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Lições da Tragédia de Nova York.  Ou: Estado Policial em Ação

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O grande filósofo chinês Lao Tsu dizia, com infinita sabedoria: quanto mais restrições artificiais e regulamentos inúteis impuserem ao povo, mais se estimularão as fraudes e outros ilícitos.

Lembrei da máxima acima ao assistir, estarrecido, à cena em que um policial de Nova York, com um “mata-leão”, estrangula até a morte um jovem negro, cujo crime teria sido vender cigarros avulsos, provavelmente contrabandeados, nas ruas da cidade.  Não por acaso, a morte do jovem Garner tem ocasionado centenas de manifestações país afora, desde que a Corte do estado de NY resolveu não levar o policial a julgamento, aceitando a tese da defesa segundo a qual ele teria agido no estrito cumprimento do dever.

Deixando um pouco de lado o debate acalorado acerca do racismo supostamente incrustado nas corporações policiais americanas, há neste episódio uma série de ensinamentos outros que podem ser bastante úteis.

O primeiro dado que chama a nossa atenção é que a taxação sobre o cigarro, nos EUA em geral e em Nova York em particular, é tão elevada, que o incentivo ao contrabando é cada vez maior. A legislação tributária, feita com o intuito de tentar reduzir o consumo de cigarros – comprovadamente nocivos à saúde humana -, além de levar muita gente para a criminalidade, acaba punindo de forma severa exatamente os mais pobres, disparado os maiores consumidores de tabaco nos Estados Unidos. Trata-se de uma legislação, portanto, que transfere renda, disfarçadamente, dos mais pobres para os mais ricos – algo que o pessoal politicamente correto finge não ver.

O senador republicano Rand Paul colocou o dedo na ferida ao apontar que os políticos, ao cobrar quase seis dólares de imposto num maço de cigarros, acabam estimulando o comércio ilegal do produto.  Eu diria mais: eles certamente não aprenderam nada com a Lei Seca… Já Nick Gillespie acertou na mosca quando disse:“alguma coisa está horrivelmente errada quando um homem é morto depois de ser confrontado pela polícia por estar vendendo cigarros avulsos para compradores voluntários.”

De tudo que li na imprensa americana a respeito, entretanto, vale a pena destacar aqui um artigo do jurista Stephen L. Carter, escrito para a Bloomberg no último dia 4.  Depois de ponderar, dando razão aos liberais (libertários nos EUA), que o caso de Garner encontra-se recheado de evidências de que existem leis (e crimes) demais, Carter fala da falibilidade intrínseca de qualquer organização policial, desmistificando o alcance de um elevado padrão de eficiência  com o qual alguns ainda sonham: “nunca haverá uma tecnologia perfeita para a aplicação da lei, e, portanto, é inevitável que haverá situações onde a polícia errará ao aplicar violência excessiva. Melhor formação [de policiais] nunca levará à perfeição. No entanto, menos leis significaria menos possibilidades de violência.

Por outro lado, há estimativas de que mais de 70% os adultos americanos já cometeram algum crime passível de prisão. Este triste estado de coisas faz crescer geometricamente as oportunidades de interações perigosas entre policiais e civis, e garante que abusos como este ocorrido em NY certamente se repetirão. Carter cita o jurista William Stuntz, para quem estamos nos movendo na direção de “um mundo em que a abundância de leis fará com que todos sejam criminosos.” “Isto parece muito dramático?” – pergunta ele. “Não se você pensar que mais da metade dos jovens baixam música ilegalmente na Internet e que isso é um crime federal há quase 20 anos. Esses jovens, pelo menos em teoria, poderiam todos ir para a prisão.”

O fato é que muitas leis penais não passam sequer no teste da piada. Citando Husak, Carter elenca alguns estatutos bizarros, incluindo uma lei do Alabama que torna crime o ato de mutilar a si mesmo, e outra, da Flórida, que proíbe a exposição de animais deformados. E ainda há o crime federal absurdo que proíbe os cidadãos de perturbar a lama nas cavernas localizadas em área federal (perturbar a lama?).  Mesmo que essas leis não sejam fiscalizadas e os infratores punidos com freqüência, o fato é que elas simplesmente existem – e têm potencial para transformar em criminoso cada um dos cidadãos americanos.

Carter nos lembra ainda que transformar um ato comum em crime significa que a polícia pode ir armada atrás dos infratores para aplicar a lei. É importante ter isso em mente porque – como o Caso Garner demonstrou – a polícia pode matar.

“Não digo isto como uma crítica aos policiais” – prossegue Carter -, “afinal de contas, o trabalho deles é impor a vontade do legislador. A crítica é a um sistema político que parece ter um prazer bizarro na criação de novas leis e de novos crimes. É improvável que a legislatura de Nova York, ao criminalizar a venda de cigarros avulsos, sem pagamento de taxas, imaginasse que, um dia, alguém fosse morrer por violar essa norma. Mas um sábio legislador seria mais cuidadoso antes de criar um novo crime”.

Enfim, não se pode deixar de levar em conta o fato óbvio de que as leis criminais serão fiscalizadas e executadas sob a mira uma arma.

E o autor encerra com uma recomendação difícil de refutar.

“É claro que ativistas à direita e à esquerda tendem a acreditar que todas suas causas particulares são muito importantes. Eles parecem firmemente persuadidos de que a utilização do poder estatal é apropriada a tudo quanto eles desejem proibir ou exigir.”

“É uma pena, pois cada nova lei requer execução, e todo ato de execução inclui a possibilidade de violência. Há muitas lições dolorosas a partir da tragédia que vitimou o jovem Garner. Uma delas é o Conselho que dou aos meus alunos no primeiro dia de aulas: não lute para tornar algo ilegal, a menos que você esteja disposto a arriscar a vida dos seus concidadãos para levar sua ideia adiante.

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

5 comentários em “Lições da Tragédia de Nova York.  Ou: Estado Policial em Ação

  • Avatar
    12/12/2014 em 1:38 pm
    Permalink

    Outra duvida.no brasil a um numero absurdo de leis.muita gente presa sem razão.m,as vejo um clamor por mais leis,mais prisões.o que os liberais pensam sobre isso?

    • João Luiz Mauad
      12/12/2014 em 3:17 pm
      Permalink

      Priscilla,

      Acho que o artigo responde a sua pergunta. Como digo no artigo cujo link vai abaixo, “As normas devem ser poucas, simples e objetivas, a fim de facilitar não só a sua aplicação como também a fiscalização”. De forma geral, as normas legais deveriam apenas resguardar os direitos dos indivíduos à vida, liberdade e propriedade.

      http://imil.org.br/artigos/pta-vida-sob-quatro-milhes-de-normas/

      Abrs
      Mauad

  • Avatar
    12/12/2014 em 1:35 pm
    Permalink

    Me explica uma coisa.por que no brasil os conservadores se dizem liberais?se tudo o que li e vi até hoje,mostra que eles pensam completamente diferentes?

  • Avatar
    11/12/2014 em 6:39 am
    Permalink

    Liberar maconha é “do bem”, vender cigarros é “do mal”.
    A ditadura do hipocritamente mal-resolvido, também chamada politicamente correto.

Fechado para comentários.

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