Traição ao Texto: o erro de Trump no segundo mandato

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Donald Trump acertou muito em seu primeiro mandato. Nomeou três ministros para a Suprema Corte, promoveu a reforma do Judiciário com mais de duzentas indicações de juízes federais e consolidou uma aliança duradoura com a Federalist Society — movimento responsável por atrair, formar e indicar juristas comprometidos com o sentido original da Constituição. Foi essa aliança que devolveu segurança jurídica, previsibilidade e racionalidade interpretativa aos tribunais americanos. Mas agora, já em seu segundo mandato, Trump parece disposto a romper com tudo isso. Seu recente ataque à Federalist Society e aos próprios juízes que indicou é mais do que um erro. É um retrocesso que pode custar caro ao Direito e à própria credibilidade de sua trajetória institucional.

Na quinta-feira, o presidente usou as redes para denunciar a Federalist Society, acusando-a de tê-lo mal aconselhado em relação às nomeações judiciais. O motivo? Um juiz indicado por ele, Timothy Reif, integrou o painel que derrubou suas tarifas comerciais, declarando que o presidente não tem poder irrestrito para impô-las sob o pretexto de emergência econômica. Trump reagiu como se houvesse sido traído. Mas o Wall Street Journal foi direto ao ponto: “Não culpe a Federalist Society. O juiz Reif foi recomendado à Casa Branca por Robert Lighthizer, representante comercial de Trump. Leo não teve nada a ver com isso.” E mais: “O que os juízes deveriam fazer? Ignorar a Constituição?”

O ataque foi pessoal. Trump chamou Leonard Leo de “sleazebag” — um termo ofensivo que em nada condiz com o papel decisivo que ele exerceu ao selecionar e articular os nomes que compuseram a vitoriosa lista de candidatos à Suprema Corte em 2016. Foi Leo quem ajudou a consolidar o nome de Neil Gorsuch, o primeiro indicado de Trump, e que estruturou a política de nomeações judiciais que garantiu à Casa Branca sua marca mais duradoura no sistema institucional americano. Milhões de eleitores conservadores confiaram em Trump porque confiaram em Leo. Agora, ao atacá-lo, o presidente lança dúvidas sobre o único legado institucional que ainda lhe rende respeito dentro e fora dos tribunais.

O editorial acerta ao dizer que o movimento da Federalist Society foi bem-sucedido precisamente porque “atraiu jovens juristas que reverenciam a Constituição”. Não por ativismo, mas por método. Não por lealdade partidária, mas por fidelidade ao texto. A ironia, como apontam os editorialistas, é que o próprio Trump se beneficiou dessa seriedade técnica: “Uma das partes mais fortes do seu legado é o Judiciário. Foram 234 juízes nomeados, incluindo 54 juízes de apelação e três ministros da Suprema Corte.” E, ainda assim, ele age como se todos devessem julgá-lo favoravelmente por gratidão — como se a toga fosse um uniforme de campanha.

O problema de fundo não é o desacordo com uma decisão. O problema é transformar qualquer voto desfavorável em prova de deslealdade pessoal. Isso não é originalismo. Isso é patrimonialismo. O juiz originalista não serve ao presidente. Serve à Constituição. Se a lei exige autorização do Congresso para impor tarifas, então é isso que vale — ainda que desagrade a Casa Branca. Trump, que tanto criticou os juízes ativistas do progressismo judicial, agora comete o mesmo erro: quer decisões políticas, não jurídicas. Quer fidelidade pessoal, não independência institucional.

Como advertiu o próprio WSJ, “o Presidente precisa entender que seus ataques aos conservadores judiciais prejudicarão sua própria agenda e legado.” As críticas causaram mal-estar entre juristas, magistrados e aliados. E há um temor real: que ministros como Samuel Alito (75 anos) e Clarence Thomas (76) optem por não se aposentar, com medo de ver seus sucessores escolhidos por critérios de lealdade, e não de mérito. A ironia final está no aviso do editorial: “Sua mensagem a Thomas e Alito: não se aposentem. Seu substituto pode ser um ativista partidário.”

O que torna tudo ainda mais paradoxal é que esse erro parte de alguém que, no passado, soube compreender o valor do originalismo como ferramenta de resgate do Rule of Law. Agora, ao desferir ataques contra a própria base doutrinária que o legitimou diante do Judiciário, Trump abre espaço para que a Corte volte a ser palco de nomeações oportunistas, não de compromissos institucionais. A lição, ao final, vale para todos: quem transforma o Direito em instrumento de poder pessoal acaba corroendo o próprio poder que queria preservar.

A crítica de Trump à Federalist Society é um alerta que ultrapassa as fronteiras dos Estados Unidos. Em tempos de polarização e culto à autoridade, o compromisso com o texto — e não com o líder — torna-se a última trincheira da liberdade. Quando até mesmo um presidente que colheu os frutos do originalismo tenta agora deslegitimá-lo por conveniência política, percebe-se o quanto o Direito precisa ser defendido inclusive daqueles que um dia o promoveram. O juiz não é criado para servir ao partido, mas para conter o poder — qualquer poder. A toga não deve fidelidade ao governo, mas à Constituição. E essa, como sempre, é a verdadeira linha divisória entre a república e o arbítrio.

*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum.

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