A Mensagem do Corvo: Carlos Lacerda e “A Missão da Imprensa” (Introdução)
RESUMO: A série se destina a uma análise do pensamento do jornalista e político Carlos Lacerda sobre a função do Jornalismo, a partir de uma seleta de trechos de sua obra A Missão da Imprensa, interpretados e analisados em conjunto com outros livros do autor, e com os principais episódios de sua biografia. O objetivo é identificar as relações entre o posicionamento político e a experiência histórica de Lacerda com seus pensamentos, enfocando a visão da imprensa como portadora de uma missão, compreendendo como ele concebia o jornalista como “zelador do bem público” e enxergava as relações de seu ofício com a opinião pública.
Ar de seriedade impassível, intrepidez inequívoca, óculos peculiares e sempre presentes. Quando essa combinação se apresentava diante das tribunas, ou transmitia mensagens nas páginas de um jornal, as mais diversas reações se manifestavam por todos os cantos de um Brasil de metade do século passado. Políticos das mais variadas estirpes se aturdiam, receosos de um poder demolidor e combativo como poucos vistos no país.
Partidários de convicções opostas se preparavam para proferir insultos enfurecidos, diante de um homem que lhes causava a mais profunda irritação, o mais irresistível incômodo. Mulheres da classe média do Rio de Janeiro, sobretudo a do que nos anos 60 era o Estado da Guanabara, suspiravam por sua imagem idolatrada, e entusiastas vibravam com sua reconhecida oratória. Atendendo ao pedido do próprio personagem em questão, um amigo, o historiador John Dulles (1992), escreveu sua biografia em dois volumes, na qual elencou depoimentos de personalidades brasileiras que tentaram definir sua importância no cenário nacional. O historiador José Honório Rodrigues escreveria que “ninguém sozinho influiu tanto no processo histórico brasileiro” no período de 1945 a 1968. Um advogado ilustre, Dario de Almeida Magalhães, o definiria como “o adversário mais temido e implacável conhecido neste país, pelo menos nos últimos 50 anos”. O deputado Paulo Pinheiro Chagas, como “o maior tribuno que passou pela Câmara dos Deputados”.
O fenômeno atendia pelo nome de Carlos Frederico Werneck de Lacerda. Para uns, era identificado pela alcunha de Demolidor de Presidentes; para outros, era o Corvo, em referência à famosa charge realizada pelo cartunista Lan em A Última Hora, em que ele aparecia desenhado com o corpo da ave homônima. Tantas funções e tantas facetas ele apresentava, que a complexidade de sua biografia impede abordagens mais amplas em espaços restritos.
Nosso propósito nesta série é explicitar brevemente o aspecto que o próprio teria escolhido como fundamental eixo norteador da sua trajetória: o Carlos Lacerda jornalista. Procuramos demonstrar, através da análise de trechos extraídos de sua obra A Missão da Imprensa (1950), o pensamento lacerdista acerca da atividade jornalística. Com isso, pretendemos identificar sua concepção de que o jornalismo é uma atividade de viés messiânico, com um propósito social muito bem relacionado com as ideias políticas a que ele acabou por se ligar no período mais conhecido de sua carreira, quando se tornou tribuno da União Democrática Nacional (UDN).
Sua declaração no princípio do pequeno livro não deixa dúvidas: “por jornalista fizeram-me político, por jornalista elegeram-me, por jornalista renunciei, por jornalista vivo, por jornalista quiseram matar-me” (1950, p 8). A dedicação considerável ao seu ofício, aliada à sua importância particular na cena política nacional, torna relevante uma análise do papel de Lacerda na história da imprensa brasileira.Faz-se necessário para tanto apresentar a trajetória do personagem, intercalando-a com suas atividades em periódicos. Não seria possível entender o jornalista sem entender o homem.