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Liberdade e responsabilidade: dois lados da mesma moeda

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Em sua tréplica ao meu artigo em defesa do PNA, o preclaro Ricardo Bordin escreve um artigo cujo título é: “Em defesa da liberdade com responsabilidade.”  Eu começaria dizendo a ele que nenhuma frase poderia ser mais liberal.  Como já tive oportunidade de explicar alhures, liberdade e responsabilidade são inseparáveis para os liberais.  São dois lados da mesma moeda.  Os menores de idade e os incapazes, por exemplo, têm muitas de suas liberdades restringidas, inclusive com apoio dos liberais, justamente pela impossibilidade de assumirem a responsabilidade por seus atos.  O problema é que Bordin parece falar de responsabilidade governamental, enquanto os liberais falam de responsabilidade individual.  Em outras palavras, o mau uso ou o abuso da liberdade devem ser punidos de forma exemplar.

Para rebater a minha definição de agressão como uma ação com intenção dolosa, Bordin nos lembra da figura jurídica do dolo eventual, que, nas suas palavras, “resta configurado quando aquele que perpetua uma ação qualquer, mesmo sabedor de que há grande chance de causar danos a outrem, ainda assim leva a cabo o ato. Dirigir a 200 Km/h na Avenida Paulista pode não ser uma clara tentativa de homicídio, mas como a chance de colidir, ainda que sem intenção, contra outro motorista ou um pedestre é muito substancial, configura-se dolo eventual e crime doloso, pois o motorista assumiu o risco de matar alguém.”

Não sou jurista, mas arrisco dizer o dolo eventual nada mais seria do que uma extensão da velha imprudência culposa, sobre a qual me debrucei no artigo anterior, citando inclusive o caso recente da queda do avião da Chapecoense, cujo plano de vôo arriscado e refém de qualquer pequeno imprevisto seria análogo a dirigir um automóvel a 200 Km/h, em plena Paulista.  Em qualquer dos casos, pode ser que nada aconteça, mas um acidente terrível, com conseqüências graves para inúmeras pessoas, é altamente provável.  Por isso, tanto o motorista quanto o piloto merecem punições exemplares, mesmo que saiam ilesos de suas aventuras.

Do exemplo acima, Bordin dá um salto lógico para concluir que qualquer consumidor de drogas pesadas “está ciente de que a probabilidade de que os prejuízos advindos de sua conduta venham a passar de sua pessoa é muito significativa.” Ele continua o raciocínio dizendo que acha “pouco provável que, em um mundo com tanta fartura de informação, este indivíduo possa dizer que “não sabia” que iria transformar-se em um pária da sociedade com esse vício.

Sua conclusão é que, como existe grande possibilidade de alguém cometer um crime motivado por dolo eventual quando drogado, as drogas devem ser proibidas.  Não pretendo aqui aprofundar-me no mérito da conclusão, embora não concorde com ela.  A mim parece claro que as pessoas usam drogas, inclusive as liberadas como álcool e nicotina, por uma de duas razões: para potencializar prazeres ou para amenizar sofrimentos, psíquicos ou físicos (e lembro aqui que muitas das drogas de uso proibido são utilizadas amiúde pela medicina).  Não concordo, portanto, que os usuários de droga tenham consciência dos riscos sociais que ocasionalmente possam vir a causar.

Ademais, se Bordin levasse sua lógica ao pé da letra, deveria pedir a proibição da fabricação de automóveis que atinjam velocidades, digamos, superiores a 80 km/h, como forma de evitar que os viciados em adrenalina (uma droga poderosa fabricada pelo corpo humano) dirigissem, de forma imprudente, a altas velocidades.

Bordin prossegue tentando estabelecer – a exemplo do que fazem muitos esquerdistas – cálculos utilitaristas absolutamente inviáveis para apoiar a causa antidroga. Diz ele: E aí eu pergunto: qual o ganho advindo do consumo de drogas de alto potencial agressivo e que causam muita dependência, que possa compensar, no longo prazo, todos os prejuízos sofridos por pessoas sequer relacionadas ao usuário – uma vítima de assalto para comprar mais droga, por exemplo, o que já fui duas vezes em pouco tempo? Eu desconheço. Ou será que é do jogo também?”

Embora os adeptos do PNA estejam convictos de que as organizações humanas formadas ao redor desse princípio estejam aptas a alcançar os melhores níveis de progresso e bem estar, ele não é um princípio ético normativo de cunho consequencialista, mas deontológico.  Além disso, como dito acima, o cálculo utilitarista que Bordin pretende fazer é absolutamente inviável.

Pelo que pude entender, Bordin parece acreditar que utilidades individuais subjetivas podem ser medidas de tal forma a estabelecer uma “utilidade social líquida” ou um “custo social líquido”, permitindo-nos afirmar se uma dada política social é boa ou não. Ocorre que, conforme a moderna ciência econômica ensina, as utilidades individuais são não apenas subjetivas, mas exclusivamente ordinais, classificativas, sendo totalmente absurdo adicioná-las ou sopesá-las para obter uma medida, ainda que estimativa, de custo ou benefício agregado (social).

Entretanto, há alguns fatos que podem ser colocados à mesa.  Por exemplo. Sabemos que, depois da liberação do comércio e do consumo de maconha para fins recreativos em alguns estados americanos, não apenas a qualidade do produto melhorou muito, como a lucratividade dos produtores e traficantes mexicanos caiu.  Por outro lado, já há estatísticas disponíveis segundo as quais os crimes relacionados ao tráfico de drogas diminuiu muito após a legalização da maconha no Colorado.

Esses dados vão ao encontro do que preconiza o filósofo americano Michel Huemer, segundo quem se os criminosos organizados fazem fortuna vendendo maconha e cocaína, não penicilina ou Prozac … é porque os criminosos operam em desvantagem na provisão de bens e serviços comuns; suas únicas vantagens especiais são a sua vontade e habilidade para desafiar a lei.  Ao contrário dos empresários comuns, os criminosos estão dispostos ao risco da prisão por dinheiro; Eles estão dispostos a renunciar à respeitabilidade social; e eles estão dispostos a corromper, ameaçar e usar violência na perseguição de seus lucros. Mediante a proibição de determinadas drogas, concedemos o controle da indústria dessas drogas, ditas recreativas, a pessoas com tais características.  Se essas mesmas drogas fossem legalizadas, os criminosos que agora fazem fortunas com sua venda já não seriam capazes de fazê-las, porque já não teriam qualquer vantagem econômica em relação aos verdadeiros empresários.  Esta é a lição de Al Capone e da proibição.”

Bordin também argumenta, sem, no entanto, apresentar dados, que o álcool seria menos “viciante” que as drogas proibidas, inclusive a maconha.  Porém, há estudos disponíveis dizendo o contrário.  Tanto o álcool quanto a nicotina (que, acredito, Bordin gostaria de manter liberada) são mais difíceis de largar e mais perigosos, tanto individual quanto socialmente, que a maconha.  Aliás, a título de curiosidade, a atriz Jane Fonda, ainda linda, mesmo aos 78 anos, confessou recentemente que consome maconha com alguma regularidade.  Atenção: não estou dizendo aqui que foi o consumo da erva que fez de Jane esta bela mulher, mas que, certamente, a droga não causou maiores danos a atriz.

Ademais, Bordin talvez se assustasse se soubesse quanta gente boa há por aí, nos meios artístico e empresarial, por exemplo, consumindo drogas (algumas bem pesadas), sem que isso ocasione qualquer problema social relevante.  Sei disso porque, como disse no outro artigo, tenho casos de alcoolismo na família, o que já me obrigou a freqüentar clínicas de desintoxicação repletas de viciados nas mais diversas drogas.

Por fim, agradeço ao Bordin pela oportunidade de um debate construtivo e abrangente.  Mesmo que nenhum de nós tenha mudado suas convicções, é sempre bom debater com pessoas inteligentes e bem intencionadas.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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