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Lições do Latin America Liberty Forum 2020

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Representando o Instituto Liberal, assisti às transmissões virtuais do Latin America Liberty Forum, realizado nesta quarta (27) e nesta quinta-feira (28) pela Atlas Network, organização da qual esta instituição é parceira. Travei contato com impressões e reflexões que permitem sentir a média dos desafios que estão ocupando as demais instituições em defesa de ideias liberais na América Latina. É oportuno partilhar com o público brasileiro o que pude verificar por lá.

O primeiro painel do evento, Challenges and Opportunities for Freedom in the Wake of COVID-19, já deu a largada evidenciando o óbvio: que os dilemas, os debates e as tensões decorrentes da pandemia do coronavírus, afetando o mundo inteiro, são a preocupação mais generalizada entre os liberais e libertários na região. Entre os debatedores esteve o representante da própria Atlas, Roberto Salinas León, do México, que marcou presença em diferentes paineis ao longo de todo o evento. A tônica, também evidenciada nos outros debates, foi de reconhecer que os dilemas típicos do populismo latino-americano intensificam as dificuldades da liberdade durante e após a pandemia.

O segundo painel, Powerful Pivots during a Pandemic, contou com representantes de três diferentes think tanks que apresentaram suas propostas de iniciativas e atuações no cenário da pandemia, dirigindo-se depois a salas privadas para discutir com os representantes das demais instituições parceiras da Atlas possíveis abordagens alternativas ou desdobramentos e aspectos das propostas. Guilhermo Peña Panting, da Fundación Eléutera, de Honduras, apontou a simplificação do sistema laboral, com regras mais simples para demitir empregados e para declarar a quebra de negócios, por mais que soem antipáticas a quem não enxerga a dificuldade dos empreendedores, representa uma bandeira liberal ainda mais urgente em tempos de crise como esta. Já Fernanda Ballesteros, do México Evalúa, ressaltou que parte dos problemas no acesso a insumos médicos em seu país derivou do excesso de regulações sanitárias inadequadas e que esse estava sendo seu enfoque. Por fim, Alejandro Bongiovanni, da argentina Fundación Libertad, basicamente corroborou os apontamentos de problemas feitos por seus colegas, adicionando que sua instituição está se esforçando por mapear a situação nas diferentes regiões do país no que diz respeito aos diversos aspectos da crise: saúde, economia e proteção de liberdades civis. Resumidamente, todos concordaram em que a burocracia é capaz de matar e isso é um desafio particular em sociedades tão cartoriais quanto a nossa.

O primeiro dia se encerrou com o painel Reviving Liberalism for the 2020`s, discutindo como os liberais poderiam aproveitar o difícil momento experimentado para reagir a desvarios político-econômicos cometidos empregando a pandemia como subterfúgio e fazer com que nossas ideias prosperem. Álvaro Vargas Llosa, da Fundación Internacional para la Libertad, do Peru, foi a estrela do painel, ressaltando que a ascensão dos autocratas e populistas, desconsiderando as ditaduras bolivarianas, é particularmente preocupante na Argentina e no México. Nosso maior desafio para o pós-pandemia, segundo ele, é demonstrar o quanto são inadequadas as alegações populistas de que a responsabilidade pelos problemas da saúde seria das prevenções do “neoliberalismo” ao aumento de gastos públicos ou da globalização.

Um detalhe muito importante desse painel, que também transpareceu outras vezes no segundo dia do evento: o presidente da Fundación Internacional para la Libertad, Gerardo Bongiovanni, asseverou que o liberalismo havia sido “sequestrado pelos economistas” e é preciso investir no campo da cultura. Anunciou uma iniciativa especial de empresários voltada a essa área, particularmente à literatura, que gostaríamos de ver replicada por todas as partes. Mais lideranças estão felizmente percebendo que as esferas em que se dão as batalhas de ideias não são apenas as rigorosamente econômicas.

No segundo dia, no painel Future of Liberty in the Americas, a ex-integrante da Assembleia Nacional venezuelana e notória opositora da ditadura de Nicolás Maduro, María Corina Machado, discursou sobre suas aspirações de liberdade para seu país, afirmando que gostaria que a Venezuela experimentasse o liberalismo e que “só com a liberdade um país pode ter prosperidade para todos os cidadãos”. Apelou a uma articulação dos think tanks contra os projetos autoritários de poder. Em seguida, em debate, o representante da Fundación para el Progreso do Chile, Axel Kaiser, ofereceu uma leitura mais pessimista, dizendo não saber se o liberalismo tem futuro na América Latina e não ver efetivamente nenhuma “onda liberal” no horizonte, enquanto o brasileiro Ricardo Gomes, da Red Liberal de América Latina, disse que, apesar das ameaças à liberdade, o que parece ser um incremento do federalismo, isto é, da autonomia regional, pode ser uma consequência lateral positiva da crise atual no Brasil. Ele ressaltou que propostas econômicas intervencionistas, como o “Plano Marshall” sugerido pelo general Braga Netto, podem ser um problema significativo para os liberais brasileiros. Já o convidado Gonçalo Schwartz, do Archbridge Institute, dos EUA, argumentou que o liberalismo tem que ter um futuro na América Latina e que precisamos ressaltar o papel de empreendedores e da inovação na oferta de soluções para o retorno mais rápido à atividade econômica nos diversos países atingidos pela pandemia.

O painel Prosperity Solutions in a post-COVID World se assemelhou ao painel do primeiro dia em que os presentes travaram contato com os trabalhos de alguns think tanks. Mónika Melo Guerreiro, do Instituto OMG, da República Dominicana, disse que sua instituição está focando na governança digital e em mudanças na regulação do teletrabalho. José Beteta, da Peruvian Taxpayers Association, do Peru, ressaltou o esforço por divulgar o papel direto do liberalismo na vida das pessoas, articulando os institutos locais em defesa da liberdade econômica para se contrapor às soluções mágicas intervencionistas. Por fim, Agustín Etchebarne, da Fundación Libertad y Progreso, da Argentina, pontuou o esforço por trabalhar com os empresários para que eles se tornem parte da solução e enfatizou que as grandes crises econômicas são neokeynesianas e não neoliberais.

A seguir, a Atlas oferecia duas opções de painéis. Escolhi acompanhar o painel Shifting the Currents of Culture towards Liberty, por razões óbvias: era mais uma prova da preocupação que os liberais latino-americanos parecem estar identificando com o problema da área cultural. Os debatedores discutiram a importância de apelar à emoção e ao campo estético na luta pelos valores da liberdade, bem como discutiram o campo da linguagem e das redes sociais e a ditadura do politicamente correto.

Finalmente, no encerramento, houve uma palestra de Juan José Daboub, presidente e CEO da The Daboub Partnership e ex-diretor gerente do Banco Mundial. Foi uma síntese bastante competente do quadro; ele disse que, independentemente do debate quarentena versus não-quarentena, isolamento versus não-isolamento – pelo visto, travado de forma similarmente calorosa nos nossos vizinhos de língua espanhola -, ao fim da pandemia teremos mais ameaças populistas e econômicas a enfrentar. “É hora de replicar experiências que funcionaram e somar forças para suprir nossas carências”, enfatizou, ressaltando a relevância de um cuidado com a política comunicacional e com a necessidade de preparar propostas liberais robustas e fazê-las recepcionadas pela sociedade, a fim de que mantenhamos capital político para implementar as reformas de que necessitamos.

Três pontos sobressaíram desse meu primeiro contato direto com os think tanks liberais do restante da América Latina. O primeiro, o peso que o liberal peruano e escritor premiado com o Nobel Mário Vargas Llosa parece ter como referência intelectual de muitos deles. O segundo, o óbvio: todos estão preocupados com o impacto da pandemia, particularmente, na criação de oportunidades para seus políticos levarem adiante agendas populistas e, sobretudo, perpetuarem após a crise medidas de aumento de gastos concebidas para um contexto emergencial.

Terceiro, que, para combater esse problema e todos os outros já inerentes às tradições estatizantes e populistas da região, é preciso que os liberais se ocupem cada vez mais de algo além do tecnicismo e do economês. É preciso que invistam na cultura. É preciso que invistam na comunicação. Não poderia ser uma percepção mais alvissareira. Espero sinceramente que prospere, que possamos ver os frutos disso em breve e que apenas se fortaleça o tão sofrido movimento liberal latino-americano.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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