Caso Filipe Martins: mais um disparador para o tarifaço de Trump?
Faltam poucos dias para a entrada em vigor do tarifaço anunciado pelo presidente Trump. Sobram bravatas e paralisia por parte do grupo planaltino de DNA antiamericanista, assim como manifestações ufanistas e nada propositivas externadas por uma elite política e empresarial, sob a crença convenientemente errônea de que a elevação tarifária teria sido imposta ao Brasil tão somente por razões econômicas. Não o foi. Tanto assim que, diversamente do ocorrido com todos os demais países tarifados pelos EUA, o comunicado da Casa Branca acerca da nova tarifação sobre nossas exportações foi iniciado por um parágrafo de repúdio às irregularidades do processo contra Bolsonaro e aos ataques judiciais à liberdade de expressão. No cerne das preocupações de Trump, a política interna brasileira parece ocupar posição de destaque, com todas as distorções nela provocadas pelo autoritarismo de nossos togados, cujos impactos negativos vêm afetando também o hemisfério norte.
Não à toa, o caso Filipe Martins voltou à baila na imprensa americana, no tom ácido compatível com as aberrações de uma perseguição travestida sob o manto de processo judicial. Em artigo publicado, no último domingo, pelo prestigioso Wall Street Journal, a jornalista Mary Anastasia O’Grady apontou sinais de podridão no Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) dos EUA, responsável pela confecção de um documento de entrada falso de Martins naquele país. Nas palavras de O’Grady, “não há nenhuma motivação americana óbvia para inventar uma viagem de Martins que não aconteceu. Mas alguém trabalhando em nome de interesses políticos brasileiros opostos a Bolsonaro teria essa motivação.”
Como todos sabemos, o ex-assessor de Bolsonaro foi preso preventivamente por Alexandre de Moraes em razão da tal viagem não realizada, mantido sob condições desumanas e vedadas pela Lei de Execução Penal, e, seis meses depois de um encarceramento ainda mais amargo que os habituais em nossas masmorras, foi colocado em prisão domiciliar e sujeito a interdições estapafúrdias. Abominação justificada pelo togado como punição necessária a um pretenso “golpista” e, mais grave ainda, com base em prova falsa, produzida mediante ato delitivo praticado acima do Equador, cujo modus operandi o governo americano, sob nova gestão, possui interesse inequívoco em desvendar. Afinal, como exclamou O’Grady no artigo, “o que é pior, o crime ou o acobertamento?” Ao que tudo indica, a corrupção endêmica entre nós teria sido “exportada” para os EUA, em um conluio entre figurões tupiniquins e servidores da administração pública estrangeira, com o intuito doloso de trancafiar um dissidente de Lula.
O tratamento conferido a Filipe Martins por nosso aparato investigativo-judiciário incorpora todos os vícios causadores de repugnância ao bloco das nações liberais capitaneadas pelos EUA. A começar pelas violações a direitos humanos, escancaradas pelo ex-assessor em depoimento recente por ele prestado ao STF, no qual Martins relatou a comprovada tortura à qual foi submetido em longos dez dias de isolamento em cela escura. A despeito da gravidade extrema do fato suscitado, os representantes da PGR, titulares da maioria das ações penais e fiscais da lei, não manifestaram surpresa e sequer cogitaram dar início às investigações cabíveis contra agentes estatais. Na mesma toada de conivência em jogo jogado, o juiz substituto de Moraes, em vez de converter o julgamento em diligência para a apuração do evento, ouviu a descrição de Martins com frieza e indiferença dignas de um burocrático Eichmann à frente da “gestão” do transporte de judeus rumo aos campos de extermínio.
Nesse caso específico, o prejudicado por nossa perversão judiciária foi Martins. Amanhã, poderá ser atingido qualquer cidadão americano a trabalho ou a passeio entre nós e que, pelas razões mais aleatórias, caia nas “más graças” do regime. A situação, diga-se de passagem, deixou de ser hipotética desde a perseguição togada contra Elon Musk, incluído irregularmente em um dos inquéritos alexandrinos e sujeito ao banimento de seu negócio tão somente para a satisfação dos caprichos de um togado que trata a Constituição e as leis brasileiras como adornos dispensáveis. Além de ter calado milhões de vozes brasileiras usuárias da rede, Moraes ainda impôs prejuízos milionários ao X e à Starlink, esta última estranha ao caso, mas penalizada ainda assim devido ao seu pertencimento ao grupo econômico controlador da plataforma.
Em matéria de atentados à liberdade de expressão, o caso Filipe Martins também oferece uma das ilustrações mais gritantes da sanha togada em amordaçar dissidentes. Após um semestre inteiro de silêncio forçado em virtude de sua condição carcerária, o ex-assessor teve sua prisão preventiva convertida por Moraes em cautelares estipuladas a critério exclusivo do togado, pois à margem do rol taxativo do artigo 319 do Código de Processo Penal. Dentre as providências impostas a Martins, constava a interdição de acesso às redes sociais, que, embora não prevista em lei, tem sido uma das proibições mais recorrentes em despachos alexandrinos.
Não satisfeito, o togado chegou a impor multa ao rapaz por sua mera aparição, em silêncio, ao lado de seu então advogado, o Dr. Sebastião Coelho. No vídeo que enfureceu Moraes, o causídico exercia sua liberdade opinativa de expor o martírio do seu cliente, estranho ao universo delitivo, mas obrigado a apresentar-se todas as semanas à justiça. Em recente extrapolação de sua ira contra o ex-assessor, Moraes tornou a ameaçar Martins de prisão caso fossem divulgadas, até mesmo por terceiros (!), imagens do comparecimento do rapaz ao STF por ocasião do julgamento do recebimento das denúncias contra os pretensos núcleos “golpistas”.
Ciente de malfeitos ostensivamente praticados por autoridades não-eleitas, o governo americano, além da imposição do tarifaço, abriu uma investigação interna contra práticas comerciais brasileiras consideradas nocivas aos EUA. Dentre os seis grupos de fatos apontados pelos americanos, serão apurados abusos da nossa cúpula togada pelo menos nos quesitos referentes ao afrouxamento no combate à corrupção, à elevação da censura ao status de política oficial e à fragilização da proteção à propriedade intelectual. Movido por seu papel histórico de protagonista na defesa das liberdades no mundo ocidental, mas também por seus interesses pragmáticos, o governo americano tende a se manter avesso à interlocução com o Planalto alinhado ao Irã e/ou com os poderosíssimos togados autoproclamados admiradores de Xi-Jiping.
Assim sendo, alguém crê na viabilidade de um acordo com os EUA sob as atuais circunstâncias, em que Filipe Martins e outros opositores são expostos ao sofrimento injusto e em que uma elite togada se vangloria por ter “legislado” sobre dispositivos de regulação das redes sociais? A abertura da mesa de negociações e a presença de adultos nos diálogos parecem estar visceralmente atreladas à queda da atual estrutura política, passando pela aprovação da anistia aos presos políticos e pelas punições, em âmbito interno, a togados abusivos. Não se trata de ideologia, como pretende a leitura superficial de alguns, mas de sinalização aos EUA do refazimento de uma rota desviada nos últimos 6 anos. O realinhamento aos valores ocidentais pode ser penoso, mas parece imprescindível. Caso contrário, permaneceremos parceiros de ditaduras na esfera político-jurídica e ainda amargaremos a mais profunda débâcle econômica. Tudo por culpa de um consórcio executivo-judiciário anti-institucional, construído sobre a supressão indevida das liberdades.