competição e enfrentamento voraz de dificuldade e destruição, onde, tal como diriam os darwinistas, os mais bem adaptados e qualificados sobrevivem e garantem sua reprodução. Nesse ambiente, não são contemplados por misericórdia, por bandeirantes falsos moralistas da “justiça social”, por construtos artificiais tentando tratar de forma rigorosamente igual o que é desigual. Isso não é motivo, segundo João, para derramar lágrimas; faz parte do sistema, e o leva a se aperfeiçoar, se desenvolver. Sem esse conflito, sem esse enfrentamento, o que viria seria a estagnação, a mediocridade e, por consequência, a nulidade e extinção de todo o sistema, despido de vitalidade.

O ser humano, afirma João, é também um animal, e as relações nas sociedades complexas, quer queiramos, quer não queiramos admitir, também obedecem a esses ditames naturais. O que todos queremos, no fundo, é encontrar estratégias de “qualificação social e sexual”. O ser humano não se reproduz apenas enquanto espécie, mas também deixando suas marcas culturais e históricas para a posteridade. João entende que, deixando esse cenário o mais livre possível de intromissões de uma força centralizadora disposta a, sem freios e pudor, moderá-lo e adocicá-lo, ele pode produzir os resultados mais admiráveis e positivos para toda a coletividade. Entende, associando o pensamento de Darwin sobre as espécies com o conceito de ordem espontânea de Hayek, que nesse ambiente de liberdade individual, em que os melhores, deixados à sua sorte, com permissão para empreender e ousar, para lançar suas inovações e aprimoramentos – pouco importando queixumes de inveja dos que não sejam capazes de se equiparar -, todo o sistema se desenvolve muito melhor que sob a tutela do Estado agigantado e do coletivismo covarde. “A natureza não aplaudirá nossa vitória, nem lamentará nossa derrota”, ele sentencia. Em um sentido bastante racional de sua elaboração teórica, podemos entender, com João César, que o socialismo e o coletivismo são, antes de ultrajantes e fomentadores de miséria – e ele delineia muito bem as razões para isso, incluindo uma brilhante síntese do contexto brasileiro e da condução do PT ao poder -, verdadeiramente antinaturais.

A coragem da autonomia que João, como escritor, sustenta em seu livro ganha contornos mais interessantes se destacarmos que ele mesmo é também um artista plástico, com uma carreira consolidada. Insurge-se ele, com muita valentia, contra as intromissões do Estado no campo artístico, tanto quanto no esportivo, no empresarial, em todos os outros em que ele se arrogue no direito de ditar as regras sobre a “natureza” implacável da competição e seus processos que garantiram, no capitalismo moderno, as maiores melhorias de condição de vida já experimentadas pela humanidade.  “Quem o Estado pensa que é para definir o futuro do trabalho de um pintor? Quem o Estado pensa que é para definir o que eu, João César de Melo, posso fazer ou não com meu trabalho?” Ele protesta por sua liberdade, pela liberdade dos artistas independentes, e contra um forte segmento da classe artística que se ancora em um sistema de privilégios e fomentos estatais. “O ponto que inverteria os critérios de julgamento seria se aquela bandinha nova e super legal e se o João César de Melo tivessem alguma estampa engajadinha, voltada para as questões sociais, vinculada a algum partido, grupo ou qualquer coisa de cunho coletivo – todos os pecados seriam perdoados.” Eis a denúncia, certeira e dolorida para a realidade do mal-acostumado Brasil de Vargas, do PT, da lei Rouanet, dos filmes sobre Lula e Marighella.

Reproduzimos aqui parte do apelo sincero e ardoroso com que João, um apaixonado defensor da causa da liberdade, conclui seu livro: “Em vez de assistir passivo, no máximo irritado, à difusão da panfletagem da esquerda, cada um de nós precisa se manifestar dizendo que não concorda, apontando hipocrisias, abusos e delitos. (..) Levante-se! Manifeste-se!” Diz ele: “devemos mostrar que existimos, que somos fortes e que não permitiremos que nos ameacem”.

Ainda outra vez recorrendo ao triunfo do forte e do adaptado e ao valor dos obstáculos, que enriquecem e douram o triunfo, João nos traz uma mensagem com que, nessa aplicação particular, concordamos inteiramente: “devemos, sobretudo, ver a ameaça socialista como o adversário que nos fará mais fortes, que nos fará polir cada vez mais o capitalismo, fazendo-o cada vez melhor, cada vez mais agregador, com menos perdas e menos abismos”. O que compreendemos da mensagem de João e procuraremos reter conosco é a consciência de que precisamos ser os agitadores de que falava Hayek, embora sempre prudentes e conscientes, e que o colosso com que nos defrontamos é, seguramente, o desafio que nos fará crescer mais adiante.

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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