Conselhos aos Juízes

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O Presidente da Lexum, Leonardo Corrêa, publicou recentemente a obra “A República e o Intérprete – Notas para um Constitucionalismo Republicano em Tempos de Juízes Legisladores”. O livro denuncia os “abusos interpretativos” levados a cabo pelos juristas adeptos do “neoconstitucionalismo”, que tem produzido efeitos que extrapolam a função clássica da magistratura, pretendendo os juízes transformar-se em “agentes da história”[1]. Trata-se de uma expressão da mentalidade revolucionária, que busca remodelar a sociedade pela via judicial, conferindo aos magistrados a função de arquitetos do destino coletivo e não apenas a de intérpretes e aplicadores da lei.

Essa inversão de papéis gera consequências graves para a democracia e o Estado de Direito. O maior exemplo é a postura atual do Supremo Tribunal Federal. O juiz, ao invés de se posicionar como guardião da legalidade, passa a ser protagonista de um projeto social, político ou até moral, afrontando a soberania popular e a separação de poderes, ou seja, o cerne da Constituição Federal.

O enfrentamento do problema passa pela esfera moral. Antonin Scalia, célebre juiz da Suprema Corte norte-americana, deixou três conselhos claros sobre os limites e responsabilidades da magistratura, os quais denominou “aderência à lei”, “academicismo” e “imparcialidade”:

1. aderência à lei: “o juiz deve ser, acima de tudo, um servo da lei – e não um aplicador de suas predileções pessoais – sobre as questões que lhe são submetidas. (…) Se ele tem objeções morais ao que a lei exige que ele faça, sua atitude adequada é renunciar à magistratura, e talvez liderar uma revolução[2];

2. “academicismo”: “ao resolver casos de acordo com a lei, o juiz deve ser conduzido à sua resposta seguindo o quadro para uma tomada de decisão neutra e objetiva que é ditada pelas tradições do sistema jurídico em que opera. O bom juiz garante cuidadosamente que os métodos de interpretação que emprega sejam os tradicionais, e não aqueles que o direcionam para o resultado que ele prefere. (…) Em suma, o bom juiz aplica consistentemente teorias interpretativas de aplicabilidade geral que o protegem contra o uso indevido do poder judicial, seja intencional ou não intencional[3], predicado este que Scalia chamou de “academicismo” aludindo à “qualidade de pesquisador” que o juiz deve prezar;

3. imparcialidade: “comportamento apropriado que projeta justiça e imparcialidade para as partes e para o público”. (…) Mas significa que, quando um litigante chega a um tribunal, ele sabe que estará jogando em um campo equilibrado e que seus argumentos jurídicos serão cuidadosamente considerados[4].

O próprio Scalia, no entanto, reconhecia que, mesmo nos Estados Unidos, “a percepção pública do bom juiz (…) é o juiz como representante moral, o todo-poderoso expositor e seletor da melhor lei”. A simples adesão à lei, afirma, “foi descartada em favor da adesão à ‘lei’ como um grupo de elite de advogados e juízes com ideias semelhantes desejaria que fosse[5].

A situação se agrava à medida em que o risco de a magistratura deixar-se seduzir pela popularidade em um mundo midiático e hiperconectado é alto. A atual juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, Amy Coney Barrett, faz um alerta contundente e sem concessões quanto a isso: “o juramento exige a vontade de ser impopular — um juiz movido pela pressão externa da opinião pública não ‘administra a justiça de forma impessoal’ e deixa de ‘cumprir fiel e imparcialmente’ os seus deveres ao abrigo da Constituição[6].

O problema do ativismo judicial, portanto, não reside apenas na teoria jurídica, mas na prática institucional e cultural que molda o comportamento dos juízes. Se, por um lado, a sociedade espera decisões céleres e eficazes, por outro, deve compreender que a função judicial não é a de influenciar na história ou na política, mas de aplicar fielmente a lei.

A partir da advertência de que “a Constituição não é um compêndio de valores mutáveis, mas um contrato político vinculante, destinado a limitar quem governa, e não servir de pretexto para que juízes moldem o direito à imagem de suas preferências[7], Leonardo Corrêa apresenta o caminho: o “public meaning originalism – a metodologia interpretativa que busca compreender a constituição conforme o significado público das palavras no momento em que o texto foi promulgado[8].

É urgente a necessidade de uma tomada de consciência coletiva quanto aos efeitos nefastos da instrumentalização revolucionária dos preceitos constitucionais. O povo, ciente dos contornos do problema, deve pressionar seus representantes e instituições para resgatar a racionalidade quanto ao papel do juiz como intérprete e aplicador da lei na república, tal como expresso na própria Constituição. Caso contrário, corre-se o sério risco de se consolidar uma tirania togada, capaz de solapar definitivamente os já frágeis pilares do que ainda resta da nossa democracia.

*Fernando Borges de Moraes – Advogado formado pela UFPR, especialista em Direito do Trabalho pela UNISC/ENA, pós-graduando em Filosofia Tomista pela Universidade Católica de Santa Catarina. Membro da Lexum.

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