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Não dá para ignorar o fato de que a direita populista é sim uma ameaça à democracia ocidental

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Quando digo que a direita populista da qual Bolsonaro e Trump fazem parte não é liberal, com frequência recebo como resposta que ela representa o conservadorismo. Longe disso. A chamada alt-right não é nem liberal e tampouco conservadora e o que aconteceu nesta quarta no Capitólio dos EUA desnuda de vez esse fato. Trump pode não ter ordenado a invasão do capitólio, mas é responsável por inflamar a militância lunática que o fez. Um presidente que se recusa a reconhecer a derrota, especialmente sendo o presidente da democracia presidencialista mais longeva, poderia colher o que, além disso?

Se o ocorrido já causaria espanto na maior parte dos países, torna-se ainda mais extraordinário por ter ocorrido nos Estados Unidos, país com uma democracia muito mais duradoura e instituições muito mais sólidas do que aquilo que costumamos chamar de republiquetas. A solidez das instituições americanas é um fato costumeiramente ressaltado por conservadores “clássicos”, os quais preconizam a importância da manutenção das instituições e de se evitarem as mudanças abruptas guiadas pelo espírito revolucionário. É claro que o exército de acéfalos que em seus devaneios de grandeza chegam até a pensar que são vikings costuma passar longe dos autores relevantes da linha de pensamento que diz seguir, mas se lessem Burke, Tocqueville, Kirk, Scruton, saberiam que o real conservadorismo nada tem a ver com a hostilidade às instituições ou com, falando agora dos acéfalos tupiniquins, “ucranizar o Brasil”.

Na verdade, estes autores, em especial Tocqueville, temiam aquilo que se pode chamar de “tirania da maioria”. Temiam que as minorias pudessem vir a ser oprimidas e que as instituições viessem a sucumbir, ou ser capitaneadas, pelas paixões populares da maioria. Consideravam que essas paixões eram desprovidas de sapiência e reflexão, necessárias ao bom manejo das engrenagens do Estado. Não se temia a tirania da maioria de esquerda ou a tirania da maioria de direita, ou as paixões exacerbadas da esquerda ou as da direita, como se o mal, dependendo do lado que viesse, pudesse ser menos maléfico. Está a direita populista, que em muitos lugares ascendeu ao poder recentemente, sintonizada com tais princípios? Muito pelo contrário; buscam derivar todo o seu poder justamente das paixões populares. A todo tempo invoca-se o “povo”, essa massa amorfa e disputada por todos, em contraponto a qualquer sinal de divergência. As cenas protagonizadas no Capitólio não são o resultado de uma minoria errática de apoiadores; são a consequência natural de uma retórica que nada tem de reflexiva, nada tem de moderada e tudo tem de revolucionária. Tais “conservadores” não passam de moleques baderneiros.

O que aconteceu lá pode ser um vislumbre do que nos aguarda em 2022, e não cometo hipérbole alguma, haja visto que o próprio presidente Bolsonaro, em tom muito claro, proferiu mais uma de suas ameaças, dizendo que, se não adotarmos o voto impresso em 2022, “Nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”. Vale destacar que enquanto líderes de diversos países se manifestavam a respeito do ataque deplorável que deixou quatro mortos, Bolsonaro, cujo governo tem a pior diplomacia da história do país, optou por fazer coro às afirmações infundadas de fraude na eleição americana. Fazer acusações infundadas sobre fraudes eleitorais é uma área na qual Bolsonaro é um expert. Trump as tem feito por ter perdido a eleição, o que é certamente uma maneira deprimente de deixar o cargo. Bolsonaro, por outro lado, inova na loucura e vem de longa data acusando de fraude, sem prover qualquer prova, a eleição da qual saiu vitorioso.

Questionar o resultado do pleito, bem como lançar suspeição sobre o processo eleitoral em si, é mais uma das estratégias dessa direita populista para debilitar as instituições. Tal estratégia tende a piorar à medida que ela perde força. Ora, se eles não só falam em nome, mas são a encarnação do povo, os depositários da vontade popular suprema, a qual se mantém constante, o que poderia explicar a derrota de Trump, visto por Ernesto Araújo como alguém encarregado por Deus da missão de salvar o Ocidente, senão a fraude? Ver o desfecho de Trump só faz recrudescer em Bolsonaro, para quem a única religião sincera é a do apego ao poder, o temor da derrota em 2022. Com a retórica de fraude eleitoral, ele tenta se antecipar a isso e inflamar também aqui a sua militância, para, como ele mesmo disse, fazer ainda pior do que fizeram nos EUA.

O carro-chefe do discurso dessa parte pútrida da direita – que em nada desabona a parte sensata e democrática – tem sido a “defesa dos valores ocidentais”. Cumpre perguntar, que valores são esses que defendem? Quais são os valores de quem visa a debilitar uma das maiores democracias ocidentais, de quem diz querer “ucranizar” o Brasil, de quem a todo tempo faz troça e chama de progressismo as características mais básicas da democracia liberal e quem, como o governo brasileiro agora faz, se alinha com ditaduras islâmicas em oposição a nações ocidentais em votações na ONU, chegando a se abster de votar em uma resolução que visava a abrir uma investigação da política de extermínio adotada pelo presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte? Com tal defesa do Ocidente, dispensam-se os inimigos, já que os “amigos” fazem um trabalho muito melhor.

Essa é a turma que acredita que os homossexuais – que existem desde que a humanidade é humanidade – são o sinal de decadência do Ocidente e vieram anunciar a sua ruína. Se saíssem de sua bolha e buscassem conhecer o que se passa em alguns países orientais, poderiam, talvez, aí sim, valorizar os verdadeiros valores ocidentais. Se confrontassem a sua cultura com a relatada, como já me foi relatada diversas vezes, por cidadãos de países em que casamentos arranjados ainda vigoram e onde a mudança para países ocidentais é muitas vezes a única de forma de se expressar a sexualidade livremente, onde, muitas vezes, as mulheres são relegadas a cidadãs de segunda classe, talvez deixassem de ser tão míopes na seleção de seus valores. Dentre os valores ocidentais que reconheço estão a liberdade e a democracia. Pauto-me por esses valores e não hesito em apontar os que os tentam ameaçar, sejam de esquerda ou de direita. Esse fetiche de que, sendo de direita, não posso criticar outros setores da direita, por mais que se assemelhem aos radicais do outro lado, eu não tenho e nunca terei. Por isso, não tenho problema nenhum em dizer que essa direita populista, tosca e defensora de uma democracia de WhatsApp, é sim uma ameaça à democracia ocidental.

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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