Juros abusivos: mais uma face do Estado-Babá
JOÃO LUIZ MAUAD *
Há uma verdadeira indústria jurídica na praça, dedicada a recorrer à justiça para revisão de contratos de financiamento, com base nos chamados “juros abusivos”. Para se ter uma idéia da magnitude dessa indústria, uma rápida busca no Google para a expressão “juros abusivos” reconheceu, em 1/4 de segundo, nada menos que 450.000 entradas, com destaque para os escritórios de advocacia. Como tudo mais no mercado, essa indústria só tem prosperado porque o Estado-babá, neste caso personificado pelos tribunais de Pindorama, tem dado frequente respaldo às pretensões dos requerentes.
De tão absurdas, acho que a justiça não deveria sequer analisar causas semelhantes, as quais deveriam ser recusadas de pronto, sem que nem mesmo fosse convocado o “réu” (haja vista os custos que isso envolve). No entanto, esse tipo de ação é cada vez mais comum e, pior, as chances da parte autora obter algum êxito são cada vez maiores, graças, sobretudo, à mentalidade reinante, segundo a qual a “parte mais forte” é sempre a vilã, e a “mais fraca” a vítima
Essa mentalidade de passar a mão na cabeça dos marmanjos é que faz desse país um grande pandemônio, sem qualquer segurança jurídica para quem investe. Não acho que banqueiro seja santo, longe disso, mas passar a mão na cabeça de indivíduos imprevidentes, desses que dizem assinar contratos sem ler, é um absurdo. Aliás, é imoral, pois não devemos esquecer que o custo do dinheiro, para quem paga suas dívidas – em dia, claro – é altíssimo no Brasil, dentre outras coisas por conta desse paternalismo judicial e o “coitadismo” com os devedores.
A base do capitalismo liberal é, antes de tudo, a responsabilidade irrestrita do indivíduo sobre os próprios atos, desde que esses atos sejam livres e voluntários. Tudo bem que uma velhinha de oitenta anos possa ser ludibriada pela lábia de um gerente esperto que lhe venda um plano de previdência do qual ela jamais chegará a beneficiar-se, mas alguém que compra um automóvel ou imóvel financiado dizer que não sabia o que estava fazendo quando assinou um contrato?
Se o banco dá crédito a quem não tem perfil, cadastro ou garantias reais a oferecer, como no caso das famigeradas hipotecas sub-prime, está assumindo um grande risco. Não tem porque a justiça interferir ou o Estado salvá-lo em caso de perda. Para o outro lado, vale a mesma regra. É muito fácil assumir riscos quando os contratos só valem “quando é bom pra mim“.
Ninguém precisa saber economia para assinar um contrato. Basta saber ler, fazer as quatro operações e ter um pingo de bom-senso, além da capacidade de assumir a responsabilidade pelos próprios atos, é claro. Num Estado de Direito, todos são iguais perante a lei. Pequeno ou grande, todos devem ser cobrados da mesma forma. Assim como a maioria de nós é contra o salvamento de bancos imprevidentes, não podemos ser favoráveis ao paternalismo com consumidores empresários afoitos.
Não custa lembrar também que, no momento em que se protege um consumidor inadimplente ou imprevidente, outros consumidores, mais previdentes e austeros, estarão sendo sacrificados. Muitas vezes só olhamos para os beneficiados, aqueles “coitados” que não conseguiram honrar os contratos “leoninos”. Mas e os outros, aqueles terceiros interessados que não aparecem em cena, mas que agora provavelmente terão que pagar juros mais altos porque a insegurança jurídica dos bancos aumentou?
Quando defendemos a liberdade, defendemos também o direito ao erro. A liberdade não pressupõe que o indivíduo vá tomar sempre as decisões corretas. O erro faz parte da vida. Um pai que não dê chance ao filho para que este cometa os seus próprios erros, não está criando um homem, mas um parasita.
É preciso deixar claro que não estamos falando aqui de fraude ou descumprimento de contrato. Se alguém vende gato por lebre, isso é fraude, desrespeito ao direito de propriedade, assunto devidamente tratado na lei de qualquer sociedade que se preze. Se alguém vende produto que não funciona ou não funciona de acordo com o anunciado, isso também é fraude. Se alguém vende e não entrega, isso é descumprimento do pactuado.
Mas esse não é, definitivamente, o caso da maior parte dos empréstimos bancários e comerciais. Os contratos bancários costumam ser bastante completos – podem ser complexos e possuir letrinhas pequenas, mas dizem tudo que precisamos saber. Se o empresário assina o papel sem ler, ou assume riscos que não conhece na sua totalidade, mas que lhe foram informados, aí o problema é dele. Isso é algo muito diferente de comprar uma TV que não funciona, por exemplo.
De forma nenhuma, volto a frisar, eu sou contra o ressarcimento de consumidores lesados, até porque o direito de propriedade e a garantia do cumprimento de contratos são, para qualquer liberal, sagrados. Tampouco eu jamais seria contra o direito inalienável de qualquer um pleitear indenizações pela via judicial. O que sou contra é essa indústria da vitimização do consumidor, na maior parte das vezes tratado pelo Estado como um boçal, enquanto empresários costumam ser os ogros vilões que só querem nos passar a perna. No caso dos bancos, isso é levado ao extremo, como se eles fossem a reencarnação do lobo mau e nós, os correntistas/clientes, um bando de chapeuzinhos-vermelhos desamparados. Chega a ser patético – e depois ninguém sabe por que as tarifas e os juros são tão altos no Brasil.
* ADMINISTRADOR DE EMPRESAS